Ideologia na política econômica Domingo Cavallo e a ruína Argentina

ruína argentina

A história registra um quadro de fracasso e desastre quando uma ideologia serve de moldura à política econômica.

O comando de uma economia é virtuoso quando registra uma combinação de instrumentos adequados a cada objetivo que compõe o conjunto. A economia é um campo de múltiplas variáveis em que há espaço para o ambiente de mercado e para políticas públicas, nem tudo é só uma coisa ou outra, a política é uma soma de instrumentos.

Um cenário com o selo do desastre é a entrega de TODOS os setores da economia a uma só cabeça, sem contrapontos e contrabalanços de proteção.

Se essa única cabeça estiver errada o navio afunda, o risco é enorme. Nos grandes países o comando da economia é protegido pela existência de uma combinação de pesos e contrapesos dentro da torre de comando. Nos EUA o secretário do Tesouro é supervisionado pelo Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, cercado por outros polos de poder, o secretário do Comércio, o secretário do Trabalho, o representante Presidencial de Comercio Exterior e ao lado e independente do Executivo, o Conselho do Sistema da Reserva Federal, o Banco Central americano. Nesse Conselho há sete membros NÃO ligados ao mercado financeiro e cada um deles de uma linha diferente de pensamento econômico, tudo para dividir as visões e riscos na tomada de decisões sobre o complexo mecanismo da economia.

No Brasil pós 1946 a tradição foi de dividir o comando da economia em todos os governos. No único caso de concentração com a criação de um Ministério da Economia, no Governo Collor, a experiência acabou em desastre.

Nos governos militares sempre a economia foi operada com divisão de poderes, grandes nomes como Roberto Campos e Otavio Bulhões, Delfim Neto e Reis Velloso, depois Mário Simonsen, Ernane Galveas e Camillo Pena, nomes sólidos com visões próprias para combinar consensos. O eixo dessa razão é IMPEDIR QUE UMA IDEOLOGIA EXCLUDENTE COMANDE A ECONOMIA.

É preciso que o espaço do mercado tenha seu defensor com igual peso e poder de quem defende as políticas públicas, pois ambas ferramentas são necessárias para mover a economia.

Um caso emblemático de um “czar” da economia mandando sozinho foi Domingo Cavallo durante o Governo Menem na Argentina (1991-1996).

Cavallo representou a “combinação mortal”, um só centro de poder comandando uma grande economia a partir de uma ideologia exclusivista.

O resultado foi um dos maiores desastres da história econômica de um País, um “neoliberalismo fanático” que desmontou a economia Argentina.

Ideologia na economia

Impor a uma política econômica direção de uma ideologia exclusivista é uma péssima decisão. Mesmo se por hipótese as linhas dessa política sejam virtuosas, os resultados só virão em longo prazo, ficando sem solução a curto prazo, o que pode matar o doente.

Numa visão mais ampla, política econômica exige mais do que um economista, requer um HOMEM DE ESTADO, de cultura mais ampla do que aquela que pode suprir uma escola de economia, é preciso uma cultura humanística e um senso de alta política, requisitos raros em economistas de cartilha.

Três grandes economistas operaram políticas de circunstâncias em situações críticas, John Maynard Keynes, Hjalmar Schacht e Luigi Einaudi.

Keynes no Tesouro da Índia era ortodoxo e completo heterodoxo no New Deal e em Bretton Woods. Schacht resolveu a hiperinflação alemã com um método ortodoxo desde então usado em todo o mundo para liquidar com inflação e valorizar a moeda, depois virou completo heterodoxo na recuperação da economia do Terceiro Reich.

Com bônus rotativos e moeda de compensação, o economista Luigi Einaudi, segundo Presidente da Itália no pós-guerra, comandou a veloz e brilhante recuperação da economia italiana. Um homem de elevada cultura humanística, além de economista, sabia operar tanto a economia quanto a política, o oposto do “economista de cartilha”, típico da política econômica ideológica.

