Resenha da entrevista “The Future of Life”
Autora: Hannah Ruckert
Quando falamos em literaturas distópicas não fictícias, muitos, por impulso plausível, pensam no livro publicado por Klaus Schwab e Thierry Malleret em 2020 – ‘O Grande Reset’. Outros até mesmo citam o ideólogo mais jovem do Fórum Econômico Mundial, Yuval Noah Harari, com suas notórias obras ‘Homo Deus’ e ’21 Lições Para o Século 21′. A lista de leituras que possuem um modelo preditivo para o futuro é imensa; contudo, pode-se dizer que há autores mais ‘honestos’ em relação aos seus planos do que os demais. Jacques Attali, autor do livro ‘Uma Breve História sobre o Futuro’, seria um deles. Não apenas honesto, mas também inteligente, com um vasto histórico de atividade política e financeira dentro do governo francês.
Attali é um economista e autor prolífico, com atuação em campos que abrangem desde romances até sociologia. Sua carreira política ganhou destaque quando ele tinha apenas 27 anos. De 1981 a 1991, Attali desempenhou o papel de conselheiro do presidente francês François Mitterrand. Posteriormente, entre 1991 e 1993, fundou e assumiu a presidência inaugural do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento. Mais tarde, entre 2008 e 2010, liderou o comitê governamental encarregado de impulsionar o crescimento da economia francesa durante o mandato do presidente Nicolas Sarkozy.
Quando o cientista social americano Ronald Tiersky se encontrou com o então candidato à presidência francesa, Mitterrand, este o apresentou a Attali, na época seu conselheiro mais jovem. Após apresentá-lo, Mitterrand jocosamente disse a Tiersky: “Cet homme est dangereux” (esse homem é perigoso), finalizando com “il veut le pouvoir” (ele quer poder). Até os dias de hoje, para Tiersky, a brincadeira do futuro presidente francês se provaria uma realidade incontestável.
Antes de publicar seu controverso livro em 2006, “Uma Breve História para o Futuro”, que viria a ser aclamado por figuras como Henry Kissinger, Attali, anos antes, em 1981, concedeu uma famosa entrevista ao capitão do exército francês Michel Salomon. A entrevista é, por si só, muito interessante, não apenas pelo entrevistado, mas também pelo entrevistador. Salomon foi o militar responsável pela criação do texto “L’appel d’Heidelberg”, que foi apresentado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ocorrida em 1992 no Rio de Janeiro.
Com seus 10 “mandamentos” o curto texto prescritivo teve como conclusão a necessidade de levar o “progresso sustentável” às indústrias do Sul Global. O texto, contudo, sofreu críticas da indústria tabagista americana Philip Morris, que, em um memorando, apontou ligações entre o “International Center for Scientific Ecology”, criado por Salomon, e a empresa de consultoria “Economic and Social Communications” (CES), responsável por fazer lobby para fabricantes de amianto na França de 1982 a 1996.
Philip Morris aponta o lobby de tabaco e amianto como responsáveis pelo financiamento dos cientistas que redigiram o texto apresentado na cúpula climática no Rio de Janeiro. Dez anos após a criação do documento, o Nobel de Medicina Erwin Neher veio a público e afirmou acreditar ter sido “enganado” por meio de “manipulação” de tais gigantes industriais.
Sabendo mais a fundo sobre o breve currículo de Attali e Salomon, o extenso diálogo impresso entre ambos os agentes políticos se torna ainda mais interessante. A entrevista é proveniente da obra “The Future of Life – Jacques Attali, 1981. Interviews with Michel Salomon, Les Visages de l’avenir collection, éditions Seghers.” Salomon já abre a entrevista se referindo a Attali como “Ein Wunderkind” – do alemão “criança prodígio” – e cita seu livro escrito em 1979, “Cannibal Order, or Power and the Decline of Medicine”, como sendo o objeto central da entrevista.
Attali, alinhado com a lógica de um economista da Escola de Chicago, inicia a entrevista ao afirmar que a medicina será um fator fundamental na crise econômica ocidental nas próximas décadas. Segundo a análise do economista francês, o consumidor é, por si só, mais oneroso para o mercado do que a própria produção de bens e serviços. Nas palavras de Attali, “A produção de consumidores e seus custos de suporte são altos, até mais do que a produção de bens em si” (pg. 265). Ao concluir o primeiro segmento da entrevista, Attali destaca que o valor de um indivíduo está atrelado à sua capacidade de gerar serviços e consumir, uma capacidade frequentemente limitada pela própria saúde. Com o aumento da expectativa de vida, os idosos tornam-se cidadãos que “custam” mais do que agregam. Portanto, em uma sociedade cada vez mais envelhecida, a produção de máquinas passa a ser mais desejável do que a produção de bens e consumo voltados para os humanos.
