O processo de queda da participação da indústria no PIB do Brasil se iniciou no Governo Collor, com a abertura “ideológica” às importações, sem critérios de preservação da escala industrial do País, sem negociação de contrapartidas com os países que se beneficiaram da abertura do mercado brasileiro, sem acordos comerciais. A ideia era “modernizar” o País, que, segundo essa visão, era atrasada porque sua indústria só produzia “carroças” e não Ferraris.
Toda uma lógica de transformação do Brasil de País de monocultura agrícola em 1930 para um País industrializado já em 1960, portanto em 30 anos, foi repentinamente e sem planejamento algum, sem uma base de nova política industrial, tudo foi revertido para o ponto zero ao se abolirem os instrumentos que permitiram o surgimento de uma sólida base industrial que vinha da siderurgia ao petróleo e chegando a bens de capital e indústria aeronáutica.
O desmonte dessa política se deu na prática pela extinção da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (CACEX), em cuja Divisão Industrial, chefiada pelo Eng. Namir Salek, operava a Lei do Similar Nacional, que possibilitou a criação de uma grande indústria de bens de capital no Brasil.
O sistema exigia licença de importação para máquinas e equipamentos. Quando o importador solicitava a licença à CACEX, eram chamados os fabricantes nacionais para opinar e dizer se poderiam fabricar no Brasil aquele equipamento que se pretendia importar. Vou dar um exemplo pessoal.
Uma grande empresa têxtil de Belém, fabricante de tecidos de juta para sacas de café, pediu licença para importar 300 teares da Inglaterra já com motores elétricos acoplados. Como fabricante de motores elétricos fui chamado à CACEX e informei que poderia fabricar aqueles motores que apesar de se pretenderem “especiais” para teares não tinham nada de especial a não ser uma telinha na abertura das ventoinhas de ventilação para não entrar fiapos. Com isso a CACEX emitiu a licença de importação para os teares, MAS sem motores, sob protestos do importador. Fabricamos aqui os 300 motores e daí em diante essa empresa têxtil passou a ser nossa cliente fiel por décadas, CRIOU-SE um novo mercado para um equipamento feito aqui.
O mesmo aconteceu com os motores à prova de explosão para a PETROBRAS, fui o primeiro a fabricar no Brasil, ainda na década de 1950, um mercado enorme para a indústria nacional. TODO ESSE PROCESSO foi liquidado no Governo Collor e abriu-se a importação sem critérios para tudo.
Macarrão italiano, água mineral francesa, ervilha em lata da França e Holanda, chocolates suíços, mas o pior foram máquinas e equipamentos. Na década de 1970 o Brasil tornou-se grande exportador de determinados tipos de máquinas de TECNOLOGIA MÉDIA, especiais para países da África e América Latina, como máquinas para beneficiar café, cereais, picadoras de resíduos agrícolas para ração, câmaras frigoríficas para carnes e pescado. As exportações de manufaturados passaram a ser item de importância na balança comercial, ao mesmo tempo em que as estatais como PETROBRAS, ELETROBRAS, CSN, COSIPA, VALE eram grandes compradoras de bens de capital.
O Brasil tornou-se o maior fabricante mundial de hidro geradores, a petroquímica e o gás tornaram-se enormes mercados para motores, compressores, trocadores de calor e tubos, levando a indústria a ter 25% de participação no PIB e ser a indústria o CARRO CHEFE DO CRESCIMENTO DO PIB. Os automóveis eram 100% fabricados no País, da carroceria ao último parafuso, a indústria automobilística passou a ser grande empregadora. Só a fabrica da Volks em São Bernardo chegou a 41.000 operários (hoje são 4.500).
A política cambial do plano real
O Plano REAL de 1994 foi a segunda onda de desindustrialização, ao se USAR A TAXA DE CÂMBIO COMO ARMA CONTRA A INFLAÇÃO. Isso significa que em vez de o câmbio ser arma para o crescimento, como fizeram a China e a Índia do início de seu projeto de crescimento ATÉ HOJE, a política cambial passou a ser administrada pelo Banco Central EXCLUSIVAMENTE como arma para atingir a meta de inflação, ao baratear os produtos importados mesmo à custa de assim inviabilizar a indústria nacional. Com isso se beneficiou especialmente as CLASSES MÉDIA E ALTA, consumidoras de produtos sofisticados importados à custa dos empregos que prejudicaram especialmente a classe dos trabalhadores, que não compram chocolate suíço, mas que trabalhavam aqui em fábricas de chocolates.
