Nos escombros da pandemia: a crise social e o relançamento da economia

Fila de desempregados: a pandemia agrava os erros da orientação econômica do governo.

O fim da crise do Coronavírus encontrará um Brasil arrasado socialmente com o agravamento do desequilíbrio social que já preexistia à pandemia e que atingirá DESIGUALMENTE as classes sociais, afetando a sobrevivência de quem já era carente e mantendo preservadas as classes economicamente mais protegidas com acesso à medicina privada.

O desbalanço social preexistente só se agravou com a pandemia, pois retirou os já precários meios de sobrevivência da grande parcelada da população brasileira que vive na informalidade e já está sendo afetada profundamente pela paralisação da economia.

Já os rentistas, a classe média alta ligada aos circuitos internacionais e os mandarins do alto funcionalismo, se não foram contagiados, mantiveram-se com sua vida mais ou menos organizada e protegida.

A pandemia agravará os efeitos da orientação econômica do atual governo, com mais recessão e mais desemprego.

Mesmo os contagiados que dispõem de  medicina  privada terão chances muito melhores de cura do que os que dependem do sistema público de saúde, já ultra pressionado pela demanda de leitos em UTI.
A crise sanitária nos seus horrores deixa a descoberto uma situação de extrema precarização da vida de pelo menos 150 milhões de brasileiros, sobrevivendo de bicos e serviços informais que foram os primeiros a evaporar com a pandemia e assim retirando a possibilidade sobrevivência dessa imensa parcela da população.

Os auxílios de emergência NÃO são abrangentes e suficientes para suprir essa paralisia na receita desse segmento. Além disso, por incapacidade de operação, parte dos pretensos beneficiários desse auxílio emergência não está recebendo porque não atende a exigências burocráticas colocadas como condição para percepção de um auxilio emergência que pela sua própria natureza NÃO por ser travado por burocracia que é mesmo discutível em tempos normais.

AS CONDIÇÕES DE RETOMADA

Grandes crises disruptivas do mecanismo social e econômico como guerras, acidentes climáticos e epidemias exigem forte ação de Estado, não existe outro instrumento de reconstrução de tecidos terrivelmente danificados. Assim se deu na Crise de 1929 e no pós-Segunda Guerra, quando a quebra de estruturas de produção e repartição de riqueza e renda foram devastadas.

Nos Estados Unidos o Estado promoveu maciços investimentos para debelar a grande depressão.

O processo de reconstrução foi liderado por grandes cérebros organizadores, Roosevelt nos EUA e Schacht na Alemanha. No pós-Segunda Guerra, o general George Marshall nos EUA e na conexão europeia Robert Schumann e Jean Monet, depois na Alemanha Konrad Adenauer.

No New Deal americano o Estado colocou em circulação imensos recursos gerados por emissão primária de moeda por dotação orçamentaria do Tesouro americano, que estava com enormes reservas.

Sem essa ação de Estado a recuperação da crise de 1929 não se daria e a reconstrução da Europa tampouco seria viável. Nunca houve dúvida quanto ao papel do Estado nesses processos históricos.  Por uma dessas curvas da História uma nova corrente ideológica surgiu nos anos 70 pregando a saída do Estado da economia, crença que ganhou adeptos em poucos países, no início no Reino Unido, por três décadas e em parte bem menor nos EUA, até 2008.

Pior ainda, essa crença marginal encontrou adeptos no Chile imediatamente após o golpe do general Pinochet e no Brasil após 1994. Na França, na Alemanha, na Itália, na Índia, na China, no Japão a seita neoliberal produziu poucos convertidos e não atingiu seus sólidos sistemas de coordenação pelo Estado com um espaço delimitado e operado pelo mercado, mas sempre sob a supervisão do Estado.

AS LIMITAÇÕES DO “MERCADO” NOS PAÍSES EMERGENTES

Os países emergentes, antes da crise da Pandemia, tinham condições de carências estruturais que jamais poderiam ser supridas pelos “mercados”. Este, pela sua própria lógica e natureza, opera com cenários de metas de ganhos a CURTO PRAZO. Nada de errado. É da sua essência.

