A volta da política industrial nos Estados Unidos

    Desde a Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos têm passado por transições econômicas com  implicações importantes não só em relação ao seu papel no mundo, como principalmente no próprio funcionamento da economia global. Stephen Roach (2022) destaca três: a Grande Inflação em meados dos anos 1970, a mudança para uma economia dependente de ativos financeiros no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, e o protecionismo comercial que ficou mais evidente depois de 2016. Enquanto nas duas primeiras a resposta para os novos desafios colocados impulsionou o processo de globalização da economia mundial, seja visando a redução dos custos de produção, seja procurando atrair financiadores para os crescentes déficits da economia americana, esta última transição tem levado a um movimento no sentido oposto, marcado pela rejeição de práticas anteriormente incentivadas como o livre comércio e o multilateralismo.

    Nada exemplifica melhor esta mudança do que a tentativa norte-americana de destruir, na prática, a Organização Mundial de Comércio (OMC) e a adoção de práticas que antes condenavam no seio daquela organização, como a adoção das chamadas políticas industriais, com o objetivo de oferecer vantagens e incentivos à sua própria indústria, agora em desvantagem internacional em alguns setores de ponta, como a produção de semicondutores, equipamentos para geração de energia solar, baterias elétricas, carros elétricos (dois de cada três veículos elétricos vendidos no mundo são feitos na China) e outros setores ligados à chamada Quarta Revolução Industrial.

    Como destacou o jornal Valor Econômico (15/06), “Em reunião de ministros dos principais países comerciantes, na semana passada, em Paris, a portas fechadas, Estados Unidos e Europa rasgaram a fantasia. Sinalizaram interesse na adaptação de regras comerciais internacionais para o setor industrial. Na prática, querem assegurar “policy space”, ou margem de manobra para o Estado fazer política industrial – algo que se ouvia até recentemente só de países em desenvolvimento. Os dois seguem agora passos da China, mas ao mesmo tempo querem enquadrar subsídios dados por Pequim”. Ainda segundo a matéria, “Agora a política industrial deixou de ser um termo maldito na cena comercial. E ali toma corpo um movimento para criação do que no jargão da OMC é chamado de “caixa verde” (subsídios autorizados) para o setor industrial, focado na transição verde. Significaria facilitar o uso de conteúdo local ou de subsídios sem limites, dependendo das barganhas. Para alguns países, isso ajudaria a reduzir a dependência ou frear o avanço da China na indústria de painéis solares e veículos elétricos, por exemplo. Nos EUA o presidente Joe Biden introduziu a maior intervenção em política industrial em décadas. O programa Inflation Reduction Act (IRA) prevê a soma colossal de US$ 370 bilhões de redução de impostos e outros benefícios para impulsionar produção e compra de semicondutores, veículos elétricos, baterias, parque eólico, painel solar e muitos outros”.

    Rana Foroohar, comentarista do Financial Times (18/6), afirmou que “o governo Biden acredita que a política comercial deve funcionar para que a América média funcione. Isso significa afastar-se dos tradicionais acordos de livre comércio que, como disse [Katherine] Tai [Representante do Comércio dos Estados Unidos], “reforçam as cadeias de abastecimento existentes que são frágeis e nos tornam vulneráveis. Isso não faz sentido em um momento da história em que tentamos diversificá-los e torná-los mais resilientes.” Isso também significa pressionar por mais proteções aos trabalhadores de acordo com as disposições do Acordo Estados Unidos-México-Canadá, que permite a imposição de penalidades a empresas que não honram acordos coletivos de trabalho”.

    No Brasil, desde que a onda neoliberal cruzou a linha do Equador no início dos anos 1990, os defensores das políticas industriais foram taxados de “dinossauros”, saudosistas do modelo desenvolvimentista do período 1930/1970 que já não teria mais espaço no mundo globalizado. Cansamos de ler e ouvir que a melhor política industrial é não ter política industrial. Resta saber o que vão dizer agora.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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