EUA/OTAN: arruaceiros à caça de encrenca

Resenha Estratégica – Vol.18 – nº 13 – 7 de abril de 2021.

As elites dirigentes dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) estão visivelmente desesperadas, diante do fracasso de todas as suas tentativas de fechar o cerco contra a Rússia, com sanções políticas e econômicas, as pífias acusações envolvendo os casos de suposto envenenamento de Sergei e Yulia Skripal e Alexei Navalny, as pressões para a interrupção do gasoduto Nord Stream 2 e, até mesmo, as dificuldades criadas para a utilização da vacina Sputnik V na Europa.

O fiasco está levando as lideranças de Washington e Bruxelas a atuar como um bando de arruaceiros juvenis, ávidos de expor os seus dotes físicos cultivados nas academias do “excepcionalismo” supremacista, em uma nova e patética tentativa de intimidar Moscou, para submeter-se à ordem hegemônica decadente e moribunda.

Já vão longe os tempos que a geopolítica era, pelo menos, revestida de uma diplomacia profissional. Agora, os seus praticantes se comportam como uma quadrilha de lúmpens oligarcas, percorrendo o espaço europeu à caça de vítimas para a sua prática favorita do “bullying” geopolítico. O problema é que essa atitude irresponsável pode escalar em um conflito de grandes proporções e consequências imprevisíveis, pois o alvo pretendido não é um adolescente franzino e amedrontado, mas um adulto amadurecido e acostumado a lidar com toda sorte de impertinências e agressões.

Recorde-se apenas a fulminante derrota imposta pela Rússia à Geórgia em 2008, em apenas quatro dias, retrucando à invasão militar georgiana da Ossétia do Sul, inspirada por alguns dos arruaceiros da época, que vitimou vários membros da força de paz russa ali estacionada – precedente que parece estar inspirando os inconsequentes instigadores de um novo conflito nas vizinhanças da Federação Russa.

Neste momento, salta aos olhos um padrão de provocações, visando a atrair Moscou para um engajamento militar direto no Leste da Ucrânia, nas províncias insurgentes de Donetsk e Luhansk (Donbass), que não aceitaram o golpe de Estado patrocinado pela OTAN, em fevereiro de 2014, e a consequente deposição do presidente Viktor Yanukovich (assim como ocorreu com a Crimeia, reincorporada à Federação Russa após um plebiscito popular).

Vejamos as movimentações:

* Em 22 de março, o vice-secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Mircea Geoană, recebeu em Bruxelas o presidente do Parlamento da Ucrânia, Dmytro Razumkov. Na ocasião, Geoană agradeceu as contribuições ucranianas para as missões da OTAN no Kosovo e no Afeganistão e manifestou o pleno apoio da organização à soberania e à integridade territorial da Ucrânia, em função da deterioração do cessar-fogo com as províncias insurgentes. A deterioração foi provocada pela retomada das hostilidades por parte de Kiev, desde o início do ano, contrariamente aos acordos de Minsk, intermediados pela Rússia, Alemanha e França, para uma resolução política do impasse.

* Dois dias depois, o presidente ucraniano Volodimir Zelenski assinou o Decreto Presidencial 117/2021, o qual afirma textualmente que a recuperação da Crimeia é uma política oficial do país.

* Em um telefonema com o ministro da Defesa da Ucrânia, Andrii Taran, em 1º de abril, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, “reafirmou o inabalável apoio dos EUA à soberania, à integridade territorial e às aspirações euroatlânticas (sic) da Ucrânia”.

* Na mesma data, em uma reunião com o chefe da representação da OTAN na Ucrânia, Alexander Vinnikov, o vice-chefe do Gabinete da Presidência, Roman Mashovets, pediu que a organização realizasse exercícios militares conjuntos com as Forças Armadas ucranianas, inclusive patrulhas aéreas, em resposta às manobras russas próximas à fronteira com a Ucrânia.

* Também em 1º de abril, os embaixadores credenciados na OTAN se reuniram para discutir as crescentes violações do cessar-fogo em Donbass. Um porta-voz da entidade disse à agência Reuters que a organização está preocupada com a concentração de tropas russas junto à fronteira. Disse ainda o porta-voz: “Os aliados compartilharam as suas preocupações sobre as recentes atividades militares em larga escala da Rússia, na Ucrânia (sic) e próximo a ela. Os aliados também estão preocupados com as violações russas (sic) do cessar-fogo de julho de 2020, que levaram à morte de quatro soldados ucranianos, na semana passada.”

* Em 2 de abril, o presidente estadunidense Joe Biden conversou por telefone com seu colega ucraniano Zelenski, afirmando, igualmente, o “inabalável apoio à soberania e à integridade territorial da Ucrânia, diante das crescentes agressões da Rússia (sic) no Donbass e na Crimeia”.

* Em 4 de abril, o presidente Zelenski congratulou a OTAN pelo seu 72º aniversário e manifestou mais uma vez a pretensão ucraniana de integrar a organização, contando com o apoio dos seus integrantes para entrar no Plano de Ação de Filiação. “Olhando para a frente, para estender a nossa cooperação prática para reforçar a segurança euroatlântica”, tuitou o presidente.

