Os Engenheiros do Caos

Sobre a necessidade de nos reinventarmos

Empoli, Giuliano Da. Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. Tradução Arnaldo Bloch – 1ª ed.; 5ª reimp. – São Paulo; Vestígio, 2022 – (Espírito do tempo).

Para o amante da política de per se, é trabalhoso entender a utilização, pelo autor, de vocábulos da tecnologia de informação que demandam explicações em notas de rodapé. Contudo, tais expressões se justificam plenamente, como se verificará na continuação da leitura.

Cite-se, por exemplo, o caso dos “ataques dos trolls na internet” que são comparados às sátiras dos shows de TV na transformação do espírito do Carnaval, antigamente apenas subversivo, em um novo paradigma da vida política global. Com base no fato de que “a festa do carnaval vira o mundo de cabeça para baixo, invertendo não somente as relações entre os sexos, mas também entre as classes e todas as hierarquias – que, em tempos normais, regem a vida social (o poder e os dominados, o nobre e o trivial, o alto e baixo, o refinado e o vulgar, o sagrado e o profano) ” – Giuliano Da Empoli desenvolve sua tese de que o Carnaval-político ou populista dos dias de hoje inverte os valores e contesta a hierarquia do mundo político tradicional, objeto da cólera do povo, a qual será canalizada para uma operação de comunicação gigantesca.

Ora, o troll, na linguagem da internet e conforme rodapé constante da página 13 do livro, “designa usuários que disseminam a discórdia, a fúria e o caos nas redes sociais, aleatoriamente ou com estratégias definidas”. Entende-se, assim, a importância do serviço prestado pelos trolls na divulgação do que os engenheiros do caos analisados pretendem junto a seus seguidores na internet:  frequentemente a aniquilação dos poderes e partidos políticos tradicionais.

Para melhor retratar o Carnaval-político atual, que “vai bem além da península” italiana, diz Da Empoli:

“Onde quer que seja, na Europa ou em outros continentes, o crescimento dos populismos tomou a forma de uma dança frenética que atropela e vira ao avesso todas as regras estabelecidas. Os defeitos e vícios dos líderes populistas se transformam, aos olhos dos eleitores, em qualidades. Sua inexperiência é a prova de que eles não pertencem ao círculo corrompido das elites. E sua incompetência é vista como garantia de autenticidade. As tensões que eles produzem em nível internacional ilustram sua independência e as fake news que balizam sua propaganda são a marca de sua liberdade de espírito”. [2022, p. 17-18]

É no parágrafo acima que nos parece que “já vimos este filme” no Brasil. E, com efeito, o próprio autor continua:

“No mundo de Donald Trump, de Boris Johnson e de Jair Bolsonaro, cada novo dia nasce com uma gafe, uma polêmica, a eclosão de um novo escândalo. Mal se está comentando um evento, e esse já é eclipsado por outro, numa espiral infinita que catalisa a atenção e satura a cena midiática. Diante desse espetáculo, é grande a tentação, para muitos observadores, de levar as mãos aos céus (…). No entanto, por trás das aparências extremadas do Carnaval populista, esconde-se o trabalho feroz de dezenas de spin doctors, ideólogos e, cada vez mais, cientistas especializados em Big Data, sem os quais os líderes do novo populismo jamais teriam chegado ao poder.” [2022, p. 18]

Em notas de rodapé, é-nos informado que spin doctors “são consultores políticos que se ocupam, diante de determinada situação de impasse, crise ou estagnação, com identificar a direção capaz de mudar a tendência a favor de um candidato ou campanha [N.T]”. Big Data, por sua vez, constitui “a área do conhecimento que se dedica a lidar com quantidade de dados tão extensa que é impossível analisá-los pelos sistemas tradicionais. Presente também na ciência e em diversos campos, tem sido amplamente utilizada para potencializar e monetizar dados de usuários das redes sociais. [N.T.]”

Se estes novos termos nos parecem obscuros e até assustadores, suas funções nos populismos atuais explicam a razão de ser e de existir, bem como a resiliência, dos próprios populismos. Sem os recursos da tecnologia da informação, sobretudo os malignos e mal-intencionados, “os líderes do novo populismo jamais teriam chegado ao poder”.  Convém repetir, porque esta constatação vale também como alívio – e esperança de que o Carnaval-político dos dias atuais não se eternize – e termine em cinzas comme il faut ou como desejaríamos.

