A esfinge amazônica: problema e solução

Maynard Marques de Santa Rosa*

Solidariedade Ibero-Americana – abril de 2021

A Amazônia tem o formato de imensa concha verde, com a cabeça no Marajó e os olhos em Belém e Macapá, voltados para o Atlântico. Confinada entre os Andes, o Planalto Central Brasileiro e o Maciço Guianense, é um bioma fechado e isolado do restante do continente. Tem o rio Amazonas como espinha dorsal de uma rede de 20 mil quilômetros de vias navegáveis vitais. O fator ecológico condiciona a forma de vida da sociedade, mais do que a vontade humana.

A configuração compacta ajudou a preservar a integridade política e dá à região uma vocação autônoma. O Grão-Pará foi independente do Brasil durante 209 anos, até o colapso do pacto colonial, em 1823. Após a independência, eclodiu a revolta da Cabanagem, entre 1835 e 1840, extravasando o ressentimento nativo contra a tirania e a exploração histórica dos colonizadores.

A convulsão consumiu 20% de toda a população e foi sufocada pela força das armas, ao custo de um trauma que ainda sobrevive nos arcanos do inconsciente coletivo.

O mistério que envolve a Hileia, sua hidrografia singular, floresta exuberante e habitantes exóticos, tem alimentado lendas, mitos e interesses, desde o tempo do descobrimento. Djalma Batista, primeiro presidente do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), em sua obra O Complexo da Amazônia, comparou-a a uma esfinge da ciência, pelos desafios que apresenta.

Para o observador externo, a região é um paraíso oculto na imensa floresta. Para quem nela habita, porém, a realidade está mais para o “Inferno Verde” de Alberto Rangel, pelo calor insuportável, nuvens de mosquitos e microorganismos invisíveis, que nutrem o flagelo das moléstias tropicais. Por isso, é mais seguro orquestrar a preservação midiática em Londres, Paris ou Nova York, do que pôr a mão na massa nas barrancas dos igarapés.

A Amazônia brasileira é 15% maior do que a Índia, com uma população 77 vezes menor. São 25 milhões em toda a Amazônia Legal, 80% nas cidades. No imenso deserto verde, vivem somente 20%, mas a tendência é de esvaziar-se cada vez mais, em busca de vida melhor.

O Dr. Armando Mendes clamava que o vazio demográfico é o maior problema político da Amazônia. Sem população, não há presença do Estado. Para o nosso alento patriótico, a taxa de crescimento populacional nativa é quase o dobro da média nacional, mas, 42% desses brasileiros encontram-se abaixo da linha de pobreza e o IDH regional é inferior à média nacional.

O risco geopolítico é notório na Calha Norte, que ficou praticamente intocada no ciclo da borracha, devido à baixa competitividade da seringueira local em relação à dos seringais da calha Sul. O vazio populacional do Norte do Pará é um desafio à segurança nacional.

Nos dias atuais, interesses inconfessáveis, patrocinados do exterior, criam pressões de toda ordem, imperceptíveis ao grande público, mas que vêm impondo ao mapa da Hiléia uma espécie de área de exclusão econômica, que se replica em uma legislação interna cada vez mais restritiva. Há numerosas ONGs operando na área sem qualquer controle governamental, muitas delas financiadas por agências internacionais.

Com isso, os recursos naturais são sonegados à atividade produtiva e o excesso de legislação sufoca o agronegócio, estimulando a migração rural e a favelização das cidades.

A mestiçagem natural, decantada como avanço civilizatório por Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, vem sendo repelida pelos “antropólogos da ação”, cuja ideologia artificial rejeita a integração do índio à comunhão nacional, princípio consagrado pela História. Estranhamente, instituiu-se no Brasil o costume de criar reservas indígenas e quilombolas, sob questionáveis argumentos etnológicos e em geral sem respaldo histórico. Os chineses resolveram a questão de soberania sobre as áreas remotas do Tibete e do Sinkiang, por meio de uma política de investimentos maciços em infraestrutura de transportes e migrações em massa de pessoas da etnia Han, fazendo suplantar as populações locais, tibetana e uigure.

