Equador: violência e dolarização

    O Equador mergulhou em onda de violência sem precedentes que já custou a vida de milhares de pessoas. A narrativa que se lê na imprensa sobre as causas do conflito é que os principais carteis mexicanos do narcotráfico ali se instalaram recrutando gangues locais por conta do porto de Guaiaquil e outros portos do país terem se tornado localizações convenientes para a exportação da droga produzida nos vizinhos Colômbia e Peru para a Europa e Estados Unidos. A causa principal da violência, continua a narrativa, é a disputa entre esses carteis de drogas envolvendo as gangues locais pelo domínio do lucrativo negócio que movimenta bilhões de dólares.

    Essa narrativa, embora aponte as causas imediatas da atual onda de violência, falha em explicar suas causas mais profundas que é o desmonte do Estado equatoriano ao longo dos anos. O Equador vem passando por um processo de privatização das funções do Estado há anos. Na área de segurança, por exemplo, o contingente de pessoas empregadas na segurança privada já é superior ao das forças públicas. Um território com um estado ausente torna-se terra de ninguém, como também o demonstra o domínio do narcotráfico da Amazônia brasileira.

    No caso do Equador, até de sua moeda nacional o país abriu mão quando decidiu enterrar o sucre, sua moeda local, cujo nome homenageava o general Sucre, libertador do Equador durante as campanhas lideradas por Bolivar no século 19, trocando-o pelo dólar norte-americano. Muitos poderiam se perguntar: o que tem a dolarização do país, realizada há mais de 20 anos, a ver com o aumento da violência?

    Tem tudo, não apenas pelo abandono de sua própria moeda, mas sobretudo pelo que isso representa: a renúncia de sua elite política e econômica de dirigir seu próprio país,  de ter um projeto de nação que atenda aos interesses coletivos e ao desenvolvimento nacional. Ao hipotecar parte importante de sua soberania ao banco central dos Estados Unidos a elite equatoriana deixou clara sua traição aos interesses nacionais e mandou o recado a todos que quisessem se aproveitar do país: venham, aqui é terra de ninguém, não existe Estado, tudo está à venda, inclusive o próprio país.

    A adoção do dólar como moeda local tornou o país um local ideal para a lavagem de dinheiro do tráfico internacional. Estima-se que cerca de 3% do PIB equatoriano, o equivalente US$ 3,5 bilhões, são provenientes da lavagem de dinheiro do narcotráfico (O Globo, 20/11/2023). Como destacou a matéria do Globo, “Além da lavagem de dinheiro, os ajustes neoliberais adotados primeiro pelo governo do então presidente Lenín Moreno e depois pelo atual governo de Guillermo Lasso — ambos seguindo as recomendações de um acordo firmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) —, promoveram medidas que levaram a um processo sistemático de cortes na área de segurança. Além disso, a percentagem de pessoas em situação de pobreza aumentou gradativamente nos últimos anos, e passou de 21,9%, em 2019, para 25,5%, em 2022 (…) Hoje, 5 milhões de pessoas vivem com apenas US$ 3 por dia, e 2 milhões com menos de US$ 1,70. Essa situação de pobreza e miséria, abre espaço para que muitos acabem se envolvendo com o tráfico”. Infelizmente a Argentina está indo para o mesmo caminho.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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