Daí também decorre a importância do livro de Da Empoli. Ao pesquisar os avanços da tecnologia da informação e trazer-nos suas descobertas, o autor nos faz compreender a que se deve o atraso – ou o quadro caricatural e grotesco – da governança no Brasil dos últimos anos. Serve ademais de consolo, ao retratar deformações semelhantes em países desenvolvidos, como a Itália, a Hungria ou os Estados Unidos da América, com populações consideradas mais cultas, que gozam, supostamente, de bem melhores padrões de educação formal.

Por responsabilizar os engenheiros do caos pelo surgimento e sustentação do populismo carnavalesco de hoje, Da Empoli trata deles em seu livro – e não dos líderes populistas bem conhecidos que, por eles, são pilotados, ma non troppo. [1]

No caso da Itália, foi um especialista em marketing, Gianroberto Casaleggio, quem decidiu contratar um comediante, Beppe Grillo -, dono de uma voz poderosa e de um físico imponente, capaz de lotar teatros com espetáculos cheios de paradoxos, provocações e insultos -, para formar o Movimento 5 Estrelas (em italiano, Movimento 5 Stelle ou M5S). Apesar de auto definir-se como não-partido, o M5S elegeu 26% da Câmara de Deputados e 24% do Senado italianos em 2013, conquistou a autarquia de Roma e a cidade de Turim em 2016 e voltou a ser, em 2018, o partido mais votado, com 33% dos votos para deputados. Dessa forma logrou fazer parte, em seguida, da coligação do governo de Giuseppe Conte, um dos mais longevos da Itália, que durou mais de dois anos e 8 meses (de 1º de junho de 2018 a 13 de fevereiro de 2021).

Ao discorrer sobre o primeiro encontro entre Beppe Guillo e Gianroberto Casaleggio, após uma comédia de stand up em um teatro em Livorno, o autor descreve o evento como “o encontro da besta, poderosa, mas sem saber como dar vazão à sua raiva, com o nerd frio, visionário, mas um pouco perdido no mundo real”, acrescentando que, nesta cena inaugural, “já se encontra toda a mitologia do que estava destinado a se tornar o Movimento 5 Estrelas. O espetáculo, o escárnio, a cultura da internet e a revolução.” (2022, p. 43-44)

Para introduzir Steve Bannon, Da Empoli trata primeiramente do apresentador de sucesso de um reality show – o “Aprendiz” -, Donald Trump, que empreendeu campanha, a partir de 2010, com base em teoria da conspiração segundo a qual Barack Obama não teria nascido nos Estados Unidos e, portanto, não teria direito a ser eleito presidente. Nesta campanha já se encontram três dos ingredientes da doutrina trumpista a serem explorados tanto na campanha eleitoral quanto no governo:

  1. o aceno ao eleitorado branco, rural e das periferias urbanas, pois Trump contestava a legitimidade, não da certidão de nascimento, mas do fato de um negro ocupar a Casa Branca;
  2. a teoria da conspiração, já que, “por trás da eleição de Obama, estaria um grande complô reunindo poderes mais ou menos ocultos das elites globais, capazes de falsificar a realidade para realizar seus próprios objetivos contra os interesses do bom povo americano” (2022, p.94); e
  3. as fake news, a começar pela certidão de nascimento, tendo em vista que o próprio Trump reconhecerá mais tarde ter sido uma mentira o suposto nascimento de Obama fora do território dos EUA.

O grande achado de Steve Bannon foi ver no “improvável” Donald Trump – “um homem de Cro-Magnon folclórico, espécie de sobrevivente dos dinossáuricos anos oitenta” (2022, p.95) – um candidato adequado às “correntes que se movem sob o aparente consenso da Nova América, particularmente no mundo digital” (idem). E isto, num país, “onde os brancos serão uma minoria a partir de 2040 e onde a cultura dominante já é, há muito tempo, a da meritocracia e do politicamente correto das grandes universidades de Hollywood e do Vale do Silício” (idem).

