Os 100 dias de Milei no governo da Argentina

    Desde que tomou posse da presidência da Argentina, Javier Milei, o ultraliberal que se identifica como anarcocapitalista, vem acumulando sucessivas derrotas em seu esforço em reescrever as regras de funcionamento da economia e da sociedade argentina. Com uma bancada reduzida de deputados de seu próprio partido e dependendo do apoio de partidos conservadores que durante a sua campanha eleitoral acusou de serem a escória da política argentina, o governo de Milei não tem conseguido superar a forte oposição do Parlamento argentino para levar adiante suas ideias ultraliberais.

    Seria um erro, contudo, afirmar de antemão que seu governo será um completo fracasso. Milei está fazendo o jogo do grande capital financeiro internacional e por isso tem contado com a boa vontade da banca internacional e do Fundo Monetário Internacional. O grande desafio de Milei é reduzir a inflação argentina a níveis que permitem o funcionamento normal da economia. Se conseguir isso tem grandes chances de ser bem-sucedido em seu governo.

    A inflação é um jogo de empurra no qual ninguém quer ficar com o mico na mão. Se os salários sobem os empresários e proprietários aumentam os preços e aluguéis para não reduzir seu lucro e sua renda. Diante dos aumentos dos preços e aluguéis, os trabalhadores, por seu turno, exigem novos aumentos salariais ou o governo começa a emitir moeda para ampará-los por meio de programas sociais, criando, assim, uma espiral inflacionária em que o céu é o limite. É o que se chama inflação inercial.

    A única forma de interromper esse movimento inercial da inflação é encontrar um “pagador em última instância” que fique com o mico na mão e, sem tugir nem mugir, aceite pagar a conta. No Brasil, por exemplo, o truque da URV (Unidade de Referência de Valor), em 1994, na transição do Cruzeiro Real para o Real, liberou todos os preços menos os salários, que acabaram pagando a conta final da interrupção da espiral inflacionária. Com a parada súbita da inflação, mesmo tendo seu poder real de compra reduzido, os trabalhadores sentiram-se mais seguros e apoiaram o plano. O plano Real, que neste ano completa 30 anos, foi um sucesso econômico e político.

    O caso da Argentina é mais complicado, mas não muito diferente. A população em geral é mais politizada, os sindicatos são mais influentes e mesmo com mais de 50% das pessoas vivendo na pobreza, o Indice de Desenvolvimento Humano na Argentina é ainda superior ao do Brasil. Impor novas perdas por meio de corte em programas sociais e demissão em massa de funcionários públicos pode ser uma carga maior do que os trabalhadores argentinos estariam dispostos a suportar. Nesse caso, seu plano de dar um freio de arrumação na economia, empurrando para as costas dos trabalhadores o custo do ajuste econômico não terá viabilidade política e seu governo fracassará. Mas há uma chance de que os trabalhadores exauridos por anos de crises contínuas e céticos em relação aos partidos políticos tradicionais aceitem pagar mais essa conta desde que a contrapartida seja o fim ou pelo menos uma redução drástica da inflação.

    Segundo o jornal o Estado de São Paulo (20/03), “Uma pesquisa divulgada ontem pelo diário Clarín sobre os 100 dias de governo de Javier Milei na Argentina indica que a avaliação negativa do presidente supera a positiva, mas mostra também que o libertário ainda mantém um surpreendente apoio dos mais pobres – e mais afetados por sua política econômica”. Isso é um sinal importante ao qual é preciso ficar atento.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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