* No mesmo dia, o comandante-em-chefe das Forças Armadas da Ucrânia, coronelgeneral Ruslan Khomchak, falou sem rodeios sobre o assunto: “Nós utilizamos efetivamente as ferramentas e mecanismos da parceria da OTAN para apoiar tais engajamentos com a Aliança, que avançaram ainda mais com o reconhecimento da Ucrânia como um Parceiro de Oportunidades Ampliadas. A Ucrânia é agora um dos seis desses Parceiros de Oportunidades Ampliadas, ao lado da Austrália, Finlândia, Geórgia, Jordânia e Suécia. E nós trabalhamos em medidas práticas particulares, para acrescentar um valor prático a tal formato de cooperação.”

* Em 5 de abril, o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, afirmou que os relatos sobre movimentos militares russos junto à fronteira com a Ucrânia são “críveis” e que Washington pediu a Moscou para explicar tais “provocações”.

* Após uma conversa telefônica com o premier britânico Boris Johnson, Zelenski afirmou que a Ucrânia se sente apoiada pelo Reino Unido e os demais países do G-7. “As ações recentes da Rússia representam um sério desafio à segurança da Ucrânia, dos membros da OTAN e a toda a Europa”, tuitou ele, segundo a agência Reuters (05/04/2021).

* Em meio à escalada de tensões na Ucrânia, os EUA e a OTAN deram início ao colossal exercício Defender-Europe 21, envolvendo 28 mil militares de 26 países, inclusive, com a participação da Força Aérea e da Marinha dos EUA. A despeito das restrições de movimentação de cidadãos em vários países europeus, devido à pandemia de Covid-19, não haverá impedimentos para a circulação dos militares nos 12 países europeus que sediarão as manobras. Na reunião dos chanceleres da OTAN, em Bruxelas, em 23-24 de março, foi oferecida uma explicação para a extravagância, cujo custo não foi divulgado: “A Rússia, com o seu comportamento agressivo, enfraquece e desestabiliza os seus vizinhos e tenta interferir na região dos Bálcãs (Red Voltaire, 01/04/2021).”

Até agora, além das manobras militares em seu próprio território, a reação russa tem sido ponderada. Mas, em uma entrevista ao Canal 1 da televisão russa, o chanceler Sergei Lavrov transmitiu um recado incisivo: “De acordo com as informações publicadas na mídia, em sua maioria, os militares [ucranianos] entendem os prejuízos de qualquer ação para deflagrar um conflito quente. Eu espero muito que eles não sejam ‘incentivados’ por políticos, que, por sua vez, serão ‘incitados’ pelo Ocidente, encabeçado pelos Estados Unidos. O presidente da Federação Russa, Vladimir Vladimirovich Putin, disse há não muito tempo que quem tentar deflagrar uma nova guerra em Donbass destruirá a Ucrânia (Interfax, 01/04/2021).”

Pelo menos um estrategista arguto em Washington está percebendo o perigo e recordando o desastre da Geórgia. Escrevendo na revista The National Interest (05/04/2021), o editor contribuinte Ted Galen Carpenter, autor do livro de 2019 “OTAN: o dinossauro perigoso”, foi categórico:

É uma má ideia para Washington, dar aos seus parceiros a impressão de que eles têm um cheque em branco para ir à guerra e esperar que forças estadunidenses venham socorrê-los se a luta lhes sair mal. (…)

Os paralelos entre o excessivo encorajamento da Ucrânia por Washington e o erro de [o presidente George W.] Bush com respeito à Geórgia são bizarros e alarmantes. O governo de Vladimir Putin tem dado ao Ocidente numerosas advertências, ao longo dos anos, de que tentar fazer da Ucrânia um cliente militar da OTAN significa cruzar uma brilhante linha vermelha em termos da segurança russa. A anexação da Crimeia pelo Kremlin, em 2014, em resposta à campanha estadunidense-europeia para ajudar manifestantes a derrubar o governo pró-russo eleito e substituí-lo por um regime pró-Ocidente, deveria ter transmitido aquela mensagem com grande clareza. (…)

O Governo Biden precisa, urgentemente, repensar a sua política para a Ucrânia. Washington está fazendo a Kiev uma promessa de segurança que nenhum estadunidense sensível deveria estar dispostos a ver os EUA cumprirem.

Em sua coluna semanal, o ex-deputado federal Ron Paul, uma das mentes mais lúcidas que passaram pelo Congresso estadunidense nas últimas décadas, sintetizou a perigosa situação: Estamos vendo uma política externa feita pela Raytheon e as outras empresas militares dos EUA, por meio de intermediários no governo, como Austin e outros.

“Especialistas” em política externa irresponsáveis acreditam na sua própria propaganda sobre a Rússia e estão à beira de nos levar à guerra por conta dela. É como se os estadunidenses estivessem andando como sonâmbulos através desse perigoso campo minado. Esperemos que eles acordem logo, antes que todos sejamos reduzidos a pedaços.

Considerações adicionais são desnecessárias para qualificar a “lumpenização” diplomática que tomou conta das elites ocidentais.

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1 COMENTÁRIO

  1. Tudo indica, que antes do demônio imperial e seus “filhos” diabólicos caírem, desgracarao o mundo com um cataclismo de proporções inimagináveis. Caso as forças superiores da natureza, não intervirem, ” aiaiai nossas maezinhas”.

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