Tal constatação leva o economista de tendências ditas “socialistas” a advogar pela “mercantilização” de toda a indústria médica, transformando a classe social geriátrica em um mercado consumidor rentável. Segundo o entrevistado, a humanidade vive, de modo simbólico, em uma eterna relação de canibalismo. Essa relação canibal se desdobra, de modo simplório, em dois estágios: o canibalismo no sentido literal e o canibalismo figurativo ao transformar o homem em consumidor, tornando-o, por conseguinte, um produto a ser consumido pela classe mercantil. A ideia, portanto, de a sociedade consumir o homem transcende seu estágio primitivo e mítico, adentrando o estágio tecno-científico dentro de um modelo neoliberal.
Seguindo ainda os princípios filosóficos de Attali, a relação da sociedade com a morte pode ser dividida em quatro ordens: a primeira ordem é a de “dar significado à morte”, a segunda é a de “contenção da morte”, a terceira, na qual nos encontramos, é a de “extensão da expectativa de vida” e, por fim, a quarta se daria pela criação de um perfil comportamental “econômico” a ser futuramente acessado por seguradoras de saúde. De modo profético, Attali, em 1979, já havia previsto que o surgimento de uma tecnocracia se daria, em primeiro estágio, no campo médico.
Usando de futuros modelos de previsão comportamental e os tornando onipresentes, as agências de seguro poderiam garantir uma eventual economia em seus planos de saúde, personalizando-os mais adequadamente para cada um de seus membros. Tal cenário se consolidou ainda em 2018, quando o primeiro-ministro israelense Netanyahu disponibilizou vinte anos de dados médicos de seus 9 milhões de cidadãos para controversas gigantes industriais como a Pfizer. A decisão de Netanyahu parece estar em conformidade com as projeções de Attali. Para o primeiro-ministro, o mercado de dados digitais médicos gerará, em um futuro próximo, cerca de 6 trilhões, proporcionando ao governo israelense 10% de seu lucro potencial.
Nas palavras do próprio autor “Acredito que o aspecto importante da vida não será mais trabalhar, mas sim ser um consumidor, ser um consumidor entre outras máquinas de consumo.” Attali observa que vivemos em uma era de “produção de produção de máquinas”, o que é um sintoma previsível dado que a produção de consumidores e seu sustento se tornou onerosa para o grande capital. O valor do homem, em um mundo capitalista, reside no potencial que ele tem de prover bens e serviços ao outro. Uma vez tendo tal poder existencial substituído pelos das máquinas, a existência humana se torna em si obsoleta.
Ao constatar tal fato, o autor reitera a necessidade de reformar o sistema de saúde, uma vez que o homem, cada vez mais envelhecido e custoso, necessitará contornar sua própria insignificância orgânica. Para isso, Attali defende o uso de próteses e de uma gradual substituição da matéria orgânica pela inorgânica da estrutura humana, tanto a nível psicológico quanto físico.
Ao adentrar em uma esfera mais sci-fi, o próprio entrevistador, Michel Salomon, soa incomodado com os prospectos apresentados pelo autor. Salomon pergunta se Attali acredita que viveremos em um “1984”, o autor, contudo, nega que tal cenário traçado por Orwell viria a ocorrer. Para o autor, um humano com partes cibernéticas, em si, já seria “naturalmente” mais submisso a uma forma de poder descentralizada. O romance de Orwell foca em um “Big Brother” centralizado e abertamente manifestado, o que torna o romance, em si, infantil aos olhos do francês, que acredita que a subordinação a um poder maior se dará de forma descentralizada e autoimposta por meio de um intenso programa de engenharia social, bem como genética.
Vale destacar que outros proeminentes autores de ficção, assim como acadêmicos, já ressaltaram o aspecto geneticamente submisso do homem do futuro. O notório matemático e intelectual público, Bertrand Russell, em sua obra de 1951 “The Impact of Science on Society”, já falava sobre a engenharia genética do tipo negativo, na qual se estabelece uma seleção de genes que conferirá um caráter dócil e submisso às futuras gerações.
Outro autor notório por suas previsões sobre os poderes de uma tecnocracia de caráter eugênico foi Aldous Huxley. Huxley não apenas escreveu a famosa distopia “Admirável Mundo Novo”, mas também escreveu uma carta a Orwell fazendo exatamente as mesmas observações de Attali: “Minha própria crença é que a oligarquia dominante encontrará formas menos árduas e desperdiçadoras de governar e satisfazer sua luxúria pelo poder, e essas formas se assemelharão àquelas que descrevi em ‘Admirável Mundo Novo’.”
Huxley prossegue: “Mas agora a psicanálise está sendo combinada com a hipnose; e a hipnose tem sido facilitada e indefinidamente extensível pelo uso de barbitúricos, que induzem a um estado hipnótico e sugestionável até nos sujeitos mais recalcitrantes.
Dentro da próxima geração, acredito que os governantes do mundo descobrirão que o condicionamento infantil e a narco-hipnose são mais eficientes, como instrumentos de governo, do que cassetetes e prisões, e que a luxúria pelo poder pode ser tão completamente satisfeita sugerindo às pessoas que amem sua servidão quanto espancando-as e chutando-as para a obediência.”