Da Empoli relata as experiências de Bannon em Hong Kong com as desavenças no seio da empresa Internet Gaming Entertainment e seu popular videogame, World of Warcraft; junto ao jornalista e escritor Andrew Breitbart, com quem cria a Breitbart News; junto ao pesquisador Peter Schweizer, com quem funda um think tank, o Government Accountability Institute; junto a Zeo Quinn, desenvolvedor de outro videogame insólito, Depression Quest, que viria a servir para o recrutamento de gamers na batalha contra o establishment político e midiático; até chegar a Milo Yiannopoulos, a cuja expertise em games e gamers Bannon recorre para desacreditar ainda mais o casal Clinton – e convencer os trolls de que Trump era o candidato anti-establishment, mas não só, pois era preciso também convencê-los da necessidade de se engajarem na política.

Para mobilizar o exército dos trolls, Bannon coloca Milo no comando da Breitbart Tech, que passa “aos gamers e a outros oriundos do universo digital” a seguinte mensagem:

“seu mundo está em perigo, a poderosa máquina do politicamente correto e de censores democratas quer tirar tudo que você mais preza, a liberdade de expressão, o anonimato, ou seja, a essência do que vem definindo até aqui a cibercultura. O único meio de se salvar é fazer política. Unam-se a nós e a Trump para combater o establishment, as mídias e a política tradicional, para defender seus direitos e sua identidade.”

Para o êxito de sua campanha eleitoral, o próprio Trump ajudou, com afirmações estapafúrdias (como quando definiu mexicanos como estupradores), desdém, público, a veterano de guerra (que logo negou ter demonstrado), reiteradas gafes, mentiras comprovadas, insultos machistas, apelidos infantis conferidos a concorrentes do Partido Republicano, injúrias e fanfarronices que o público e os gamers adoraram. Acresce a indignação das mídias tradicionais, que caíram em todas as provocações e contribuíram para a sua publicidade, bem como a sensaboria de Hillary Clinton, cujos estrategistas, muito bem pagos, não lograram conceder-lhe qualquer sentimento de força, a exemplo do tom agressivo, desafiador das convenções, passado por Trump.

Da Empoli percorre, igualmente, a história de Arthur Finkelstein e os serviços que prestou, inicialmente, ao Partido Republicano dos Estados Unidos (Barry Goldwater, Richard Nixon, Ronald Reagan), mas também a Benjamin Netanyahu em Israel, com missões na República Tcheca, Ucrânia, Áustria e Azerbaijão, até chegar à Hungria de 2009, “onde o aguarda aquele que será seu principal cliente e, talvez, o espírito político mais próximo do seu na cena internacional” (2022, p.125), Viktor Orban.

Já nos anos setenta, Finkelstein utiliza o método de microtargeting, de análises demográficas sofisticadas e sondagens que permitem identificar os grupos para os quais devem ser enviadas mensagens segmentadas, por cartas ou telemarketing. Seu verdadeiro talento, contudo, se encontra na destruição do adversário. Segundo Da Empoli, “nas suas mãos, as negative campaigns (campanhas negativas), que se lançam ao ataque jogando os holofotes sobre os defeitos dos oponentes, viram uma forma de arte” (2022, p.122). O autor dá exemplos, instrutivos, que justificam a lenda em que Finkelstein se tornou, bem como a formação de uma geração inteira de spin doctors nos Estados Unidos que ocuparam papéis centrais nas eleições de George W. Bush e Donald Trump.   

Finkelstein e Orban são adeptos do membro do partido nazista Carl Schmitt, para quem a política consiste, antes de tudo, em identificar o inimigo. Com base na divisão de Schmitt entre Nós e Eles, Finkelstein e Orban trabalham contra a Europa com vistas às eleições de 2010 e 2014. Quando este inimigo deixa de funcionar, escolhem o Islã para ocupar o seu lugar, não importa que este “problema” quase não exista na Hungria, “onde os estrangeiros não representam mais que 1,4% da população húngara e, entre eles, a quantidade de muçulmanos é ínfima” (2022, p.129). No livro, Da Empoli explica muito bem como foi processada a questão migratória e sua importância, inclusive com a cooperação dos refugiados sírios, involuntária, tendo em vista que a maioria deles nem pretendia permanecer na Hungria durante a crise migratória de 2015. A esse respeito, o autor põe na boca de Finkelstein, em entrevista concedida em Praga, a total irrelevância da realidade:

