A política norte-americana de isolar a China está fazendo água

    Desde a última reunião do G7, em Hiroshima, no Japão, em maio último, ficou evidente que a posição dos países europeus em relação à China não é exatamente a mesma dos Estados Unidos. Embora tenham subscrito a proposta norte-americana de apontar o dedo para a China como a principal ameaça ao Ocidente, tentaram amenizar a declaração final em claro sinal de que não desejam dar as costas à China como pretendem os Estados Unidos.

    Em artigo publicado no jornal o Estado de S. Paulo (10/6), o jornalista e autor indiano-norte-americano Fareed Zakaria reproduziu a opinião de diversos líderes europeus com quem conversou sobre o assunto. O ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown explicou o dilema europeu. “A Europa precisa de uma política industrial, mas não pode se dar ao luxo de imitar o protecionismo americano”, disse. “Para a Europa, o comércio é vital; sua prosperidade depende do comércio com o restante do mundo, incluindo a China, de uma forma de que os Estados Unidos não dependem. (A Europa) importa energia e não é autossuficiente.” Para Helle Thorning-Schmidt, ex-primeira-ministra da Dinamarca, “A Europa não pode se divorciar da China. Isso seria o fim da globalização. É por isso que queremos reduzir os riscos, não desacoplar.”

    No dia 14/6 a Alemanha declarou, ao revelar sua primeira estratégia de segurança nacional, que sua maior parceira comercial, a China, tornou-se nos últimos anos uma ameaça crescente à segurança internacional. Mas parece que não é o que pensam os empresários alemães.

    Conforme informou o Financial Times (15/6), “O conglomerado industrial alemão Siemens anunciou investimentos significativos em fábricas na China e em Cingapura, seguindo uma estratégia de diversificação na Ásia e expansão no mercado chinês, apesar das crescentes tensões geopolíticas. O presidente-executivo, Roland Busch, disse em entrevista coletiva em Cingapura na quinta-feira que a Siemens investirá € 2 bilhões globalmente este ano para aumentar sua capacidade de fabricação, começando com uma expansão de fábrica na China e a abertura de uma fábrica de alta tecnologia na cidade-estado. A aposta na China ocorre depois que Busch a descreveu como um impulsionador de inovação tecnológica”.

    Ainda segundo a matéria, “O conglomerado também investirá € 140 milhões para expandir em 40% uma fábrica em Chengdu, sudoeste da China, que produz software para controlar robôs e outras máquinas industriais. Ela vem junto com um novo centro de pesquisa e desenvolvimento em Shenzhen que “acelerará o desenvolvimento de sistemas de controle de movimento”. A Siemens disse que os investimentos em alta tecnologia na China estão sendo feitos porque os clientes da região são “pioneiros a adotar novas tecnologias, especialmente em digitalização e manufatura de alta tecnologia”, ecoando os comentários que Busch fez ao Financial Times no mês passado. “Onde posso encontrar os clientes que me puxam para o próximo nível de inovação, que são exigentes e que procuram a próxima tecnologia?” ele disse na época. “É na China em muitos casos.”

    Tudo indica que a política de desacoplamento da China proposta pelos Estados Unidos está fazendo água e eles próprios estão mudando o discurso. Como Yu Yongding, ex-presidente da Sociedade Chinesa de Economia Mundial e diretor do Instituto de Economia e Política Mundial da Academia Chinesa de Ciências Sociais, em artigo publicado no site Project Syndicate em 28/6, “Em um discurso recente, a secretária do Tesouro dos EUA, Janet L. Yellen, deu uma nota mais positiva. Ela apontou que, como uma economia, o relacionamento dos Estados Unidos com a China “é apenas um agregado de escolhas que as pessoas fazem” e que a trajetória do relacionamento “não é predeterminada e não está destinada a custar caro”. Em vez disso, será determinado por inúmeras escolhas, incluindo “quando cooperar, quando competir e quando reconhecer que, mesmo em meio à nossa competição, temos um interesse comum na paz e na prosperidade”.

    Como afirmou Zakaria, na matéria citada, “Reduzir riscos é o termo da moda na diplomacia. Até o governo Biden agora diz que quer reduzir o risco em vez de desacoplar. Mas muitos com quem conversei na Europa temem que esta seja apenas uma mudança retórica e a tensão continue crescendo. Quando Washington ouve essas opiniões, muitas vezes tende a descartar a Europa como muito passiva e pacifista, assumindo que, na China, os Estados Unidos terão que construir uma nova coalizão com os principais Estados asiáticos, como Índia, Japão e Vietnã. Mas mesmo com esses haverá limites. A China está logo atrás dos americanos como principal parceiro comercial da Índia, e Nova Délhi está ciente de que seu crescimento depende da manutenção de um relacionamento econômico saudável com Pequim (…) A maior relação comercial do mundo é entre a China e a Asean, quase US$ 1 trilhão. E os países da Asean não podem crescer sem um comércio aberto e vibrante, especialmente com a China”.

    Outro sinal da dificuldade enfrentada pelos Estados Unidos em seu esforço de isolamento da China é o fato de os Estados Unidos estarem sendo obrigados a renovar a licença para que várias empresas fabricantes de semicondutores – incluindo a sul-coreana Samsung e a Taiwan Semiconductor Manufacturing (TSMC) – que investiram bilhões de dólares para construir fábricas na China nos últimos anos continuem operando no país. Conforme noticiou o jornal Valor (12/6), “A medida para estender as isenções equivale a um reconhecimento por parte dos EUA que os esforços para isolar a China de produtos de alta tecnologia são mais difíceis do que o previsto em uma cadeia global altamente integrada, de acordo com executivos da indústria”. Segundo a mesma matéria, “Os fabricantes de chips estrangeiros têm resistido aos esforços dos EUA para limitar os negócios com a China. Os governos asiáticos e europeus também recuaram. A crítica mais contundente veio da Coreia do Sul. A China é de longe o maior mercado de exportação de Seul, mas é um grande aliado militar dos EUA, fazendo com que o governo sul-coreano atue para não criar problemas com as duas potências”.

    Segundo o South China Morning Post (12/6), “A segunda maior fabricante de chips da Europa entrou em uma joint venture multibilionária chinesa. A STMicroelectronics investirá em conjunto com a chinesa Sana Optoelectronics para construir uma fábrica de chips de US$ 3,2 bilhões na megacidade de Chongqing, no sudoeste do país. O novo empreendimento superará até mesmo a fábrica de Xangai de US$ 2 bilhões comprometida pelo magnata americano dos veículos elétricos Elon Musk em 2019. Seu objetivo é apoiar a crescente demanda doméstica do país por dispositivos de carboneto de silício (SiC) em veículos elétricos, bem como outras fontes industriais e setores de energia. Mas também é altamente simbólico em um momento de guerra de chips EUA-China, com os Estados Unidos pressionando governos e empresas europeias a tomar um partido.”

    Chamou também atenção a decisão da TMSC de não aceitar transferir a produção de seus chips mais avançados para a nova fábrica que a empresa está construindo nos Estados Unidos por pressão do governo Biden. Alegando que, no caso de uma invasão da China continental, os chineses interromperiam o fornecimento global de chips valiosos e roubariam a mais avançada tecnologia de fabricação de chips, os norte-americanos já haviam convencido a líder de Taiwan, Tsai Ing-Wen, a aceitar a mudança, mas os executivos da empresa, demonstrando ter mais juízo que a dirigente taiwanesa, negaram-se a fazê-lo.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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