Prefácio para o livro de Eduardo de Souza Pereira, Diplomacia de defesa – Ferramenta de Política Externa.
A Diplomacia de Defesa é uma arte tão antiga quanto sua congênere, a arte da guerra. O historiador grego Heródoto, em sua História, oferece uma crônica do esforço diplomático que antecedia a entrada em cena dos exércitos na Antiguidade. A construção das alianças, tanto por parte das cidades gregas quanto pelos persas, era tão ou mais importante quanto mobilização e o desempenho dos exércitos nos campos de batalha.
A diplomacia militar portuguesa foi decisiva para erigir o império colonial na África e na Ásia, desde a missão de Pero de Covillã em busca do reino africano cristão de Preste João para conformar a aliança que preparou a aventura lusitana na Índia.
A jornada da independência do Brasil exigiu da Diplomacia de Defesa o talento para recrutar os quadros que formaram a nascente Marinha brasileira e o improvisado Exército com veteranos da Marinha britânica e remanescentes dos exércitos napoleônicos. Thomas Cochrane, John Pascoe Greenfell e Pierre Labatut são alguns dos comandantes em terra e no mar das forças que combateram pela independência da jovem nação sul-americana.
O embaixador e historiador Sérgio Correia da Costa fez um minucioso relato em seu livro A diplomacia do Marechal, dos entendimentos do governo da nascente República sob o comando do Marechal Floriano Peixoto e o governo dos Estados Unidos para a aquisição de barcos, armamentos e tripulantes com o objetivo de romper o bloqueio importo pela Revolta da Armada à cidade do Rio de Janeiro.
Outro momento elevado da diplomacia brasileira de defesa ocorre no governo Vargas, no acordo para a cessão das bases brasileiras no Nordeste para a operação das forças aliadas na Segunda Guerra Mundial. As ações do embaixador nos Estados Unidos, Osvaldo Aranha, depois ministro das Relações Exteriores, são muito conhecidas, mas há depoimentos preciosos sobre a participação de militares brasileiros e norte-americanos nas negociações.
O ex-correspondente da UPI (United Press Internacional) no Brasil, Gary Neeleman, e sua esposa Rose Neeleman descrevem em seu livro Soldados da Borracha visita do comandante da Força Aérea dos Estados Unidos, Major-General Delos C. Emmons ao Brasil, em 1939, com a missão de escolher o estratégico local no Nordeste, onde foi instalada a Base Aérea mais movimentada da Segunda Guerra, operada pelos aliados. Sim, a base aérea mais movimentada não estava localizada na Europa, nos Estados Unidos ou na União Soviética, mas sim em Parnamirim, próximo a Natal, no Rio Grande do Norte.
O General Góes Monteiro, o condestável do Estado Novo, comandante militar da Revolução de 1930, em depoimento ao jornalista Lourival Coutinho no livro O General Góes depõe relata o seu esforço pessoal para a consumação da aliança militar entre o Brasil e os Estados Unidos contra as potências do Eixo. Aliás, o depoimento de Góes Monteiro não evidencia qualquer simpatia pela Alemanha. O que deve ter ocorrido antes da barbárie nazista é a existência de dúvidas na alta hierarquia do poder sob Vargas e Góes Monteiro sobre as vantagens para o Brasil da aliança preferencial no jogo geopolítico da época.
O acordo entre Roosevelt e Vargas envolveu ainda o envio de uma Divisão de Exército com 25 mil homens, que participou da campanha da Itália no rompimento da Linha Gótica dos exércitos alemães e um Grupo de Caça que se comportou heroicamente nos céus da Europa.
A Diplomacia de Defesa, desalinhada da diplomacia geral e do primado do interesse nacional sobre as disputas geopolíticas globais da Guerra Fria, terminou por envolver setores das instituições armadas em alianças desorientadas com um dos blocos em disputa gerando divisões artificiais na sociedade brasileira, cujas cicatrizes ainda permanecem.
A Diplomacia de Defesa credenciou o Brasil para as missões de paz da ONU, a começar do Batalhão Suez, estacionado durante 10 anos (1957-1967) na fronteira entre o Egito e Israel e, desde então, na Bósnia, no Congo ou no Haiti, o Brasil é presença incontornável nas tropas de paz das Nações Unidas.
Democracia de Defesa exerceu o Ministério da Defesa do Brasil no governo Michel Temer, General Silva e Luna, ao se reunir com sua contraparte venezuelana, General Vladimir Padrino, com o objetivo de reduzir o coeficiente de atrito na fronteira em razão do afluxo de imigrantes da Venezuela em direção ao Brasil. A iniciativa diplomática teve prosseguimento com o Ministro da Defesa Fernando Azevedo, já no governo do Presidente Jair Bolsonaro, infelizmente sem a correspondência do Itamaraty.
A Diplomacia de Defesa criou o Conselho de Defesa Sul-americano, em 2008, no governo do Presidente Lula e na gestão do Ministro da Defesa Nelson Jobim. O atual governo tratou de esvaziar o Conselho ao introduzir na relação entre os países da América do Sul as alianças ideológicas importadas das disputas geopolíticas extrarregionais.
A escalada da competição entre Estados Unidos e China, inclusive no plano militar, exigirá do Brasil pôr à prova toda a experiência histórica de sua diplomacia e de sua Diplomacia de Defesa para projetar a influência do País no mundo e proteger seu entorno estratégico dos riscos de envolvimento no confronto econômico, tecnológico e diplomático, com possíveis desdobramentos militares, mesmo que localizados.
O livro de Eduardo de Souza Pereira, Diplomacia de Defesa: Ferramenta de Política Externa constitui uma crônica atual e bem-informada dos aspectos essenciais da Diplomacia de Defesa. O autor reúne o saber prático de sua trajetória militar com um notável acervo acadêmico para descrever a história, os desafios e as perspectivas da matéria abordada.
O livro está à altura dos melhores momentos da Diplomacia de Defesa do Brasil e pode ser tomado como roteiro para novos estudos sobre o tema e para subsidiar as análises e tomadas de decisão das instituições civis e militares do Estado.
Sítio Amazonas, Viçosa, Alagoas, janeiro de 2021.