China reduz dependência tecnológica do Ocidente

    Apesar de toda a polarização política entre Republicanos e Democratas, em diversas questões de política externa houve poucas mudanças quando Joe Biden assumiu a presidência dos Estados Unidos, em 2021. Uma delas foi a relação com a China. Joe Biden não só manteve em vigor as tarifas de Trump contra os produtos chineses, como também construiu um sistema abrangente para restringir os fluxos de tecnologia ocidental para a China. Entre as principais medidas adotadas no governo Biden está a proibição de empresas norte-americanas ou que utilizem tecnologia americana exportarem os semicondutores mais avançados e equipamentos para sua produção para a China.

    Em um primeiro momento isso causou um tremendo impacto para empresas chinesas que se utilizavam desses microprocessadores mais avançados para a produção de smartfones, equipamentos de telecomunicações para a tecnologia 5G da Internet e para o desenvolvimento da Inteligência Artificial, como foi o caso da Huawei. Mas, como diz o ditado, o sapo pula não por boniteza, mas por necessidade. E foi o que fizeram as empresas de tecnologia, cientistas e institutos de pesquisa chineses. Diante da dificuldade de acesso à tecnologia ocidental para avançar mais rapidamente em direção à fronteira tecnológica, não lhes restou outra alternativa senão desenvolver ainda mais rapidamente tecnologia própria para não ficar para trás na corrida tecnológica com o Ocidente.

    Matéria publicada pela revista inglesa The Economist (13/2) faz um balanço recente dos avanços da China no desenvolvimento e produção de microprocessadores e equipamentos que até então eram importados de empresas ocidentais e os resultados são impressionantes. Segundo a revista, “Em 2022, o governo da China intensificou uma iniciativa nacional muitas vezes chamada de projeto “Inovação da Informação”, ou xinchuang, que visa substituir fornecedores estrangeiros de, entre outras coisas, tecnologia de semicondutores. Além disso, enquanto o Estado antes pressionava os fabricantes de chips relutantes a cooperarem com fornecedores locais, seus investidores e conselhos agora exigem isso como uma forma de seguro contra guerras comerciais. Como resultado, a cadeia de suprimentos de semicondutores da China está se aprofundando constantemente”.

    Ainda segundo a Economist, “Em agosto, a Huawei, campeã chinesa de tecnologia, chocou o mundo ao produzir um smartphone que continha um chip de sete nanômetros (nm), tornando-o capaz de velocidades de internet 5g. Há rumores de que a empresa está prestes a criar chips de até 5nm, em parceria com a SMIC [Semiconductor Manufacturing International Corporation], a maior fabricante da China. Os chips Ascend da Huawei, que a empresa projetou para aplicações de IA, estão sendo usados por empresas como a Baidu, uma gigante local de mecanismos de busca e criadora do Ernie, a resposta da China ao ChatGPT. Assim como a Nvidia, campeã americana de chips de IA, a Huawei desenvolveu uma plataforma de software proprietária, chamada CANN que ajuda os desenvolvedores a usarem seus chips para construir modelos de IA”.

    Apesar de todos os avanços a China ainda está longe da fronteira tecnológica na indústria de chips. Como observa a Economist “Mesmo que a Huawei e a SMIC eventualmente consigam produzir chips de 5nm, elas permanecerão bem atrás da Samsung, uma gigante sul-coreana de tecnologia, e da TMSC, a produtora taiwanesa de chips, que começaram a produzir chips de 3nm em massa já em 2022. A falta de equipamentos avançados de litografia na China será uma grande barreira para o progresso. Em dezembro, um dos principais acionistas da SMEE, a maior esperança da China em litografia, disse nas redes sociais que as máquinas da empresa haviam conseguido produzir chips de 28nm – embora tenha apagado rapidamente os detalhes, causando muita confusão. Se for verdade, isso ainda deixaria a empresa atrás da ASML [holandesa], cujas máquinas topo de linha podem produzir chips de 3nm”.

    Mas como ficou demonstrado pelos enormes avanços da China nessa área nos últimos anos, a pergunta não é se a China vai alcançar o estado da arte na produção de semicondutores e dos equipamentos para sua produção, mas quando isso acontecerá. Tudo indica que isso ocorrerá mais rapidamente do que se imagina no Ocidente, apesar de todas as dificuldades que estão sendo postas pelos Estados Unidos. Como também observou a já citada matéria da Economist, segundo estimativas do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, o governo chinês já injetou cerca de US$ 150 bilhões em subsídios em sua indústria de chips na última década. Ainda segundo a revista, “O governo, por meio de seus investimentos, agora está presente em toda a cadeia de fornecimento de semicondutores do país. A SMIC é parcialmente estatal, assim como a AMEC [empresa chinesa cujas máquinas são usadas para retirar material residual de um chip]. A Empyrean [fabricante chinesa de ferramentas EDA – software de automação de projeto eletrônico] é comandada maioritariamente por uma empresa estatal. O governo de Shenzhen, cidade do sul onde a Huawei está sediada, detém participações em muitos dos fabricantes de chips com os quais a empresa está trabalhando. Nada disso é tão eficiente quanto depender de cadeias de suprimentos globais. Mas as autoridades chinesas têm em mente a segurança e não a eficiência. E decidiram que o preço vale a pena pagar”.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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