Defesa e Segurança, um tema tão antigo e tão atual

Prefácio do livro Manual de Segurança & Defesa, publicado pela editora Processo, sob coordenação de Lier Pires Ferreira, Pedro Villas Bôas Castelo Branco e Ricardo Rodrigues Freire. Autor: Aldo Rebelo

O primeiro grande livro de história da humanidade foi escrito por um grego, no século V antes de Cristo. A Grécia já era uma civilização de filósofos e poetas consagrados, mas Heródoto destinou seu livro a descrever as chamadas Guerras Greco-Pérsicas ou Guerras Médicas, em um tratado que reúne história militar história do cotidiano, sociologia, antropologia, etnografia, e geografia, disciplinas nas quais foi pioneiro. Seu sucessor e discípulo, Tucídides, também escreveu sobre a guerra, a do Peloponeso, entre Athenas e Esparta, desprezando as maravilhas da arte grega, sua contemporânea.

Os livros de Heródoto e Tucídides exaltam a importância dos temas militares desde a antiguidade. Quem foi mais importante para a expansão da civilização helênica e de seus valores, Aristóteles, o filósofo, preceptor de Alexandre, ou o próprio Alexandre, o gênio militar do mundo antigo? Quem mais projetou a imagem de Roma, Virgílio e sua literatura, ou os feitos militares de Júlio Cesar, seu maior general? Cartago foi derrotada por Roma, mas a história eternizou as proezas de Aníbal Barca, o grande comandante de seus exércitos. Dos escravos de Roma, um ficou para a história, Espártaco, o líder da rebelião que enfrentou as legiões de Marco Licínio Crasso.

A França criou escritores, filósofos e cientistas que ajudaram a ilustrar a cultura da humanidade, mas nenhum nome subiu mais alto os degraus da glória do que Napoleão Bonaparte, o estrategista insuperável dos campos de batalha. Os Estados Unidos batizam sua capital com o nome do principal general de sua guerra de independência, George Washington. O Vietnam comoveu o mundo na guerra para se libertar da ocupação da França e dos Estados Unidos, projetando as figuras de Ho Chi Minh, o líder político, e de Neguyen Giap, o vencedor de Dien Bien Phu e o estrategista da ofensiva do Tet.

No Brasil, a arte da guerra produziu heróis imortalizados de nossa breve história, a começar pelos índios Ajuricaba, Tuxaua dos Manaos, em confronto com os portugueses nos vales da Amazônia e Arariboia, o chefe Tupi em combate contra a ocupação francesa do Rio de Janeiro e Sepé Tiaraju em defesa de sua terra missioneira contra as tropas de Portugal e Espanha.

A primeira heroína brasileira, Maria Quitéria, condecorada por D. Pedro I, conquistou a merecida fama nos campos de batalha da Guerra da Independência na Bahia. Até hoje seu nome reverenciado está em praças e ruas do Brasil e batiza uma taça do futebol baiano disputada pelos dois principais clubes do estado, o Bahia e o Vitória, e por clubes convidados. São heróis considerados fundadores do Exército brasileiro o índio Poti, Felipe Camarão, o negro liberto Henrique Dias e os senhores de engenho João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros, os comandantes da Vitória contra os holandeses, na Batalha dos Guararapes, em 1648, quando o Brasil escolheu ser um só país e não dois ou três, no dizer de Gilberto Freyre.

A guerra da independência foi o batismo de fogo de dois futuros heróis brasileiros, o Duque de Caxias e o Almirante Tamandaré, patronos do Exército e da Marinha. A República foi proclamada e consolidada por dois heróis consagrados nos campos de batalha do Paraguai, os marechais Manuel Deodoro da Fonseca e Floriano Vieira Peixoto. E a última guerra civil que assolou o Brasil foi um conflito entre militares rebeldes e legalistas, que se uniram para promover uma revolução em 1930, sob a liderança de dois caudilhos, o civil Getúlio Vargas e o militar Pedro Aurélio de Góis Monteiro.

Esse breve registro de personagens e episódios militares da história geral e da história do Brasil é para destacar a relevância e a atualidade do assunto de que se ocupam os organizadores Lier Pires Ferreira, Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco Ricardo Rodrigues Freire e os autores do livro “Manual de Segurança &Defesa”.

O livro oferece um panorama completo do estado da arte e dos desafios na área de Defesa e Segurança no Brasil, aponta corretamente as virtudes de nossos documentos básicos sobe o tema – a Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa – mas ressalta as deficiências visíveis e preocupantes na abordagem da agenda.

A ausência de percepção de ameaças visíveis à segurança nacional, combinada com a convivência pacífica e amistosa com os vizinhos ao longo de 16 mil quilômetros de fronteiras, contribuem para o reduzido protagonismo da questão de Defesa na sociedade brasileira e entre os três poderes do País. O reflexo mais visível dessa situação é o baixo orçamento destinado às instituições militares, incompatível com as necessidades e responsabilidades de proteção do território do espaço aéreo e das águas jurisdicionais.

E se Estratégia Nacional de Defesa é a composição do elemento destino, dado pela história e pela geografia, com o elemento escolha, decidido pelos homens, no caso do Brasil as escolhas estão em conflito com o destino. Não há defesa nacional sem economia nacional, sem indústria nacional, sem ciência nacional, sem tecnologia nacional, sem infraestrutura nacional, sem logística nacional.

E se é verdade a nossa boa relação com os vizinhos e a ausência de contenciosos antagônicos com potências relevantes, não há qualquer garantia de continuidade e permanência desse estado das coisas. A recomendação antiga segundo a qual quem quer a paz deve estar preparado pada a guerra nunca foi tão atual.

O verdadeiro inventário realizado pelos autores da presente obra oferece referências seguras para os responsáveis pelo planejamento da Defesa e Segurança Nacional nas esferas do governo e do Estado, e constitui, também um esclarecedor roteiro para os estudiosos da arte que acompanha a já longeva caminhada da humanidade, e que não dá sinais de que vá abandoná-la tão cedo.

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1 COMENTÁRIO

  1. Obra excelente, que se destina a iniciantes e iniciados em um tema ainda tão pouco explorado pela academia brasileira. Parabéns aos coordenadores, autores e à Editora Processo, uma casa cada vez mais candente academia nacional.

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