O território amazônico representa mais da metade do Brasil, mas a sua contribuição para o PIB nacional não passa de 8%. A matriz econômica regional é subdesenvolvida. A base produtiva ainda se assenta no extrativismo e nos subsídios federais. O comércio intrarregional é incipiente.

A Zona Franca de Manaus esgotou-se como modelo de desenvolvimento. O que dela se pretendia, visando a beneficiar toda a Amazônia Ocidental, ficou concentrado na região metropolitana e, a cada ano, cresce a tendência de redução da sua contribuição ao PIB do Amazonas. O balanço fiscal de todos os Estados amazônicos é deficitário, se excluída a parcela das transferências obrigatórias da União. A infraestrutura de transportes, energia e telecomunicações é deficiente e onerosa. O frete de um contêiner de 20 pés, que custa 750 dólares de Santos a Xangai, fica por U$ 1.229 entre Manaus e Santos.

Ao longo do tempo, pouco se fez em relação à magnitude dos problemas e o risco cresceu, passando do discurso ambientalista à ameaça de pressões diplomáticas, econômicas e militares.

Infelizmente, há mais de 30 anos, falta um plano efetivo de desenvolvimento regional. O descaso pode ser aferido nas condições da rodovia BR-319, abandonada durante 25 anos pelo governo federal, com a omissão das autoridades do Amazonas e de Rondônia. E a ligação rodoviária do Pará ao Amazonas pela Transamazônica permanece no estado original.

A propaganda adversa procura incutir a confusão entre preservação “in natura” e sustentabilidade, e o noticiário confunde propositadamente o desmatamento legal com o ilegal, tudo para criar resistência na opinião pública. Na verdade, o que tem de ser preservado é o equilíbrio ecológico, implícito no conceito de sustentabilidade, o que implica avaliar previamente e compensar o impacto ambiental dos projetos.

O Programa de Integração Nacional das décadas de 1960 e 1970, voltado à implantação da infraestrutura econômica regional, ficou inacabado, devido à crise do petróleo. A Calha Norte precisa ser povoada e integrada ao restante do país. Se a economia permanece estagnada, enquanto cresce a população, cai a renda per capita e prolifera a insatisfação social. O risco aumenta na proporção da taxa de crescimento urbano. A favelização das cidades ecoa o esvaziamento rural. A região precisa de novas opções de desenvolvimento. O ensino superior permanece defasado em relação ao restante do país. Falta capital humano.

Uma alternativa para o desenvolvimento seria a viabilização do mercado interno regional. Para isso, precisam-se investimentos maciços em infraestrutura de transporte e energia. Em complemento, o renomado agrônomo Kingo Oyama sugere que uma política agrícola é mais importante para a solução dos problemas ambientais do que a própria política ambiental: “A domesticação das espécies amplia a oferta de produtos nativos, barateando o preço. Podem-se plantar fruteiras nativas em grande escala, pois existe mercado potencial para esses produtos. E há condições de se fazer uma revolução na produção de pescado.”

Portanto, a necessidade fundamental da Amazônia é de progresso, isto é, de desenvolvimento econômico e social. É imperioso que se façam investimentos e se removam as amarras artificiais de uma legislação restritiva, para permitir o aproveitamento do imenso potencial regional pelo empreendedorismo privado, única forma capaz de induzir o crescimento autossustentável e tornar a economia autônoma.

* General-de-Exército (RRm), ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

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1 COMENTÁRIO

  1. Visão muito clara de grande parte dos problemas vivido pelos amazônidas. Dentre as soluções apontadas e tomando estas como exemplo podem ser trabalhadas outras opções de desenvolvimento econômico para a região, mas é necessário, além de investimentos, a vontade política de fazê-lo, diminuindo as restrições normartivas, posicionando os interesses nacionais em favor da geração de emprego e renda para seus habitantes e consequentemente garantindo a soberania nacional.
    Parabéns, General Santa Rosa!

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