A crise política no Brasil: o PSL e o anátema de Maharbal

Batalha de Zama, por Cornelis Cort (1567).
Batalha de Zama, por Cornelis Cort (1567).

Logo após a vitória na batalha de Canas contra Roma, consta que o general cartaginês Aníbal Barca foi provocado pelo chefe de sua cavalaria, Maharbal, a aproveitar as circunstâncias e marchar em direção a Roma. Aníbal refutou a ideia. Segundo seus biógrafos, teria havido entre ambos um áspero diálogo, cuja última frase em latim, segundo Tito Lívio, teria sido pronunciada por Maharbal: “Vincere scis, Hannibal; victoria uti nescis”. As traduções livres usam a expressão para criticar todos os vencedores que terminam por desperdiçar suas vitórias, ou que, dito de outra forma, vencem quando não estão preparados para vencer.

Antes das eleições de 2018, o PSL era um pequeno partido, integrante de um universo de legendas pouco significativas em busca de sobrevivência. A eleição para a presidência da República do seu filiado Jair Bolsonaro catapultou-a do desconhecido para a celebridade, com a eleição de governadores, uma grande bancada de deputados e a garantia de generosos espaços na máquina administrativa do País, além de fartos recursos dos fundos partidário e eleitoral.

O que parecia a redenção tornou-se rapidamente maldição, desencadeando uma tempestade de horrores nas disputas internas pelo controle da máquina partidária e das influências por ela proporcionadas. As lideranças do PSL passaram a sofrer duras contestações internas, inclusive vindas do próprio presidente da República.

Caim matando Abel
Caim matando Abel (1608-1609) – Peter Paul Rubens

A luta interna desencadeada removeu a líder do governo no Congresso, integrante do partido, deputada Joice Hasselmann (SP), e o próprio líder partidário na Câmara, deputado Delegado Valdir (GO). O presidente da legenda, deputado Luciano Bivar (PE), foi alvo de comentários desairosos por parte do próprio presidente da República e de muitos outros integrantes da agremiação.

A desinteligência, segundo observadores perspicazes, não se explica apenas pela disputa dos chamados espaços políticos, mas também pelo controle dos 360 milhões de reais que constituem a soma dos fundos eleitoral e partidário já definidos, além dos mesmos fundos que se acumularão até as eleições de 2022.

A verdade é que a crise no coração do partido do presidente da República atinge em cheio a governabilidade, imobiliza os principais responsáveis pela condução dos destinos do país, desorienta possíveis aliados no plano institucional e enche de perplexidade todos aqueles que esperam do Poder Público convicções e mínima segurança para tomar decisões no âmbito dos negócios.

O drama do PSL parece confirmar a maldição de Maharbal no seu diálogo com Aníbal: O vencedor que não sabe o que fazer com sua vitória. A pergunta posta é como um partido incapaz de unir e fazer marchar por um objetivo as suas próprias fileiras, alcançaria a meta de coesionar forças heterogêneas, em País marcado por tantos desequilíbrios como o nosso.

Quando a batalha eleitoral tem como estratégia dividir o País para tentar ficar com a maior parte, é muito difícil o processo posterior de restabelecer a unidade mínima em torno de interesses comuns. Mas este mesmo processo torna-se impossível quando os vencedores continuam a achar que dividir o país é o melhor método para continuar acumulando vitórias.

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Aldo Rebelo é jornalista, foi presidente da Câmara dos Deputados; ministro da Coordenação Política e Relações Institucionais; do Esporte; da Ciência e Tecnologia e Inovação e da Defesa nos governos Lula e Dilma.

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8 COMENTÁRIOS

  1. Excelente reflexão. Um gigantesco país como o Brasil não encontrará equilíbrio, organização e direção sem um governo à altura da sua formação nacional e da sua missão histórica.

  2. É lamentável que o Brasil, um país continental e com uma população precisando de se desenvolver, fique a mercê de desavenças internas partidárias. Sobretudo quando se trata de um partido, até então, inexpressivo. Puro oportunismo político do PSL.

  3. Diagnóstico correto a cerca do governo Bolsonaro, utilizando-se de citação histórica emblemática para o atual momento politico. Saudações

  4. Muito bem posta a analogia com a atual situação do PSL e especialmente com um Presidente que não sabe o que fazer com a própria conquista nas eleições.

    Abraço!

    Vital

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