O Milagre Asiático

    Uma série de cinco reportagens publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo no mês de fevereiro, assinadas pelo jornalista José Fucs, analisa o chamado “milagre asiático” que logrou tirar um bilhão de pessoas da miséria em 20 anos. Além das reportagens de abertura e fechamento da série, que tratam na Ásia Oriental e da Ásia Meridional de forma genérica, o estudo inclui três reportagens sobre os casos de Bangladesh, que cortou a taxa de pobreza de 43% para 9,6% desde 2000; Vietnã, que seguiu o caminho da China e abriu sua economia, reduzindo a taxa de pobreza de 45,1% em 1990 para 0,7%, e Indonésia, país com a maior população islâmica do planeta e a terceira maior da Ásia, que diminuiu o número de pessoas vivendo na extrema pobreza de 62,8% do total para 2,5%, entre 1990 e 2022.

    Ao analisar a trajetória de cada país em seu esforço de redução da pobreza extrema, as reportagens destacam que cada um seguiu trajetórias diferentes, mas o traço comum a todos eles e determinante para a rápida supressão da pobreza extrema foi o crescimento econômico. A primeira reportagem cita o economista Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, que em seu livro “Uma economia, muitas receitas: globalização, instituições e crescimento econômico” afirma que “Historicamente, nada funciona mais que o crescimento econômico para as sociedades melhorarem as condições de vida de seus integrantes, incluindo as mais desfavorecidas”.

    Segundo a reportagem, o crescimento médio das economias da Ásia Oriental, incluída a China, e da Ásia Meridional, incluída a Índia, foi, nos últimos 40 anos, bem superior à média de outras regiões do mundo. Ao analisar as causas do rápido crescimento econômico da Ásia Oriental e Meridional, o estudo destaca o processo de abertura observado nessas economias e seu engajamento nas cadeias globais de produção no bojo do processo de globalização produtiva da economia mundial que ocorreu no mesmo período. Também aponta para investimentos na educação.

     A reportagem enfatiza o papel do setor privado na aceleração do crescimento econômico e relativiza o papel do governo. Nisso faz coro com o economista Takehiko Nakao, presidente do Conselho de Administração do Banco de Desenvolvimento da Ásia (ADB), que no prefácio do livro “Asia’s Journey to Prosperity – Policy, Market, and Technology over 50 years”, de 2020, afirma: “Eu havia sentido há muito tempo que as discussões a respeito do sucesso econômico da Ásia eram muito simplistas. Muitos estudiosos, especialmente de fora da Ásia, tendem a dar uma ênfase excessiva para o papel da intervenção e direcionamento de estados fortes. Mas o sucesso da Ásia baseou-se essencialmente nos mercados e no setor privado como motores do crescimento. As economias começaram a crescer rapidamente quando as políticas mudaram da intervenção estatal para a orientação para o mercado, enquanto os governos continuaram a jogar algum papel proativo”.

    Em outro trecho do livro, Nakao afirma: “As políticas perseguidas na Ásia podem ser explicadas pela teoria econômica convencional. E essas políticas não são muito diferentes daquelas prescritas pelo assim chamado “Consenso de Washington”. O que fez a diferença é que muitos países asiáticos adotaram uma abordagem pragmática para implementar essas políticas. Os países da Ásia implementaram a liberalização das importações, a abertura para o investimento estrangeiro direto, a desregulação do setor financeiro e a liberalização da conta de capitais de uma forma mais gradual e sequencial. Por exemplo, que a liberalização dos fluxos de capitais deveria ser precedida pelo desenvolvimento adequado do setor financeiro doméstico”.

    David Harvey, sociólogo norte-americano de orientação marxista, que no livro “A Brief History of Neoliberalism”, de 2020, afirmou: “o que pode ser dito com precisão é que a China, ao não adotar o cominho da “terapia de choque” da privatização instantânea, posteriormente impingida na Rússia e na Europa Central pelo FMI, pelo Banco Mundial e pelo “Consenso de Washington” nos anos 1990, conseguiu evitar o desastre econômico que tomou conta desses países. Ao tomar seu caminho particular em direção ao “socialismo com características chinesas” ou, como alguns preferem chamar, “privatização com características chinesas”, ela conseguiu construir uma forma de economia de mercado manipulada pelo Estado que permitiu um crescimento econômico espetacular (alcançando uma média de 10% ao ano) e elevando o padrão de vida de uma parte significante da população por mais de 20 anos”.

    Ou seja, o que pode ser dito a propósito das economias asiáticas no seu espetacular desempenho econômico nos últimos 40 anos, que conseguiu praticamente erradicar a pobreza extrema na outrora região mais pobre do mundo, é que praticamente todos os países, cada um seguindo diferentes caminhos, tiveram como traço comum a recusa em aceitar a imposição de receitas prontas impingidas por organismos internacionais baseadas no “Consenso de Washington”, sem, contudo, aferrarem-se a dogmas, adotando, seletivamente, algumas de suas “recomendações” sempre que fossem de seu interesse. Isso é muito diferente do que se passou, por exemplo, na América Latina, onde a adoção dessas políticas se deu muito mais em função do atendimento dos interesses dos credores externos. Isso fez toda a diferença.

    Estado e mercado na Ásia nunca foram entidades antagônicas, mas complementares. Mesmo em países socialistas, como a China, o mercado é o elemento mais dinâmico e o principal motor do rápido crescimento econômico. No caso da China, mais de 70% da produção e 90% do emprego é privado e baseado no mercado. Isso não impede, contudo, de o Estado ter um papel ativo, não apenas intervindo para corrigir as chamadas “falhas de mercado”, como ocorre no Ocidente, mas para criar as melhores condições para o bom funcionamento do mercado e o sucesso das suas empresas privadas.

    Outro aspecto que não pode ser negligenciado é o papel da China como o principal motor econômico da região. Ao se inserir na economia globalizada como “fábrica do mundo” a China criou uma dinâmica na região que integrou a maioria dos países no seu entorno em um mecanismo virtuoso no qual importa componentes por eles produzidos e incorpora-os aos produtos finais que exporta para o resto do mundo. Prova disso é que a balança comercial da China com a maioria desses países é deficitária, ao mesmo tempo que é superavitária com o resto do mundo. Obviamente não é possível fazer a contraprova, mas é difícil imaginar o tremendo sucesso da região, sobretudo nos últimos 20 ou 30 anos, sem a presença da China como novo polo dinâmico da economia mundial.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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