Na área de máquinas e equipamentos a razia foi enorme, fábricas de tornos mecânicos, como a NARDINI, que chegou a ter 1.000 operários, fecharam. Havia no Brasil mais de 50 fabricantes de injetoras para plástico e alumínio, tipicamente empresas médias, fecharam quase todas, passou a ser mais barato importar injetora da China, mesmo sendo a nacional de melhor qualidade e durabilidade.
A política de câmbio desde 1994 JAMAIS foi operada pensando na proteção da base industrial, como fazem AGRESSIVAMENTE a China e a Coreia do Sul, o câmbio é parte do PLANO DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL de um projeto de País e não apenas pensando no preço da água Perrier no Leblon.
Política cambial não é nunca neutra, nem câmbio flutuante é um valor por si só. Todo País de uma forma ou de outra usa a taxa de câmbio como arma de comércio exterior. Câmbio flutuante puro não existe porque um banco central sempre tem o poder de intervir, e a simples existência desse poder é um fator de influência no preço. Câmbio flutuante pode existir pela operação das reservas ou pela taxa básica de juros. Os EUA em 1971 fizeram uma mega intervenção unilateral no câmbio ao desligar o DÓLAR de seu lastro ouro (US$35 por onça-troy), os tigres asiáticos, especialmente a China, usam SEM DISFARCES a manipulação da taxa de câmbio para alavancar exportações. O Brasil tinha enorme expertise em política cambial ativa, mas preferiu jogar fora esse instrumento para favorecer a ânsia de consumo das classes média e alta em detrimento dos empregos industriais na base.
A economia aberta das cartilhas de Chicago
Na mídia brasileira despontam economistas ou comentaristas dizendo que o bom para o Brasil seria ter uma economia aberta, sem definir o que entendem como tal. Desde que existam soberanias e fronteiras, não há economia aberta no mundo real. Todos os países industrializados defendem sua economia, ninguém abre nada de graça, só nas salas de aula da Universidade de Chicago dos anos 70 e 80, hoje nem lá. Todos os grandes países DEFENDEM sua base industrial de uma forma ou de outra, seja pelo câmbio, ou por tarifas ou por barreiras não tarifárias. É extremamente difícil vender qualquer coisa nos prósperos países asiáticos, na União Europeia, na Rússia e mesmo nos EUA, o pretenso campeão de economia aberta. A China é grande importadora de carne de frango, mas dos mais de 100 frigoríficos brasileiros especializados, só 24 estão credenciados a exportar para a China, a inclusão de um a mais leva anos em um processo complicado e difícil. Restrições de todo tipo existem para carne brasileira na Rússia e União Europeia, nos EUA e na Ásia.
Ninguém abre nada de graça, para abrir é preciso dar contrapartidas, economia aberta de graça só existe nas salas de aula da PUC-Rio.
Política industrial e cadeias globais
Todo grande país tem política industrial de Estado, operada por um Ministério especializado, que no Brasil existia e foi abolido neste Governo.
Essa política tem a ver com emprego, segurança econômica, defesa, autonomia em fontes de energia, paz social. Hoje no mundo SÓ O BRASIL não tem política industrial. Nos EUA o desenvolvimento do ETANOL DE MILHO e do SHALE OIL (Xisto Betuminoso) é POLÍTICA DE ESTADO, assim como a tecnologia 5G, há interação e coordenação dessas políticas com o Departamento de Comércio e Departamento de Energia, nos EUA a política industrial tem a ver com AUTOSUFICIÊNCIA ENERGÉTICA, AERONÁUTICA, TECNOLÓGICA. O Governo dos EUA combate FEROZMENTE os subsídios dados pela União Europeia à AIRBUS e agora está impondo tarifas de US$7,5 bilhões, autorizadas pela OMC, às exportações europeias em represália aos subsídios dados aos aviões da AIRBUS. É TUDO ESTADO, são políticas de Estado, nada a ver com economia aberta e mercado livre, é o ESTADO defendendo o País.
As chamadas CADEIAS GLOBAIS não são livres e neutras, cada país tenta manter em suas fronteiras o máximo de conteúdo e de empregos, o BRASIL SE ABRIU DE GRAÇA no setor automobilístico, permitindo a implantação de montadoras novas que trazem carros desmontados completos de suas matrizes e aqui só montam, gerando o mínimo de empregos, com isso exterminando boa parte das fábricas de autopeças, grandes empregadoras de mão de obra. TUDO FOI ABERTO SEM NENHUMA CONTRAPARTIDA e agora se queixam de desindustrialização e desemprego.
