A atualidade da necessidade de ferrovias para o Projeto Nacional de Desenvolvimento

Em país continental como o Brasil a ferrovia é essencial para integrar a infraestrutura.

Uma primeira diferença que qualquer brasileiro percebe quando visita um dos países do chamado Primeiro-Mundo é que neles o principal meio de transportes é sobre trilhos. As razões para esses países investirem no trem são claras, trata-se do meio de transporte terrestre mais seguro, mais veloz, mais ecológico e mais barato. Ficam dispensados os demais argumentos, que encheriam muitas páginas, caro navegante.

Apesar disso, a malgrado nosso, no Brasil o trem evoca o passado, o atraso. Isso não tem explicação lógica, mas tem explicação histórica. Podemos dizer que somos vítimas de uma sequência de coincidências históricas.

No início, final do século dezenove, tivemos a sorte de ter um governo monárquico cujo primaz governava seu presente com um olho no passado e outro no futuro. Com isso, e graças como andávamos de braços com a Inglaterra, apesar de sermos um País ainda insignificante em matéria de desenvolvimento e de produção, de PIB, tivemos pari passo com as maiores nações do mundo em termos ferroviários.

Contudo, como éramos por demais oligárquicos, as ferrovias foram construídas para atender as maiores fazendas dos barões assinalados do Brasil, quase todos cafeicultores. Veio a crise de 1929, a quebra da bolsa de Nova York e a derrocada imediata das nossas exportações de café.

Os trilhos ficaram obsoletos, e o novo governo que se instalou por quinze anos, o governo Getúlio Vargas, estava obstinado na modernização do Estado por meio da industrialização. Os trilhos existentes não contribuíam para isso, e fazer novos em tão pouco tempo não era algo realizável.

Veio a Segunda Guerra Mundial e, depois dela, os Americanos se impuseram sobre todo o mundo capitalista, e via lobbies impôs-nos o modelo rodoviarista, do qual somos vítimas até os dias de hoje. Não cabe aqui discutir todos as variantes e motivos, mas a principal necessidade americana era nos vender não seus automóveis, mas sua indústria de fazer automóveis.

Veio a ditadura, que apesar de erros tantos tinha sim um viés nacionalista, mas pelo trem pouco ou nada fez. Voltou a democracia, mas para mãos globalistas até o final do século vinte.

Com a assunção de um governo progressista e autenticamente nacionalista, demos finalmente passos largos, muito largos, milhares de quilômetros novos, maquinário… um colosso!

Mas quis o destino nos pregar nova peça e, seja pela falta de renovação do modelo, seja por ter cedido ao capital para poder continuar no poder, seja por ser vítima de pautas bomba, seja por ser autor ou ter feito vistas grossas a grandes malfeitos esse governo progressista caiu muito pouco antes de pôr em marcha o novo trem, resultado de muito investimento público.

O novo governo abandonou tudo, herdeiro e coautor do processo de impeachment, não plantou sequer um dormente, e hoje erode a céu aberto o investimento mais bem-feito nessa era, o investimento em trilhos.

Hoje, considerado o tamanho do País e da nossa economia, ocupamos simplesmente o último lugar no investimento e desenvolvimento do melhor meio de transporte, num momento em que mais do que nunca e cada vez mais vivemos em movimento.

Estação ferroviária de Juazeiro, Sertão da Bahia, já ligada a Salvador no final do Século XIX.

O que fazer para mudar esse estado de coisas?

Primeiramente precisamos de coragem para mudar tudo de uma vez, está tudo errado, simplesmente isso, repito, está tudo errado!

A privatização, que por mais que seja propagada como solução será sempre um mal em si, foi feita aqui de maneira inconsequente, para não dizer vil. Os trilhos foram transmitidos para a iniciativa privada – que por definição tem compromisso com o caixa e com os acionistas e nenhum compromisso com o desenvolvimento nacional – de maneira errônea, dando exclusividade sobre os trilhos envolvidos.

Ora vejamos, no asfalto podemos até ter pedágios – e é bom que os tenhamos, porque em caso contrário vai pagar a rodovia o imposto do trabalhador, já que não temos impostos nem para dividendos nem para transmissão de heranças milionárias e as empresas e bancos simplesmente não pagam impostos, pois repassam tudo para seus clientes, resultando que praticamente todo imposto acaba advindo do trabalho – mas no trem temos a propriedade da estrada, algo que, no limite, avilta nossa soberania.

Precisamos antes de tudo um novo marco regulatório, que coloque os problemas reais, ou seja, aqueles que afetam o país e o seu povo, na frente dos interesses naturalmente mesquinhos das empresas.

O trem de passageiros intercidades simplesmente desapareceu, com prejuízos para a segurança das pessoas, para a economia das pessoas e para o meio ambiente. Nem dele se fala mais. Nas audiências que tive com os subsequentes ministros nem resposta negativa deram, não se dignam a considerar a questão.

Apenas a consciência coletiva dos danos, por meio do apagamento da ideia equivocada que trem é coisa do passado, pode mover nossos governantes, sempre ávidos por votos, a encarar a situação de forma responsável e consequente.

Mesmo nesse cenário, minha mensagem é positiva, é de esperança. Vez que alcançamos o fundo do poço em matéria ferroviária, agora é firmar pé nesse fundo e nos alçarmos ao desenvolvimento, benfazejo à pátria nossa, benfazejo a todos nós.

Ferroviarista e ambientalista, José Manoel é professor Dr. no programa de Pós-gradução da Logística e infraestrutura da Unip e preside a FerroFrente.

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