Einaudi, um liberal conservador, manteve o imenso sistema de empresas estatais herdado da Itália fascista, centralizado no IRI-Istuto per la Ricostruzione Industriale, holding de 400 empresas industriais, os grandes bancos estatais, a Ente Nazionale Idrocarburi (ENI) petrolífera, as ferrovias, a eletricidade. Einaudi sabia que sem o Estado a economia italiana não se levantaria da destruição causada pela guerra. Sob o guarda-chuva do Estado corporativo, a média e a pequena empresa prosperaram.

O desastre da política ultra neoliberal do Plano Guedes

A matriz do Plano Guedes são reformas neoliberais extremadas e as privatizações. Nenhuma dessas políticas são alavancas de crescimento e emprego.

As reformas têm buracos negros, como a ideia de capitalização na Previdência, ilógica e inviável em países pobres, porque a massa trabalhadora não tem sobra para investir. A capitalização é egoísta e destrói o conceito de solidariedade como base da Previdência Social de amparo aos mais indefesos. Até Milton Friedman tinha essa perfeita noção da necessidade do Estado como base de política pública.

As reformas são em geral rearranjos de riqueza e renda já existentes, não criam nova riqueza e nova renda, não são motores de arranque de crescimento, são rearranjos de situações passadas, nada mais que isso.

As privatizações significam grandes negócios especulativos, não só não criam empregos e crescimento como têm efeito contrário. Cortes de folha e enxugamento de ativos são a segunda etapa da empresa privatizada já sendo preparada para revenda com lucro. Os compradores HOJE são investidores financeiros à cata de pechinchas e não multinacionais operativas como no passado. É uma ilusão achar que esses fundos vão levantar a economia.

O Estado promoveu o desenvolvimento econômico do Brasil

Foi o Estado brasileiro que a partir de 1930 promoveu o crescimento do País a taxas das mais altas do mundo. Foi o Estado quem construiu, a partir de 1930, 100% do parque hidroelétrico brasileiro, o maior do mundo.

O Estado construiu FURNAS, CESP, CEMIG, CHESF, ELETRONORTE, a malha rodoviária, os metrôs, as refinarias, os aeroportos, os gasodutos e oleodutos, o pré-sal, a siderurgia. A experiência brasileira de crescimento veio pelo Estado.

O Brasil criou um banco de fomento que chegou a ser o maior do mundo, hoje caminhando para extinção em nome do neoliberalismo, porque atrapalha a reserva de mercado dos especuladores à cata de empresas endividadas, não interessa aos abutres um banco que salva empresas e setores.

A argentina e o Reino Unido como exemplos de políticas ultra neoliberais

Dois países de características muito diferentes promoveram mega políticas neoliberais entre 1970 e 1990. A Argentina e o Reino Unido privatizaram tudo, cortaram políticas públicas e programas sociais. As maravilhas do mercado não enriqueceram o País como um todo, apenas produziram novos bilionários.

A Argentina empobreceu, desindustrializou-se e parte da classe média virou pobre. O Reino Unido perdeu suas emblemáticas fábricas de automóveis; aviões; material elétrico; indústria de bens de capital e os grandes estaleiros. O interior britânico empobreceu e encolheu. Hoje o nome Thatcher é maldito na Inglaterra, a desconstrução do País levou ao anticlímax do Brexit e a um futuro incerto.

O futuro negro do desmonte neoliberal

O Brasil faz parte do grupo de países conhecido como grandes emergentes, os BRICS. Nenhum desses países, com exceção do Brasil, promoveu ou está promovendo o desmonte de sua economia para agradar ao mercado. Todos têm projetos nacionais vigorosos, capitaneados pelo Estado.

Todos estarão errados?

Andre Araujo
Andre Araujo, advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo, conselheiro da CEMIG-Cia. Energética de Minas Gerais e atualmente é consultor de Potomac Partners, consultoria em Washington.

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