Dois Brasis

O escritor Machado de Assis viu, no século XIX, o que muitos se negam a ver hoje: a existência de dois Brasis, o Brasil oficial e o Brasil real.

O Brasil mergulhou, desde o início da pandemia do coronavírus 19, em uma falsa dicotomia entre o isolamento social e a permanência, sem interrupções, das atividades econômicas e do trabalho.

Essa pandemia global impôs a todas as nações do planeta os mesmos desafios: como salvar vidas, evitar, ao máximo, o número de cidadãos infectados, ao mesmo tempo traçar rumos para manter as atividades essenciais e procurar elaborar estratégias para a retomada da grande roda da economia produtiva.

A premissa defendida pelo governo do presidente Jair Bolsonaro tem sido errada por dois motivos: em primeiro lugar, por razões humanitárias. A ideia da “imunidade de rebanho”, ou darwinismo social, acarreta um morticínio bem maior que o atual, absurdo, brutal, que tem sido minimizado pelas atitudes dos governadores e prefeitos, já que eles se negaram, corretamente, a pagar essa conta macabra.

Um Brasil extremamente desigual e polarizado

Já dizia o grande e imortal escritor Machado de Assis que existem dois Brasis: o Brasil oficial e o Brasil real, que pode ser traduzido atualmente da seguinte maneira: um País das grandes maiorias sociais, mais de 180 milhões de habitantes, e aquele composto pelas elites econômicas, financeiras e a classe média tradicional, onde residem as grandes faixas de consumo mais rentáveis e sofisticadas, onde a grande mídia derrama suas mensagens publicitárias, ideológicas, etc.

Toda, repetindo, toda a polarização ideológica e política, que se assiste hoje, e nas últimas décadas, encontra-se no Brasil oficial. O Brasil real, só participa efetivamente na hora do voto e nas pesquisas de opinião pública, muito especialmente nas pesquisas eleitorais.

Às vezes, surgem políticas “compensatórias”, o nome usado, inclusive, pela mídia é esse mesmo, para amenizar as chagas sociais profundas e históricas. A única válvula de ascensão social realmente existente aos filhos do Brasil real é através dos esportes, particularmente o futebol, mesmo assim, bastante peneirada.

O Brasil real é um País estrangeiro, ou será o Brasil oficial? Não se sabe dos seus anseios, angústias, esperanças, fantasias, etc.

Em certos setores das elites “esclarecidas” há dois tipos de comportamentos: o paternalista de “esquerda”, e o neoliberalismo de “direita”. Um resolve achar ou falar em nome do País real, com as suas agendas ideológicas, que muitas vezes servem aos seus anseios existenciais ou pragmáticos. O outro, sempre se bate pela ausência do papel do Estado, ou por reduzi-lo ao mínimo, como é o caso, atual, do ministro Paulo Guedes.

Sejamos óbvios, o Estado Nacional só adquire relevância em casos de pandemia, como a atual, porque ela atinge a todos indistintamente. Mas, todas as mortes nos atingem terrivelmente.

A fundamental e incontornável política, a democracia no Brasil só estará definitivamente assentada, com suas óbvias imperfeições, quando incorporar as grandes maiorias sociais do Brasil real. E, para tanto, é fundamental um projeto de desenvolvimento estratégico, que incorpore, literalmente, toda uma nação excluída da sua própria nação.

Essa é mãe de todas as injustiças, a excelência de todos os preconceitos, o racismo de todos os racismos, nesse povo mestiço e original, como afirmou o antropólogo Darcy Ribeiro.

Porque o Brasil atual, mesmo modernizado tecnologicamente, sofisticado em vários aspectos, digitalizado, globalizado em todas as vertentes, a oitava economia mundial, ainda continua a ser o País da Geografia da Fome, de Josué de Castro, de meados do século XX. E do genial Machado de Assis, falecido em 1908. O demais, é poesia parnasiana, ou tese acadêmica de Sociologia, com a devida vênia dos sociólogos e dos poetas parnasianos.

Eduardo Bomfim
Eduardo Bomfim é advogado, foi deputado na Assembleia Constituinte que elaborou a Constituição de 1988.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Professor, se me permite, sim existem dois brasis.
    divididos e dilacerados. Aquele é reconhecido dentro das pernoites de brasília com suas leis estupradas e dilapidando o poder. convenhamos que o estupro parte de lazaro e que desvencilha no homem cuja lei a cria e assim, ele mesmo, na lei, estupra os alpes da semântica e assim possui para ele o poder de dizer se sim ou não. Nao digo no condido de CIMA, mas do poder camaral, bilateral. la de cima o machado é pesado, no bicameral é podre e maculado de abcessos rompidos. vejamos o teatro chamado CPI ( engraçado) me faz lembrar do nome UTI – urgência tratamento interno – sim – interno.
    Temos que tratar internamente de forma bicameral – sem neologismo, mas não devemos levar a crer em corrupto no governo presidido la de CIMA, ou seja, só Deus para tirar ELE do poder. Vejamos, quem mesmo Jesus perdoou quando assim estava no carvalho. ESquerdo ou direito. Ah sim, os dilacerados são os recém formados durante esses 15 anos atras, ou sao policiais, ou sao trabalhadores, ou sao apenas sonhadores, mas, acreditam la EM CIIMA. 2022

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