O mercado opera PARA o núcleo da população que JÁ tem riqueza e renda e é para esse núcleo que vende seus produtos e serviços, como por exemplo, seguro saúde e apartamentos de bom nível, viagens para o exterior e fundos de investimento.

O mercado no Brasil atende razoavelmente bem um grupo de 30 milhões de pessoas das classes média e média alta, mas mesmo assim falta-lhe uma perna, a capacidade de gerar empregos para milhares de jovens de classe média recém-formados, como engenheiros, que no Brasil não encontram facilmente emprego porque faltam obras de INFRAESTRUTURA que só o Estado pode conceber e financiar. Vê-se então que MESMO NO NÚCLEO DE RIQUEZA E RENDA o Estado faz falta para as novas gerações.

Rodovia Belém-Brasília: investimentos em infraestrutura ajudariam o Brasil a enfrentar a crise econômica e social e a tornar o País mais competitivo.

AS GRANDES CARÊNCIAS DE INFRAESTRUTURA

O Brasil está estagnado há mais de cinco anos pela absoluta falta de obras de INFRAESTRUTURA, necessárias e geradoras de emprego e renda. Foi por essa via que o New Deal americano gerou empregos e fez os EUA saírem da Grande Depressão, da mesma forma foi por esse caminho que Schacht fez a Alemanha reduzir seu desemprego de 40% em 1933 para zero em 1936, é verdade que por objetivos não civilizatórios, mas esse foi o fato econômico.

Nos EUA do New Deal as obras tiveram que ser inventadas para gerar empregos, como grandes sistemas de irrigação, parques nacionais e novas rodovias. No Brasil as obras SÃO NECESSÁRIAS, especialmente em transporte, comunicação, saneamento e moradia, desde que sua execução faça espraiar ondas de renda e emprego por todas as regiões do País. Além de atender objetivos nobres, as obras geram empregos onde não há.

Só por uma loucura ideológica é possível pensar que o MERCADO vai executar em prazo necessário esse tipo de obra. JAMAIS O FARÁ. O mercado quer lucro a curto prazo e taxas de retorno altas, incompatíveis com a realidade desse setor. Nos EUA, saneamento, rodovias pedagiadas, aeroportos, portos e metrôs são setores ESTATAIS e não privados. Lá, há em preparação um plano de reforma e reconstrução de rodovias interestaduais no valor de US$ 1,3 trilhão, 100% investimento estatal. Não se cogita haver “concessões” para empresas privadas, os pedágios lá são para o Estado.

AS CONDIÇÕES DE FINANCIAMENTO

Como financiar um impactante PLANO DE INFRAESTRTURUA, com emissão de dívida pública combinada com emissão primária de moeda COMO SE FAZ HOJE EM TODO O MUNDO?

O modelo vem da Modern Monetary Theory, mecanismo desenvolvido após a crise financeira de 2008 pelo qual a Autoridade Monetária irriga as economias com novas injeções de moeda primária em volumes estratosféricos.  Assim se deu na Europa, na escala de $ 2,750 trilhões de euros, e nos EUA em US$ 2 trilhões. No Japão a escala foi ainda maior.  Tudo isso NÃO PRODUZIU INFLAÇÃO e foi pelo “QUANTITATIVE EASING”, nome técnico dessa política expansionista da moeda.

Por meio desse mecanismo as economias centrais mantiveram taxas de crescimento de 2,5 a 3,5% estáveis após a crise de 2008 até a pandemia e agora para a saída da nova crise e relançamento de suas economias esses países já planejam novas e gigantescas emissões de moeda em escala ainda maior PORQUE É ESSE O ÚNICO MECANISMO DE SAÍDA DA CRISE.

O CASO DO BRASIL

No Brasil, incrivelmente e no meio do furacão da epidemia, a equipe economia AINDA INSISTE na política de TUDO PELO MERCADO, que já estava fracassada ANTES DA PANDEMIA.

Insistem porque não sabem fazer outra coisa. Na sua mediocridade se aferram ao “modelo chileno” fracassado historicamente e fracassado atualmente pela insolúvel crise social que produziu naquele País que sempre foi mais rico que outros países do continente.

