O fato novo na corrida eleitoral dos Estados Unidos é o resultado do julgamento do ex-presidente Donald Trump e agora candidato do partido Republicano para as eleições de novembro próximo por um tribunal de Nova Iorque que o acusou de tentar encobrir por meio de manobras contábeis (sempre elas) pagamento feito a uma atriz pornô com o objetivo de evitar que a divulgação de um relacionamento entre eles ocorrido em 2006 afetasse negativamente sua campanha eleitoral de 2016, quando concorria contra Hilary Clinton ao cargo de presidente dos Estados Unidos.
Depois de várias semanas de julgamento, um júri popular, formado por 12 cidadãos de Nova York, considerou-o culpado das 34 acusações feitas pela promotoria. (Como o ressarcimento ao advogado que realizou o pagamento do suborno à atriz foi feito de forma parcelada, disfarçado de despesas jurídicas, cada pagamento resultou em uma acusação, que ao final totalizaram 34). Como falsificação de registros contábeis é considerada um crime leve, na verdade apenas uma contravenção, que teria prescrito em 2019, não fosse o fato de a acusação ter mostrado que os registros foram falsificados para cometer ou ocultar outro crime, é pouco provável que a sentença a ser proferida pelo juiz do caso, no dia 11 de julho, mande-o para a prisão.
Conforme destacou o New York Times (31/5): “Aqui, eles [os promotores] citaram uma lei estadual que criminaliza conspirar para influenciar uma eleição por meios ilícitos. Ofereceram três. Disseram que o dinheiro do silêncio constituía uma contribuição ilegal de campanha; que extratos bancários e outros registros foram falsificados para pagá-lo; e que o reembolso ao Sr. Cohen [o então advogado de Trump] não foi devidamente declarado para efeitos fiscais.” Mas mesmo na remota possibilidade de o juiz aplicar a pena de prisão, que pode ser de até quatro anos, seus advogados recorreririam da sentença, o que o manteria longe da cadeia por mais alguns meses ou mesmo anos, até que esses recursos fossem julgados, principalmente no caso de Trump vir a ser eleito presidente dos Estados Unidos nas próximas eleições.
Trump ainda enfrenta três outras acusações em três outras jurisdições, mas com esses casos atolados em atrasos, este provavelmente será o seu único julgamento antes do dia das eleições. Os outros processos dizem respeito a questões mais graves – Trump é acusado de mau uso de documentos confidenciais na Flórida e de conspiração para subverter a democracia em Washington e na Geórgia.
De qualquer forma, preso ou não, Trump pode concorrer nas eleições de novembro, uma vez que a lei dos Estados Unidos tem poucas restrições para quem queira ser candidato: apenas exige que tenha mais de 35 anos e tenha nascido em território norte-americano. Provavelmente não passava pela cabeça dos pais da pátria americana, ao escreverem a Constituição do país, que um criminoso condenado pudesse vir, algum dia, a ser candidato à presidência dos Estados Unidos. Esta é a primeira vez em que um ex-presidente dos Estados Unidos é condenado criminalmente e a segunda em que um condenado por crime concorre à presidência dos Estados Unidos. A primeira foi em 1920, quando Eugene V. Debs, fundador do Partido Socialista dos EUA, foi condenado a dez anos de prisão com base na Lei de Espionagem, de 1917, por ter feito, em 1918, um discurso na cidade de Canton, em Ohio, criticando a Primeira Guerra Mundial e o sistema de recrutamento militar dos Estados Unidos que na sua opinião era injusto e beneficiava os ricos à custa dos pobres. Na ocasião, mesmo preso, Debs concorreu e recebeu um milhão de votos.
A questão agora é saber qual será o efeito da condenação de Trump sobre o resultado da disputa eleitoral para a presidência dos Estados Unidos que ocorrerá no próximo dia 5 de novembro. E sobre isso há opiniões divergentes. Enquanto alguns acham, com base em pesquisas recentes, que a condenação poderá levar potenciais eleitores de Trump a mudarem seu voto, outros consideram que o efeito pode ser o inverso. Pesquisa da revista Economist (30/6), mostra que, entre os apoiadores de Trump menos de 20% acham que a condenação poderia afetar negativamente suas chances na eleição deste ano e quase 40% acham que terá um efeito positivo, enquanto entre os apoiadores de Biden esse percentual é 50% e 10%, respectivamente. (vide gráfico a seguir)
Se traçarmos um paralelo entre a cronologia do processo de Nova York contra Trump e a evolução das pesquisas sobre intenções de voto, aparentemente, os que consideram que os efeitos do processo e da condenação de Trump sobre sua campanha eleitoral seriam favoráveis estão certos. Isso porque Trump conseguiu transformar todo o processo judicial em uma arma de campanha, colocando-se como vítima de perseguição política e de um lutador contra o “sistema”. Como afirmou o NYT (20/5), “para a base de Trump, ele continua a ser não apenas um homem, mas um movimento. Quanto mais tumultos jurídicos ele suporta, mais os seus apoiantes o reverenciam”. Após a condenação as doações para o comitê financeiro de sua campanha dispararam.
O fato de o crime pelo qual ter sido acusado e agora julgado e condenado – fraudar registros contábeis – ser considerado de menor importância só reforça a sua tese de perseguição política. Além disso, o fato de o julgamento ter surgido do ambiente obscuro que o tornou famoso, como um nova-iorquino, frequentador das páginas de fofoca dos tabloides locais, atrai ainda mais atenção do público frequentador das redes sociais que, de maneira geral, tende a apoiá-lo.
