A centralidade da política industrial

Inovação na fábrica
Inovação: prejudicada pela redução prematura do papel das fábricas. foto CNI

Tem-se assistido nos últimos anos à intensificação do debate sobre a perda de espaço da indústria na economia brasileira, ilustrado pela queda da participação desse segmento no PIB em 2018 que registrou apenas 11,8% frente a mais de 20% nos anos 1980. Essa foi a menor taxa desde 1950, segundo os dados do IBGE, o que para analistas como o professor Ha-Joon Chang mostra não só um dos maiores movimentos de desindustrialização já registrados, como revela sua natureza prematura para um país emergente i implicando em impactos negativos sobre a inovação e a produtividade.

As causas apontadas como determinantes desse processo no Brasil – que não é nosso objetivo discutir aqui – vão desde a adoção de políticas industriais ultrapassadas e a utilização de instrumentos inadequados (incentivos, desonerações entre outros)ii às condições macroeconômicas e sistêmicas desfavoráveis.iii Argumenta-se que todas falharam em levar a indústria brasileira a acompanhar as mudanças no setor e a se integrar à dinâmica do comércio internacional de alto valor agregado. Há ainda os que veem a desindustrialização brasileira como algo natural, dada a mudança de perfil da economia nacional, com o setor de serviços assumindo maior protagonismo, a exemplo do que ocorre com a economia americanaiv.

Sejam quais forem as razões para esse quadro e seus desdobramentos, é destacado na literatura nacional e estrangeira o papel da indústria no progresso econômico e social de um país por estar associado à função de criar novos produtos que revolucionam os mercados e as formas de produzir com impactos importantes sobre as demais atividades econômicas e a qualidade do emprego. Não é por acaso que os países mais bem-sucedidos nesse quesito nunca abriram mão de definir suas estratégias de desenvolvimento industrial como meio de transformação estrutural de suas economias,v de modo que esse tema tem voltado à discussão nos últimos anos com muitos países passando a adotar medidas de políticas para recuperar ou fortalecer sua indústria.

O último relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), publicado em 2018, intitulado Investment and new industrial policies (Investimento e novas políticas industriais), procurou mostrar que mais de 100 países adotaram estratégias de desenvolvimento industrial nos anos recentes com a incorporação de novos tipos de políticas em resposta as oportunidades e desafios que emergiram com a nova revolução industrial. Nos últimos cinco anos, conclui o estudo, pelo menos 84 países – tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, contabilizando 90% do produto global – adotaram estratégias formais de desenvolvimento industrial.

Existem muitas definições de política industrial que podem ser encontradas em grande número de estudos, porém, há entre eles uma base comum que atribui às políticas governamentais o objetivo de agir de modo a afetar diretamente a estrutura econômica de uma determinada economia por meio de ações que aumentem suas capacidades produtivas domésticas e competitividade internacional.vi Tais estratégias têm incluído historicamente tanto políticas verticais (indústrias específicas) como horizontais (melhoria das capacidades operacionais de diversos setores), mas, as mudanças recentes de ordem econômica e geopolítica têm alterado a divisão internacional do trabalho e colocado novos desafios ao crescimento, ao aumento da produtividade e à inserção externa dos países.

São quatro os fatores de ordem doméstica e internacional que têm dado grande centralidade à política industrial no enfrentamento dessas questões, segundo a Unctad:

  1. Pressão para reduzir o desemprego e estimular o crescimento depois da crise financeira global, mitigando assim os problemas socioeconômicos e os efeitos negativos da globalização.
  2. O sucesso das economias de rápido crescimento no Sul e Leste Asiático, o que tem pressionado os países desenvolvidos a responder à intensificação da competição em comércio, investimento e tecnologia, e países de média e baixa renda a buscar maior participação nas cadeias globais de valor.
  3. Medo do processo de desindustrialização prematura nas economias de renda média, e de perda de oportunidades nas economias de renda baixa, o que tem levado esses países a elaborar políticas de estimulo ao setor manufatureiro.
  4. Foco nas cadeias globais de valor que incluem produtos e serviços e demandam políticas para aumento da capacidade manufatureira e serviços relacionados, além de mudanças nos regimes regulatórios e de facilitação de negócios.

Nesse sentido, as estratégias recentes de políticas industriais e suas correspondentes medidas de políticas têm combinado elementos de coordenação sob a direção do Estado e se voltado para: i) aumento da participação de seus sistemas produtivos na cadeia global de valor; ii) desenvolvimento de infraestrutura de internet e de tecnologias mais amplas de informação e comunicação (TICs) na indústria e em serviços relacionados; iii) incremento das atividades associadas à chamada “Nova Revolução Industrial” (novas tecnologias digitais, robótica, impressoras 3D, Big Data e internet das coisas na cadeia de suprimentos industriais); iv) desenvolvimento de fontes de energia limpa; v) desenho de novas fontes de financiamento; e vi) questões de segurança nacional.

Esse último ponto tem levado alguns países a alterar suas políticas para o capital estrangeiro, combinando incentivos e restrições ao investimento externo direto (IED) em indústrias estratégicas, como a China, Alemanha, Japão e Itália, além da própria Comissão Europeia, que estabeleceu um sistema de rastreamento para o IED em território europeu.

Em síntese, para alguns países emergentes e em desenvolvimento analisados pela publicação, a adoção de estratégias de desenvolvimento industriais no período recente tem significado a elaboração de políticas ativas, com o objetivo de melhorar seu acesso aos mercados externos, tornar suas empresas mais competitivas pela internacionalização da produção e redução de custos, e participar em melhores condições da cadeia global de valor.


i Ha-Joon Chang. “O Brasil está experimentando uma das maiores desindustrializações da história da economia”. El País. 15.01.2018. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/05/economia/1515177346_780498.html>

ii Estadão. “Vamos salvar a indústria brasileira, apesar dos industriais brasileiros”. 30/10/2018. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,vamos-salvar-a-industria-brasileira-apesar-dos-industriais-brasileiros-diz-paulo-guedes,70002575000>

iii O Globo. “Indústria tem menor participação no PIB desde os anos 1950”. 05/03/2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/industria-tem-menor-participacao-no-pib-desde-os-anos-1950-22455531>

iv Jorge Arbache em um de seus artigos argumenta que a despeito das supostas similaridades das participações da indústria dos dois países (Brasil e Estados Unidos) no PIB, é preciso levar em conta as substanciais diferenças entre os dois casos. Enquanto a queda da participação da indústria americana no PIB foi acompanhada de significativo aumento da densidade industrial, a queda da participação no Brasil foi acompanhada de estagnação da densidade. Ver: “Indústria ou serviços? Afinal, qual é a participação da indústria na economia?” Em 22/03/2018. Disponível em: <https://economiadeservicos.com/2018/03/22/industria-ou-servicos-afinal-qual-e-a-participacao-da-industria-na-economia/>

v Deepak Nayyar. “ A corrida pelo Crescimento: países em desenvolvimento na economia mundial”, pág. 160. Rio de Janeiro, Editora Contraponto, 2014.

vi Dani Rodrik. “Industrial policy for the twenty-first century”. KSG Working Paper No. RWP04-047, Harvard University, 2004.

Luciana Acioly
Luciana Acioly é economista, pesquisadora do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

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