Taxa de juros nos Estados Unidos elevada é má notícia para a América Latina

    Altamente dependente do fluxo de dólares para fechar os cronicamente deficitários balanços de pagamentos, os países da América Latina têm uma relação complicada com o nível da taxa de juros nos Estados Unidos. Toda vez que os juros sobem, ou se mantém elevados, como ocorre atualmente, há uma forte tendência de saída de dólares em direção aos Títulos do Tesouro dos Estados Unidos, considerados investimentos mais seguros. O resultado é apreciação do dólar em relação às moedas locais, o que tende a elevar a inflação e forçar a elevação das taxas de juros, não apenas para tentar controlar a inflação, mas também para conter a saída de dólares, mantendo os ativos denominados em moedas locais atrativos para os investidores estrangeiros.

    O caso clássico foi a crise da dívida externa da América Latina, no final da década de 1970 e início da década de 1980, provocada pela elevação da taxa de juros nos Estados Unidos para o patamar de 20%. Na ocasião, diversos países da região, inclusive o Brasil, viram-se na contingência de suspender os pagamentos aos credores internacionais, abrindo o que ficou conhecido com a Década Perdida. A situação atual, obviamente, não é tão dramática, mesmo porque os juros dos Títulos do Tesouro dos Estados Unidos estão em níveis mais modestos, na faixa de 5,25% a 5,5%, mas os efeitos não estão deixando de se fazer sentir sob a forma de depreciação das moedas locais, pressões inflacionárias, aumentos dos juros e, consequentemente, as taxas de crescimento mais baixas.

    Como se observa nos dois gráficos ao final do artigo, a inflação norte-americana, que permaneceu em torno de 2% por mais de 20 anos, deu um salto a partir de 2020, turbinada pelos efeitos da pandemia da COVID-19 sobre as cadeias de suprimento e da guerra comercial dos Estados Unidos contra a China, chegando próxima de 8%  em 2022. Para fazer frente a esse aumento repentino da inflação, o FED, o Banco Central dos Estados Unidos, elevou as taxas de juros para os mesmos níveis observados do final da década de 1990 e início dos anos 2000, durante o governo Clinton.

    A expectativa era que passados os efeitos inflacionários da pandemia, as taxa de juros nos EUA voltassem aos níveis pré-Covid quando estavam na faixa dos 2% a 3% como se vê no gráfico seguinte, que mostra as taxas médias de hipotecas nos Estados Unidos nos últimos 30 anos. Não foi porém o que aconteceu. Como se observa no primeiro gráfico, a inflação tem se mantido persistentemente na faixa dos 3%, acima, portanto, da meta de 2% estipulada pelo FED, o que tem levado o banco central americano a pôr um pé no freio no ritmo de redução das taxas de juros que vinha promovendo nos últimos meses.

    Como informou o jornal o Estado de S. Paulo (21/4/2024), “Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e professor de Harvard, acredita que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deve reduzir os juros nos Estados Unidos apenas uma vez este ano, em setembro ou dezembro. Isso porque a inflação no país permanece em níveis considerados elevados em razão das pressões do setor de serviços, motivadas pelo crescimento firme da economia.”

    Segundo Rogoff, “A inflação continua elevada basicamente por causa do estímulo fiscal que aconteceu desde a pandemia. As pessoas ricas estão indo bem e há muitos gastos dos consumidores. Os cidadãos com baixa renda receberam muitas transferências de recursos do governo. Mesmo com os mercados de ações caindo 5% ante o seu pico, ainda estão em um patamar bem alto. Os preços dos imóveis estão elevados. Quantos cortes de juros o Fed deverá adotar neste ano e quanto será o crescimento dos EUA em 2024? Os dirigentes do Fed reduzirão os juros uma vez neste ano, que poderá ser em setembro ou dezembro. Mas para baixar os juros ainda será necessário esperar um tempo, pois o Fed é dependente de dados econômicos e o crescimento do nível de atividade continuará muito bom neste ano. Acredito que o PIB poderá ter uma expansão acima de 2% em 2024. Quando a inflação atingirá a meta de 2% nos EUA? Ao final de 2025.  Quantos cortes de juros o Fed adotará até lá? Até o fim de 2026 os juros estarão entre 3,5% e 4%. Eu não acredito que o Fed reduzirá a taxa para 4% até o final de 2025, a menos que Donald Trump assuma o Federal Reserve, caso seja eleito neste ano.” Atualmente, a taxa de juros nos EUA está em uma faixa entre 5,25% e 5,5% ao ano.

    Isso é uma péssima notícia para a América Latina e nomeadamente para o Brasil, que na última reunião do Comitê de Política Monetária também pôs um pé no freio no ritmo de queda de juros, reduzindo o corte para 0,25% ao invés dos 0,5% como vinha fazendo nos últimos meses. A cotação do dólar que havia recuado para níveis próximos de R$5,05/dólar, nas últimas semanas voltou a subir, atingindo o nível mais elevado desde janeiro de 2023.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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