Matérias assinada por Nate Cohn, analista político chefe do New York Times, em 24/5, mostra que, segundo pesquisa no New York Time/Siena College, a vantagem que Trump mantém há oito meses consecutivos nas pesquisas eleitorais. Isso coincide com o período do julgamento e se baseia em ganhos entre os eleitores que não prestam muita atenção à política, que não acompanham as notícias tradicionais e não votam regularmente. Segundo a mesma pesquisa, o Presidente Biden liderou as últimas três sondagens nacionais do New York Times/Siena entre os que votaram nas eleições de 2020, embora tenha ficado atrás entre os eleitores registados em geral. E olhando para os últimos anos, quase todos os ganhos de Trump vieram destes eleitores menos engajados (vide gráfico a seguir).
Por outro lado, é razoável supor que esses mesmos eleitores pouco engajados politicamente, que se informam mais pelas redes sociais do que pela mídia nacional tradicional, tendem a ser menos influenciados pelo resultado do julgamento de Nova York. Ao contrário, tendem não só a continuar apoiando Trump, como também a considerar que a sua condenação por um crime de pouca relevância apenas comprova, na prática, a tese da perseguição política.
O efeito disso tudo pode ser, portanto, o contrário do que se poderia esperar após a condenação. Ou seja, esses eleitores menos engajados e menos informados, com menor probabilidade de comparecer às urnas (nos Estados Unidos o voto não é obrigatório e nem o dia das eleições é feriado) podem se ver motivados a fazê-lo, dando, assim, a vantagem que Trump precisaria para transformar a preferência desses eleitores revelada nas pesquisas mas que não necessariamente se traduziriam em votos em uma vantagem real nas urnas.
Nunca é demais lembrar que embora Biden tenha, na eleição de 2020, superado Trump com certa folga: sete milhões de votos na contagem geral e 306 x 232 delegados no colégio eleitoral, o fato é que nos estados que foram decisivos para Biden obter a maioria dos delegados, as margens foram muito estreitas, mal chegando, no total a 300 mil votos. Como observa Luiz Kraatz, em artigo no Estado (31/5/2024), “No Arizona, foram pouco mais de 10 mil votos. Na Geórgia, 11 mil. O democrata venceu Wisconsin por uma minúscula vantagem de 20 mil votos. Em Nevada, na Pensilvânia e em Michigan, as vantagem foram um pouco maiores – 30 mil, 80 mil e 150 mil votos respectivamente – mas ainda pequenas”.
Isso mostra, portanto, que toda a publicidade que foi feita em torno do julgamento, colocando Trump diariamente, em todas as redes nacionais de televisão, imprecando suas diatribes contra “o sistema” do qual ele se diz vítima e acusando os democratas de conspirarem contra sua eleição pode ser um fator importante de mobilização não só do eleitorado trumpista que já votou nele nas eleições passadas, mas também daquela parcela que mesmo o apoiando não foram às urnas em 2020 e que poderiam se motivados a ir em 2024.
A campanha de Biden, por seu turno, segue com muitas dificuldades, dentre as quais a maior é a que o atual presidente encontra para se fazer credor das melhoras da economia dos Estados Unidos, que são reais, ao mesmo tempo que não consegue se livrar da culpa por outros problemas que, embora menos relevantes se comparados ao fato de a economia americana seguir forte, com taxas altas de crescimento e níveis baixíssimos de desemprego, tendem a impactar mais os consumidores em seu dia a dia, como uma inflação relativamente alta, na casa dos 3%, para os padrões históricos dos Estados Unidos nos últimos 20 anos, na ordem de 2%, e principalmente as taxas elevadas de juros, que afetam diretamente as taxas das hipotecas imobiliárias, que saltaram da faixa de 3% para 7% nos últimos dois ou três anos, e o financiamento de automóveis.
Como afirmou Paul Krugman, em sua coluna semanal do New York Times (11/6/2024), “A inflação assombrou muitos americanos e agora as taxas de juro atormentam-nos de uma forma diferente. As pessoas dizem que as taxas altas tornam difícil comprar uma casa ou um carro ou lidar com dívidas. Eles estão preocupados com a forma como as taxas elevadas podem afetar seus filhos. Alguns dizem que lhes foi prometido que as taxas cairiam e estão perdendo a paciência. Alguns culpam o presidente Biden e dizem que as coisas melhoraram com Donald Trump. As pesquisas mostram que os eleitores confiam em Trump e não em Biden na economia.”
Como se isso não bastasse, outros problemas assombram a campanha de Biden. A posição de Biden no conflito entre Israel e o Hamas, apoiando acriticamente o governo de Benjamin Netanyahu, enviando dinheiro e armas para seu governo matar mais de 36 mil palestinos, a maioria mulheres e crianças, provocou a revolta e alienação de grande parte da juventude norte-americana e de seus apoiadores mais à esquerda do Partido Democrata, haja vista a onda de manifestações que varreu os campi das principais universidades norte-americanas.
Para piorar as coisas, Hunter Biden, o único filho vivo do presidente Biden, acaba de ser julgado culpado por um tribunal em Delaware por ter informado falsamente que não era usuário de drogas quando preencheu um formulário para adquirir uma arma de fogo seis anos atrás e pode ser condenado a até 25 anos de cadeia. Segundo informou o Wall Street Journal (11/6), “O julgamento em Delaware divulgou detalhes embaraçosos sobre a família do presidente, e Hunter Biden deverá enfrentar outro julgamento por acusações fiscais em Los Angeles em setembro, que poderá apresentar detalhes ainda mais prejudiciais sobre seus gastos luxuosos e estilo de vida. Os seus problemas jurídicos mais amplos deram aos republicanos a oportunidade de retratar a família Biden como corrupta, embora não tenham conseguido vincular o presidente a qualquer delito.”