Hoje há no Brasil enorme importação de alimentos de todos os tipos, até verduras, pasta de dente é fabricada no México mesmo em marcas baratas, a INDÚSTRIA TÊXTIL E DE CONFECÇÕES, grande empregadora, foi substituída por importações. Cidades inteiras como Americana no interior de São Paulo, que chegou a ter 600 tecelagens hoje tem apenas algumas que restaram como relíquias, tudo fruto das ondas Collor, Plano Real e a “economia aberta” da Casa das Garças, pensamento que dominou desde o Plano Real às instâncias de decisão sobre a ANTIPOLÍTICA INDUSTRIAL brasileira. Hoje o Brasil é o maior importador de ETANOL e de ÓLEO DIESEL dos EUA, insumos energéticos que poderiam ser perfeitamente produzidos aqui, mas que por AUSÊNCIA DE POLÍTICA INDUSTRIAL nos transformou em grandes e passivos importadores, como se isso fosse coisa boa para o Brasil.
A desindustrialização como parte do projeto neoliberal
O atual Ministro da Economia tem uma meta para o novo ciclo da economia brasileira e diz isso sem corar: ELE PROPÕE ABRIR A ECONOMIA como valor em si mesmo, porque ECONOMIA ABERTA É MAIS EFICIENTE. É uma deturpação do pensamento econômico, que é parte da noção de geopolítica, desde que não há ECONOMIA NEUTRA. Quando nos primórdios da indústria a Inglaterra propôs o LIVRE COMÉRCIO foi porque se beneficiaria com a abertura dos mercados do mundo para sua indústria, que era a única em condições de exportar. As doutrinas de economia se ajustam à política de cada Pais. Hoje os EUA estão se tornando protecionistas por razões de interesse nacional, o Brasil ERROU SUBSTANCIALMENTE nos últimos 30 anos ao abandonar uma lógica de POLÍTICA INDUSTRIAL em nome de outros objetivos e hoje colhe o resultado em uma CRISE DE EMPREGO, produto desses erros.
Poderíamos dar nome aos bois. Qdo está matéria fala que o Brasil errou, deveria dizer os brasileiro erraram ao escolher os governantes. Esses erros ocorreram pq o povo elegeu governantes (e continua elegendo) sem a mínima capacidade cognitiva sobre economia. Infelizmente estamos fadados a sucumbir como nação.
Pelo que vi no gráfico, começou a partir de 85 provavelmente em 21 de abril de 1985…não com o Collor. Ele só enterrou de vez e todos demais, assinaram em baixo.
Muito bom. Mas faltou uma abordagem do papel dos altos impostos, da burocracia excessiva, da cartelização consentida, da insegurança jurídica, dos custos trabalhistas… enfim, de tudo que normalmente contribui para o “custo Brasil”. E que faz com que um motor feito no Brasil seja mais caro do que outro equivalente importado da Inglaterra, ou que produtos Chineses seja muuuito mais baratos que equivalentes feitos aqui. Proteger a indústria nacional sem submetê-la à chancela do mercado internacional, viabilizando exportação, é mantê-la ineficaz.
Outra coisa que não “cola” é dizer que as bobagens do Collor ou do Guedes são ações “liberais”. Evidente que não o são.
O projeto é muito claro aqui, aniquilar a indústria é aniquilar os sindicatos, com os quais a uberização é impossível! É um tiro que acerta dois coelhos: a guerra de classes e a subordinação associada ao império.
Excelente matéria. Nossa Cultura de fazer o discurso de interesse dos outros. Vai da industrialização até o meio ambiente, passando por inúmeros setores sempre defendendo de forma inocente os interesses dos outros. Não conseguimos colocar o interesse econômico nacional em um plano acima dos discursos direcionados para outros fins que não seja o nosso. Além da inocência tbm temos uma maquina estatal que de forma invejosa destroem os projetos que estão nascendo, com exigências e normas impossíveis de superar. Não percebem que a destruição do setor empresarial será o deles no futuro. Nosso legislativo acuado não consegue destravar a burocracia e enfrentar o STF que cada vez legisla mais. A sociedade comprou essa ideia e nossa cultura colabora para cada vez mais travarmos o país.
Caro Hamilton,
Concordo com grande parte de suas colocações, porém, quero divergir da colocação sobre enfrentar o STF, uma vez que esse só legisla diante da inoperância do legislativo. Lembremos que nossa constituição data de 1988 e até hoje o congresso conseguiu complementa-la e diante dessa lacuna e tamanho período sem a devida legislação as decisões acabam passando ao STF. Temos visto com muita frequência o congresso agindo rapidamente para derrubar legislativa mente as decisões da Suprema Corte, mas isso só acontece enquanto interesse próprio.
Forte abraço!