O mesmo tema, referente a drogas, engenharia social e até mesmo genética, foi abordado pelo autor e ideólogo do infame Fórum Econômico Mundial, Yuval Noah Harari, em uma entrevista publicada em 2022 no YouTube. No vídeo, o autor explica abertamente como drogas e vídeo games são instrumentos para sedar toda uma geração de jovens, a fim de impedir que se organizem e se rebelem contra o sistema que a elite deseja implementar. Esse sistema é abertamente denominado “Agenda 2030” e vem sendo propagado por diversos governos, inclusive pelo próprio STF, desde 2020.
Uma das críticas mais vocais em relação à Agenda 2030 é o seu caráter corporativo, no qual governos se submeteriam às grandes corporações, que por sua vez seriam instituições (ONGs ou agências ligadas à ONU), primariamente financiadas por bilionários da esfera anglo-saxã e sionista. O multilateralismo oriundo dessa relação é o que Attali chama de “único governo mundial”, onde, em nome do combate a um futuro “sustentável e igualitário”, nações inteiras renunciariam a seu próprio desenvolvimentismo e aspectos culturais mais íntimos para incorporar os valores de uma seleta elite globalista apátrida e cosmopolita.
O que torna Attali levemente redimível é sua brutal honestidade em relação ao plano de tal agenda, diferente de Klaus Schwab que finge uma preocupação com o planeta e com o bem-estar dos cidadãos do Sul Global, Attali usa de uma franqueza digna de um capitalista convicto para justificar tal ação. Ele reitera que Karl Marx, de modo correto, identifica o capitalismo como uma doença humana que viria a acabar com o próprio homem.
Ao curso da entrevista, o francês compara a distribuição da engenharia genética entre a população com a distribuição e aplicação do motor de combustão. Tal tecnologia foi usada tanto para melhorar a qualidade de vida da população por meio da implementação de transportes públicos, bem como “ferramenta de agressão” repetidas vezes pelo complexo industrial militar.
Assim como a acessibilidade à manipulação genética, os melhores genes não serão distribuídos de modo igualitário, pelo contrário. Haverá, em um futuro talvez não muito distante, a criação de quimeras, super soldados e até mesmo de escravos a serem vendidos baseados em sua composição genética. Huxley, que foi irmão do notório eugênico e biólogo Julian Huxley, criador da UNESCO e da ONG WWF, defendeu, por toda a vida, a criação de uma sociedade de castas baseadas em traços genéticos. Seu romance “Admirável mundo novo” não foi apenas um texto fictício, mas sim uma prescrição de um futuro não distante de nós.
Outro ponto sombrio da entrevista é o cálculo de “custo-benefício” da vida humana após os 60 anos. Para Attali, a vida humana cessa sua produtividade ao alcançar a idade da aposentadoria, sendo essa produtividade o que define seu valor perante a sociedade. Como método de correção desse problema, Attali defende a implementação de assistência médica até os 60-65 anos, seguida por um abrupto “desligamento” da máquina ao atingir tal idade. Não coincidentemente, o Canadá de Trudeau (o líder “exemplar” nas palavras de Schwab) vem sendo um dos países que mais tem pregado a eutanásia para pessoas cujas condições físicas não resultam em uma existência gerenciável e produtiva, como doenças autoimunes e paralisia dos membros inferiores.
Seguindo as palavras do próprio autor “Em uma sociedade capitalista, máquinas letais e próteses que permitirão a eliminação da vida quando ela se tornar insuportável ou economicamente custosa demais verão a luz do dia e se tornarão prática comum. Eu acredito que a eutanásia, podendo ser considerada um valor de liberdade ou de comodidade, será um dos princípios da sociedade futura.” Novamente o autor vê na prática da eutanásia uma humanidade, visto que essa conferiria ao humano um poder de escolha entre vida e a morte, coisa que o humano cujas partes foram substituídas ou inseridas com tecnologia provenientes da Neuralink não poderia obter, pois este já estaria programado para ser morrer dentro de determinada janela temporal.
A entrevista, como mencionado no início do artigo, gira em torno do livro publicado pelo autor em 1979, “Cannibal Order, or Power and the Decline of Medicine”. A ideia central se pauta na tendência potencialmente inata do homem de canibalizar seus semelhantes. Tal tendência, segundo o autor, é mitigada pela religião, tornando a prática restrita a certos rituais ou contextos, ou totalmente banida pela mesma, como foi o caso do cristianismo, quando o canibalismo se manifesta apenas de modo alegórico no consumo do corpo e sangue de Cristo, simbolizados respectivamente pelo pão e pelo vinho.
A prática de canibalismo voltaria a surgir com a gradual subordinação voluntária do homem frente às máquinas, seja por meio de próteses, nanotecnologias ou inserção de chips no encéfalo. Tal canibalização de mente e corpo se daria, previamente, pela celebração das drogas como barbitúricos e outros agentes químicos depressores do sistema nervoso central, os quais tornariam toda uma geração susceptível à propaganda.
Para Attali, a dominação da mente antecede a dominação do corpo; uma sociedade alienada, polarizada e aficionada em metaversos como vídeo games, além da veneração de celebridades/influencers, seria a fase teste perfeita para implementar a crescente ideia transumanista de substituição da própria matéria natural pela matéria programável e sintética. A canibalização, vale dizer, está apenas em sua fase inicial.