O FRACASSADO MODELO CHILENO continua sendo inspiração para a atual equipe econômica que não tem nenhum PLANO DE SAÍDA DA CRISE a não ser a velha cartilha de “concessões e privatizações”.  Acontece que MESMO BEM SUCEDIDA, o que o cenário indica não será, essa orientação não trará solução porque não é geradora de riqueza nova, mas apenas de transferência de ativos que não geram renda nem emprego para a população.

Antes da pandemia a política ou a NÃO POLÍTICA do Ministro da Economia – uma simples lauda de desejos ideológicos – e não uma POLÍTICA COM METAS E OBJETIVOS – registrou seu monumental fracasso representado pela SAÍDA DE INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS durante 2019 e início de 2020,  que levaram à desvalorização de 40% do REAL, a moeda que mais se desvalorizou no mundo no primeiro trimestre de 2020, mas isso após torrar US$50 bilhões das reservas internacionais acumuladas pelos Governos do PT.

Quer dizer, não só o Brasil não recebeu os míticos investimentos estrangeiros que alegadamente uma política neoliberal atrairia como SAÍRAM enormes volumes de investimentos externos aplicados em anos anteriores, o que demonstra o COMPLETO FRACASSO da política de Paulo Guedes.

Mesmo nos seus termos propostos a equipe econômica NÃO CONSEGUIU resultado algum em privatizações e concessões. Nada foi feito ou realizado, a não ser a PRIVATIZAÇÃO BRANCA dos melhores ativos da PETROBRAS, da BR DISTRIBUIDORA e dos gasodutos centrais do País, fatias do PRÉ-SAL e não obstante essas vendas e o fato de não existir inflação no País por causa da baixa demanda, o REAL mesmo assim se desvalorizou em 40%. Não há prova maior de fracasso de uma equipe.

Pois o atual governo conta com essa mesma equipe fracassada antes da pandemia para a recuperação da economia brasileira no pós-crise. As mesmas pessoas com a mesma cartilha que REJEITA O ESTADO como indutor da saída da crise, algo que o mundo inteiro está fazendo.

Essa equipe à moda chilena ainda acredita que o relançamento da economia brasileira se dará pelo MERCADO, o mesmo mercado que retirou o que pôde do Brasil ANTES da pandemia, porque voltaria no pós-pandemia?

A razão é ainda mais profunda, além da armadura ideológica, a atual equipe NÃO SABE operar políticas públicas, não tem capacidade, ideias, visão, são medíocres absolutos.

O RELANÇAMENTO DA ECONOMIA BRASILEIRA NO PÓS-PANDEMIA

A economia brasileira terá que operar uma saída para o pós-crise com um grande plano de Estado, baseado em obras públicas essenciais e indutoras de renda por meio de emprego e em sequência dessa renda se criará demanda nova para induzir investimentos em fábricas e ativos produtivos.

É um plano clássico, já aplicado em situações de pós-crise, de pós-guerra, é o que outros países já se preparam para fazer, mas evidentemente para essa tarefa serão necessários cérebros de primeira ordem, vontade política, patriotismo, visão de País e de Estado. Os instrumentos para isso o Brasil tem dentro de casa, não precisa pedir ajuda.

O Brasil entre 1930 e 1980 foi o País que mais cresceu no mundo com recursos próprios, sem vender sua independência.  É um dos cinco maiores países do mundo em território, população e recursos naturais e tem todos os elementos para sair da crise e crescer com suas próprias forças. A política é que regerá esse esforço.

Andre Araujo
Andre Araujo, advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo, conselheiro da CEMIG-Cia. Energética de Minas Gerais e atualmente é consultor de Potomac Partners, consultoria em Washington.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Com o excelente e realista artigo de André Motta Araújo se torna ainda mais nítida à necessidade urgente de uma outra política para o Brasil que este governo que aí está não reúne as mínimas condições de realizar. Blindado por uma ideologia ultrapassada há séculos do laissez faire e revisitada pelo neoliberalismo desumano, fecha o nosso horizonte de mudança na economia e consequentemente na política de geração de oportunidades de trabalho, emprego e distribuição de renda. O que se vislumbra é uma bancarrota. a despeito de nossas riquezas naturais e de nossa força de trabalho. Caos econômico e social…

  2. Parabéns a André Araújo! Excelente artigo, onde o repasse competente da história indica qual deve ser a política econômica para reativar crescimento com distribuição de renda.

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