Alerta Científico – Vol. 27 | nº 01 | 14 de janeiro de 2021
Elisabeth Hellenbroich, de Wiesbaden
Uma tempestade de protestos do Partido Verde alemão irrompeu no início do ano. O seu objetivo é bloquear a conclusão do gasoduto Nord Stream 2, projeto russo-alemão que atravessa o Mar Báltico e foi interrompido em dezembro de 2019, devido às sanções extraterritoriais desfechadas pelo presidente estadunidense Donald Trump, com a eufemisticamente chamada “Lei de Proteção da Segurança Energética da Europa”.
A construção do gasoduto de 1.124 quilômetros, com capacidade para transportar 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural da Rússia para a Alemanha e outros países europeus, foi interrompida quando faltavam apenas 160 km para a sua conclusão, dos quais 30 km em águas alemãs e 120 km em águas dinamarquesas. Nos últimos dias, no entanto, formou-se uma nova forma profana de “Aliança Transatlântica”, encabeçada pelo Partido Verde, em particular, a sua presidente Annalena Baerbock, apoiada – previsivelmente – pelos ativistas juvenis do movimento Sextas-feiras pelo Futuro e a ONG alemã Deutsche Umwelthilfe (literalmente, Socorro ao Meio Ambiente Alemão), que convocaram manifestações contra gasoduto (o Sextas-feiras pelo Futuro e sua inspiradora, a adolescente sueca Greta Thunberg, são bem conhecidos dos leitores deste Alerta).
O irado protesto articulado pela presidente dos Verdes foi motivado por uma iniciativa do Parlamento do estado federal de Meclemburgo-Pomerânia Ocidental, sob o comando da primeira-ministra estatal Manuela Schwesig, que concordou em criar uma fundação para a proteção do clima e do meio ambiente com capital de 200 mil euros, cujo objetivo é apoiar a rápida conclusão da obra, cujo custo final será de € 11 bilhões. Baerbock mal consegue disfarçar a sua intenção de sabotar o gasoduto, por razões “geoestratégicas”, como ela mesma afirmou ao diário Die Welt de 13 de janeiro: “O fato de que o dinheiro russo está sendo usado para financiar uma fundação, sob o pretexto da proteção climática, com o único propósito de completar o gasoduto, é simplesmente ultrajante, não apenas em termos de política climática, mas acima de tudo em termos de geoestratégia.”
Vale recordar que, que no final do verão de 2020, um grupo de senadores e deputados estadunidenses, entre eles o senador republicano do Texas, Ted Cruz, o deputado republicano do Arkansas, Steve Womack, e a senadora democrata de New Hampshire, Jeanne Shaheen, pediu a imposição de “sanções extraterritoriais” mais duras contra empreiteiras alemãs e de outros países, além de seguradoras e empresas de certificação e pessoas físicas envolvidas com o gasoduto, como o prefeito Frank Kracht, de Sassnitz (Ilha Rügen). A iniciativa motivou uma dura reação do governo da chanceler Ângela Merkel, que a considerou uma “interferência intolerável nos direitos soberanos alemães”.
É deveras instrutivo se observar que, meses antes das eleições parlamentares gerais (e em seis estados federais) de setembro próximo, o Partido Verde e seus representantes mais importantes, a presidente Baerbock e o eurodeputado Reinhard Bütikofer, estejam em plena mobilização contra o que consideram ameaças “geoestratégicas” da Rússia e da China. O que mais impressiona é a semelhança de verborragia que ecoa as declarações mais ultrajantes do agora quase ex-presidente Trump e seus mais leais apoiadores. O protesto ruidoso de Baerbock, direcionando a sua ira contra a primeiraministra Schwesig, foi secundado por uma nova ofensiva da Deutsche Umwelthilfe e por manifestações de pequenos grupos dos “matadores de aulas” juvenis em Berlim e Schwerin.
Tal pauta não é casual. Para as eleições de setembro, os Verdes contam com o apoio de certos setores empresariais e da própria União Democrata Cristã (CDU) governista, cujo principal campo de batalha deverá ser o confronto “geoestratégico” com a Rússia de Vladimir Putin (leia-se Nord Stream 2) e a China, pauta bastante semelhante à de Trump.
A investida de Reinhard Bütikofer contra a China
Em 8 de janeiro, o Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) publicou um artigo de Gabriel Felbermayr, presidente do Instituto de Economia Mundial (IfW), sobre o acordo de investimentos assinado em dezembro entre a China e a União Europeia (UE), após quase sete anos de negociações e no qual Merkel, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen (ex-ministra da Defesa alemã) e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, desempenharam um papel fundamental. Embora ainda precise ser ratificado pelos Estados membros do bloco europeu, o acordo tem sido considerado um grande avanço, tanto na Europa como na China.
