Economia brasileira: o que esperar de 2024

    A economia brasileira terminou 2023 com uma série de dados positivos, mas que podem não se repetir em 2024. Embora os números definitivos sobre o desempenho da economia ainda estejam sendo apurados pelo IBGE e só estarão disponíveis a partir de março, formou-se um certo consenso de que o PIB brasileiro tenha avançado na casa dos 3% em 2023. Os principais fatores que contribuíram para o desempenho acima do esperado parecem ter sido o comportamento excepcional da produção agrícola, no primeiro semestre do ano, e o aumento do consumo puxado pela elevação da renda das famílias.

    Outros números, recentemente divulgados, também atestam o bom desempenho da economia em 2023. Embora acima da meta, a inflação foi mantida sob controle, a taxa de desemprego caiu e a disponibilidade de renda da população também aumentou. Conforme destacou o economista Roberto Macedo em artigo no Estadão, em 18/1, o IPCA, Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, que é também o índice-meta da política monetária do Banco Central (BC), fechou 2023 com uma taxa anual de 4,62% e ficou dentro da meta com centro na taxa de 3,25% e teto de 4,75%, o que não havia ocorrido nos dois anos anteriores.  A taxa Selic, embora ainda permaneça desnecessariamente alta, iniciou 2023 em 13,75% ao ano e terminou em 11,75%, num movimento de queda.

    O dólar terminou 2023 cotado em R$ 4,84 tendo começado em R$ 5,34, reflexo da maior entrada de dólares no país, graças a uma balança comercial recorde, perto de US$ 100 bilhões. Também contribuiu para a valorização do real a entrada de dólares trazidos por investidores externos atraídos pelos juros excepcionalmente altos. A entrada de dólares e a valorização do real também contribuem para a queda da inflação e para a manutenção das reservas externas elevadas, perto de US$ 350 bilhões e, consequentemente para a queda na percepção de risco, o que resultou no aumento da nota de crédito do País pela Standard & Poor’s depois de muitos anos. A taxa de desemprego, apesar de ainda alta, caiu para 7,5% no trimestre encerrado em novembro de 2023, frente a 8,1% no mesmo período do ano anterior.

    Segundo estimativas que vêm sendo divulgadas por consultorias e por órgãos do próprio governo, o crescimento da economia deve cair para algo em torno de 1,5% em 2024, a metade, portanto, do previsto para 2023. É preciso, contudo, olhar com certa cautela essas previsões, pois nos últimos três anos o chamado mercado vem sistematicamente errando nas previsões de crescimento da economia. Segundo o jornal Valor Econômico (06/2), “ O PIB do Brasil pode surpreender positivamente no início de 2024, avaliou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que participou de evento do BTG. “A perspectiva de crescimento [do PIB brasileiro] no primeiro trimestre está parecendo que vai surpreender para cima. Essa é a nossa primeira intuição.”

    Mas o que pode puxar o PIB de 2024 para baixo? Na verdade, o crescimento do PIB em 2023 foi excepcional no primeiro semestre do ano, puxado pela boa safra agrícola, pelos incentivos fiscais dados às montadoras de veículos e pelos programas de transferência de renda, mas, no segundo semestre, já vinha demonstrando tendência de queda. As taxas trimestrais de crescimento do PIB foram 1,4%, 1,0% e 0,1% no primeiro, segundo e terceiro trimestres e a previsão para o quarto trimestre é de permaneçam próximas de zero. Como se sabe, dois trimestres consecutivos de queda na taxa de crescimento configura tecnicamente uma recessão.

    Por definição, esgotada a capacidade ociosa da economia, o crescimento depende basicamente do aumento do investimento, que também permanece baixo. No terceiro trimestre de 2023, o investimento bruto no país foi de apenas 16,6% do PIB e inferior à do mesmo período de 2022, quando foi de 18,3%. O investimento público, importante fator para a manutenção do crescimento, sobretudo em períodos de recessão, também se mantém absurdamente baixo, na casa dos 2,5%. Para se ter uma ideia do que isso significa basta lembrar que o investimento público no Brasil na década de 1970, na época do II PND, chegou a 10,58% do PIB. O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), a grande aposta do governo para a retomada dos investimentos, deverá representar apenas 0,5% do PIB em 2024.