“A coisa mais importante (…) é que ninguém sabe nada. Em política, o que você percebe como verdade é que é a verdade. Se eu digo a vocês que é um prazer estar aqui, porque deixei Boston, onde estava nevando e agora estou em Praga, onde o sol brilha, vocês vão acreditar. Porque vocês sabem que hoje, aqui, está fazendo um dia bonito. Se, ao contrário, eu digo que estou triste de estar aqui porque deixei Boston sob sol forte e em Praga está nevando, vocês não vão acreditar, porque basta olhar pela janela e acreditar que está nevando em Boston, porque eu menti a vocês sobre Praga. É isto: um bom político é um sujeito que vai dizer uma série de coisas verdadeiras antes de começar a dizer uma série de coisas falsas, porque assim vocês vão acreditar em tudo o que ele diz, verdades ou mentiras”. (2022, p. 129)

Sobre a questão da imigração, Da Empoli retorna mais tarde, entre outras citações, com um texto do manual de conduta para os eleitos do Movimento 5 Estrelas que participam de programas de televisão:

“O assunto imigração suscita muitas emoções, entre as quais, primeiro, o medo e a cólera. Assim, na televisão, começar a argumentar, explicar os tratados ou mesmo propor soluções mais ou menos realistas é inútil. As pessoas estão tomadas por suas emoções e se sentem ameaçadas, assim como suas famílias. Não se pode pretender que elas acompanhem um discurso puramente racional. (…) Nós somos uma saída para a raiva e o medo.” (2022, p.136)

Em meio a outras incursões na questão migratória, com passagens detalhadas pelo movimento dos Coletes Amarelos na França  e pela direção da campanha pelo Brexit, no Reino Unido, e realce, neste último caso, ao spin doctor Dominic Cummings e à empresa canadense AggregateIQ, ligada à Cambridge Analytica, o autor chega ao penúltimo capítulo do livro, em que o entrevistado/protagonista é Antonio Ereditato, pesquisador, diretor do “Laboratory for High Energy Physics” e do “Centro de Física Fundamental Albert Einstein”, em Berna, na Suíça. É então que Da Empoli nos vai instruir sobre as semelhanças entre a passagem da física newtoniana para a física quântica e a transição do jogo político tradicional para a “política” de aplicação dos Big Data.  

Assim, enquanto a física newtoniana é determinista, “no seio da qual tal causa produz necessariamente tal efeito” (2022, p.149), a física quântica é aleatória, uma vez que o comportamento de cada molécula não é previsível, mas o de um aglomerado o é, “pois através da observação do sistema é possível deduzir o comportamento médio” (Idem). Antes de discorrer mais longa e esmiuçadamente sobre a física contemporânea e sua serventia na política dos últimos tempos, Da Empoli cita Eredidato:

“As interações (das moléculas) contam mais que a natureza das unidades, e o sistema, tomado em seu conjunto, possui características – e obedece a regras – que tornam previsíveis as evoluções. As leis da física se aplicam aos comportamentos humanos aglomerados. Claro, não poderemos jamais gerenciar um bilhão de pessoas como um bilhão de moléculas, mas há analogias com base nas quais alguns princípios podem ser aplicados, mesmo se forem sistemas caóticos”. (idem)

Outra apuração digna de nota deste capítulo se encontra na tendência centrífuga da política no novo mundo. No jogo democrático convencional a política era centrípeta, pois, para atingir seus objetivos junto aos eleitores, o líder tinha que dirigir-se publicamente a certas categorias de base (sindicatos, pequenos empresários ou donas de casa) com mensagens moderadas, de modo a atingir o maior número possível de pessoas. “Ganhava aquele que conseguisse ocupar o centro da arena política” (2022, p. 156). No mundo dos físicos de dados, por outro lado, busca-se identificar os temas que contam para cada indivíduo e, em seguida, explorá-lo através de uma campanha de comunicação individualizada. “Não se trata mais de unir eleitores em torno do denominador comum, mas, ao contrário, de inflamar as paixões do maior número possível de grupelhos para, em seguida, adicioná-los, mesmo à revelia deles” (Idem). Ou, como o autor afirma mais tarde:

“Se, no passado, o jogo político consistia em divulgar uma mensagem que unificava, hoje se trata de desunir da maneira mais explosiva. Para conquistar uma maioria, não se deve mais convergir para o centro, mas adicionar os extremos.” (2022, p.163)

A insistência de Giuliano Da Empoli em buscar diferentes analogias para os fenômenos do carnaval populista hodierno se evidencia também no último capítulo do livro, “A era da política quântica”, que serve como alerta para o perigo de desaparecimento da democracia representativa, por repulsa de seus maiores interessados, os eleitores.