No texto, Felbermayr afirma que, com a eleição de Joe Biden para a presidência dos EUA, os europeus viram uma chance fechar o acordo fazendo mais “concessões” à China, visto que os interesses dos EUA e da UE em relação à China não são “idêntico”. Tanto os EUA como a UE têm déficits em conta corrente (EUA – 2%; UE – 0,5%) em relação à China. A Alemanha, entretanto, exportou em 2020 bens industriais no valor de € 95 bilhões para a China, equivalente ao obtido pelos EUA, com uma economia cinco vezes maior. “Nos últimos anos, as empresas alemãs tiveram mais sucesso do que as estadunidenses”, escreveu.
No dia da assinatura do acordo, 30 de dezembro a Rádio Nacional Alemã (Deutschlandfunk) levou ao ar uma entrevista com o eurodeputado Bütikofer, que preside a delegação do Parlamento Europeu responsável pelas relações com a China. O eurodeputado “verde” fez ácidas críticas às negociações, afirmando que a Comissão Europeia estava obviamente “satisfeita com as bobagens” do lado chinês. Para ele, a China deixa muito a desejar na questão da “proteção do trabalho”, bem como das oportunidades “iguais” e “justas” para as empresas europeias no país. Segundo ele, essas questões não foram resolvidas e haveria motivos para acreditar que a China pratica “trabalhos forçados” em grande escala, por exemplo, em Xinjiang. Na entrevista, talvez, devido ao clima relaxado do final de um ano difícil, Bütikofer abusou de uma linguagem um tanto vulgar, o que, dado o seu passado de maoísta fervoroso, não deve surpreender.
De acordo com ele, se a China garantir constantemente que quer ratificar a convenção central da Organização Internacional do Trabalho (OIT) contra o trabalho forçado, “isso significa, de uma forma diplomaticamente educada, ‘vocês vão se f…’”.
Questionado sobre se as empresas europeias não teriam obtido um melhor acesso ao mercado chinês de 1,4 bilhão de pessoas, Bütikofer seguiu repetindo a linha de que ainda existem muitos pontos de interrogação, ressaltando que os padrões de “sustentabilidade” e “direitos do trabalho” não são os mesmos na China e na Europa. Ao final, qualificou o acordo como um monte de “besteiras”, enfatizando que a Comissão Europeia teria sido “ludibriada”.
Reminiscências maoístas dos “Verdes”
É digno de nota que alguns dos veteranos entre os “Verdes” germânicos terem sido fervorosos seguidores de Mao Tsé-tung, na década de 1970, tendo integrado grupos militantes maoístas como a Liga Comunista da Alemanha Ocidental (KBW). Entre outros, são os casos do próprio Bütikofer e de Hans-Gerhart “Joscha” Schmierer, ex-integrante da equipe de planejamento do ministro das Relações Exteriores “verde” Joschka Fischer (1998-2005). De acordo com a revista Cicero, Schmierer foi secretário do Comitê Central da KBW e, no final de 1978, viajou com uma delegação ao Camboja, para se encontrar com o presidente do Khmer Vermelho e assassino em massa do regime genocida de Pol Pot, Saloth Sar. Mais tarde, ele escreveu no jornal do KBW que “o povo do Camboja transformou o seu país em um jardim florido”. Sem surpresa, em 1977, os membros da KBW estiveram na vanguarda dos protestos antinucleares em Brokdorf e Grohnde.
Em março de 2001, quando os “Verdes” integravam o governo de coalizão do chanceler Gerhard Schroeder (1998-2005), um documento de inquérito oficial do Parlamento federal alemão (Drucksache 14/5406) lançou algumas luzes sobre Schmierer e seu pitoresco passado. Na ocasião, foram levantadas questões relativas a um telegrama de saudação enviado por ele em 1980, na condição de secretário da KBW, aos “camaradas de Pol Pot”, em especial, se era verdade que ele havia afirmado no telegrama que “a luta do povo cambojano é uma atribuição importante para a paz mundial”. Os parlamentares que haviam solicitado o inquérito perguntavam se o governo compartilhava da opinião de que o secretário do Partido Comunista do Camboja era um “assassino em massa”. O governo respondeu apenas vagamente, que Schmierer havia sido submetido a uma verificação de segurança.
De acordo com o seu sítio na Internet, Bütikofer nasceu em 1953, em Mannheim, estudou filosofia, história e assuntos chineses na Universidade de Heidelberg, ocupou vários cargos como representante estudantil em 1973 e, posteriormente, ingressou no grupo Liga Universitária Comunista (KHG). Embora, na época, ele fosse um adepto apaixonado da República Popular de Mao, mais tarde, converteu-se em um crítico ferrenho da China.
Em 1997, tornou-se o porta-voz do Partido Verde alemão para assuntos europeus, tendo presidido o partido entre 2002 e 2008. Desde 2009, é eurodeputado, atuando em várias comissões, inclusive a de política externa, na qual preside a delegação para as relações com a China.
Quanto a tais reviravoltas dos ilustres parlamentares “verdes”, pode-se aceitar o fato de que uma pessoa pode mudar as visões radicais que abrigava no início de suas vidas políticas. Mas quando se ouve a estranha melodia cantada atualmente contra o Nord Stream 2 ou a China, igualmente entoada em Washington, cabe perguntar se alguns “verdes”, movidos pelo seu “zelo” pelo poder, não teriam se juntado ao mesmo.