    O maior responsável pelo crescimento excepcional no primeiro semestre de 2023 foi o desempenho do setor agrícola. Mas tudo indica que não será o mesmo em 2024, sobretudo devida a problemas climáticos. Como destacou matéria do Globo Rural (08/10), “apesar da influência do El Niño no clima para a safra 2023/24, a expectativa era muito boa com a produção de soja para o atual ciclo. O otimismo no início do plantio, em setembro, indicava que o país poderia colher 162 milhões de toneladas, segundo a primeira estimativa para a atual temporada, elaborada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O número deixaria para trás a colheita recorde do ciclo 2022/23, que superou as 154,6 milhões de toneladas. Alguns analistas cogitavam a possibilidade de uma safra acima até das 170 milhões de toneladas para a nova temporada, em um cenário de clima ideal. Mas a realidade foi completamente diferente disso. Chuvas irregulares e temperaturas acima da média no Centro e Norte do país a partir de setembro do ano passado foram minando a capacidade de produção das lavouras. Agora, a chance de um recorde está cada vez mais distante”. Segundo a matéria, “É possível que fiquemos abaixo disso [das 154 milhões de toneladas] na nova safra, sim. Vai depender muito de como o clima vai se comportar em janeiro e fevereiro, quando se define a safra dos Estados de calendário mais tardio”. Estimativas mais recentes (Valor 05/01) falam em uma colheita de 149,9 milhões de toneladas.

    Segundo o jornal O Estado de São Paulo (07/01), “As projeções do mercado indicam que 65% do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2024 virá das diversas atividades que compõem o setor de serviços nas contas nacionais – como o comércio, os bancos e as empresas de transporte, entre outras (…) O consumo das famílias deve evitar uma desaceleração maior, graças à taxa de desemprego, hoje no menor nível em quase nove anos, e à recuperação da renda, favorecida pelo alívio da inflação. O crédito, de acordo com os economistas, também deve ser uma importante alavanca do nível de atividade neste ano, na esteira dos cortes da taxa básica de juros, a Selic, paralelamente à redução tanto da inadimplência quanto do comprometimento da renda com dívidas. Assim, o contexto é favorável às atividades mais atreladas à economia doméstica, ainda que o País esteja longe de voltar a viver uma “festa do crédito”, já que os juros, embora em queda, continuam elevados”.

    Segundo o jornal Valor Econômico (08/01), “A força do consumo das famílias é um dos fatores que levaram a economia brasileira a crescer cerca de 3% em 2023, segundo estimativas dos analistas, um desempenho bem melhor que o 0,8% previsto no fim de 2022. O resultado excepcional da agropecuária, pelo lado da oferta, e o impulso do setor externo, pelo lado da demanda, também contribuíram para uma expansão mais robusta da atividade no ano passado, mas o comportamento do consumo privado teve um papel de destaque, o que vem ocorrendo desde 2021. Os números do PIB de 2023 serão conhecidos apenas no começo de março deste ano, mas o consenso de mercado aponta para uma expansão de 3,2% para a demanda das famílias”.

    Ainda segundo o Valor (08/01), citando Fernando Montero, da consultoria Tullett Prebon, “Somamos 16,3 milhões de fontes adicionais de renda nos últimos quatro anos, para uma população que avançou 4,1 milhões de pessoas no mesmo período”, diz Montero. Em relação a 2019, há 5,1 milhões a mais de trabalhadores empregados, 3,4 milhões a mais de pessoas recebendo aposentadorias e benefícios assistenciais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e 7,9 milhões de benefícios a mais do Bolsa Família, enquanto houve uma queda de apenas 71,3 mil pessoas que recebem o seguro-desemprego”.

    Olhando para o setor externo, um crescimento menor da China, o maior mercado para as commodities minerais e agrícolas brasileiras, associado a alguma queda no preço internacional das commodities, poderia igualmente prejudicar o crescimento do PIB em 2024. A experiência recente mostra, contudo, que a desaceleração recente da economia chinesa, cujo crescimento deve se manter na casa dos 5% nos próximos anos, não  tiveram efeito algum sobre os fluxos de comércio entre Brasil e China que vêm batendo sucessivos recordes.

    O saldo recorde da balança comercial brasileira, em 2023, que bateu na inédita casa dos US$ 100 bilhões, mostra que o Brasil praticamente não tem sido afetado, apesar das dificuldades que o comércio internacional enfrenta, fruto do aumento do protecionismo e do recuo da globalização, bem como do aumento das tensões geopolíticas envolvendo os principais atores econômicos globais. Ao contrário, como maior exportador mundial de alimentos e por não estar envolvido diretamente em nenhum desses conflitos, o Brasil se apresenta ao mundo como fonte segura daquilo que os governos mais temem em épocas de crise e conflitos internacionais, a falta de comida.

    Conforme noticiou o jornal Folha de S. Paulo (10/07/2023), “Projeções do Departamento de Agricultura dos EUA consideram que o agro brasileiro deve liderar o aumento da produção de alimentos e das exportações até 2027”. Segundo essas projeções, a produção brasileira de alimentos deve aumentar 69% até 2027, contra 12% dos Estados Unidos, 34% da Rússia, 28% da Índia, 11% da China, 22% da Austrália e 44% da Argentina. As exportações brasileiras de alimentos segundo as mencionadas projeções devem aumentar 101% no mesmo período, contra 45% da Argentina, 36% da Rússia, 24% dos Estados Unidos e 23% da Austrália.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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