Na conclusão, o autor nos remete a ensinamentos de John Maynard Keynes, de cujo “espírito, ao mesmo tempo criador e subversivo, (…) todos os democratas deverão se apropriar para reinventar as formas e os conteúdos da política dos próximos anos, se quiserem ser capazes de defender seus valores e suas ideias na era da política quântica:

‘Quase toda a sabedoria de nossos homens de Estado foi erigida sobre pressupostos que eram verdadeiros numa época, ou parcialmente verdadeiros, e que o são, a cada dia, menos. Nós devemos inventar uma nova sabedoria para uma nova época. E ao mesmo tempo, se queremos reconstruir algo de bom, vamos precisar parecer heréticos, inoportunos e desobedientes aos olhos de todos aqueles que nos precederam’.” (2022, p. 176-177).

Isso há mais de cem anos, após a Primeira Guerra e a Revolução Soviética, num momento em que Keynes “se dirigia aos jovens liberais reunidos em sua Summer School” (2022, p.176). O que pode significar que a necessidade de nos reinventarmos talvez seja uma constante na História – e nada inusitada, como pareceria em função do teor insólito da obra.

O próprio Keynes, “criador e subversivo”, soube como livrar-se das amarras do laissez faire, ao estabelecer uma teoria econômica de contraposição aos interesses do mercado e de valorização da ação estatal, de modo a garantir o pleno emprego e bem assim a responsabilidade do estado de proporcionar benefícios sociais à classe trabalhadora e de propiciar, à sociedade, uma vida digna e de qualidade.

Pensando em Keynes, tudo indica que podemos apontar o fracasso dos resultados econômicos das últimas décadas de neoliberalismo como o principal motivo para o desencanto dos eleitores de hoje com a democracia representativa e sua rejeição aos partidos tradicionais, sobretudo no espectro da esquerda, onde o objetivo de maior igualdade social se tem revelado cada vez mais longínquo e irrealizável.

Não parece restar dúvidas de que existe imensa decepção com a política tradicional entre os eleitores em geral. Se essa frustração se justifica em função de um bem-estar social cada vez mais inexequível, ela não deixa de ser perigosa, para a democracia representativa, por inspirar populismos dos mais diversos – e alimentar as ações de desestabilização dos engenheiros do caos.

Talvez nossa reinvenção deva começar por aí, na busca pelas causas da insatisfação social que, esta, sim, propiciou o surgimento e o poder de sedução desses engenheiros e dos líderes que os utilizam – bem como do nacional-populismo tão bem retratado pelo autor. Engenheiros do caos que não são, tampouco, apenas de direita, como examinados no livro de Da Empoli, mas têm servido também a líderes de esquerda, como tem ocorrido em nossa América Latina.

Resta, por fim, ponderar sobre a questão, que os engenheiros do caos têm sabido tão bem explorar, do nacionalismo e consequente xenofobia que se verifica em países da Europa e da América do Norte. Um dos assuntos principais da revista Jacobin em sua 48ª edição (inverno de 2023), o nacionalismo, não é considerado um apanágio da esquerda, até porque Marx e Engels não se teriam debruçado sobre a questão como deveriam (ao ver da publicação atual). O conhecido político brasileiro Aldo Rebelo também lamenta o descaso com que o nacionalismo é visto por setores da esquerda no Brasil. Culpa-os, aliás, pelo uso desmedido das cores nacionais no populismo brasileiro de direita que conta com sabidas intenções golpistas, como se viu no 8 de janeiro. 

O apelo e a importância do nacionalismo tanto quanto o fracasso do neoliberalismo das últimas décadas devem fazer parte, portanto, das análises visando à nossa reconstrução. Porque estes são fenômenos compreensíveis e podem ser trabalhados com a inteligência dos eleitores. As fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, diz Giuliano Da Empoli já no título de seu livro. Cabe-nos estudar e entender isso, mas trabalhar, ao contrário, pela conscientização do eleitor. Graças ao autor, sabemos com o que estamos lidando e conhecemos seus modi operandi. Já podemos, portanto, iniciar nossa nova luta e reinventarmo-nos, como sempre.


[1] Como se verá no livro, no capítulo 4º, Donald Trump, “ele próprio, é um troll” (p.110). Victor Orban, por sua vez, é também considerado pelo autor “um bruxo político visionário”, no 5º capítulo. (p.120).

Embaixadora aposentada.

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