Jornal Solidariedade Ibero-americana, Vol. 27, no. 1 – junho de 2020.
Em 23 de junho, o Brasil ficou em polvorosa com o anúncio de que embaixadas brasileiras em seis países europeus e nos EUA haviam recebido um autêntico ultimato de um grupo de investidores internacionais, que, alegando preocupação com “o aumento no desmatamento” e “violações dos direitos dos povos indígenas”, ameaçavam reduzir os seus investimentos em empresas e títulos públicos do País. O assunto deslocou para o segundo plano a grave evolução da pandemia de covid-19, ainda longe de uma situação de controle.
“A escalada do desmatamento nos últimos anos, combinada com relatos de um crescente enfraquecimento das políticas ambientais e de direitos humanos e esvaziamento dos órgãos de fiscalização, estão criando uma incerteza generalizada sobre as condições para investir ou fornecer serviços financeiros ao Brasil”, diz a carta, enviada às embaixadas na Noruega, Suécia, França, Dinamarca, Holanda, Reino Unido e EUA.
Como de hábito, não se trata de qualquer preocupação legítima com a preservação do meio ambiente e a defesa dos povos indígenas, mas de uma mal disfarçada manipulação dos problemas políticos do presidente Jair Bolsonaro, para impor um retorno às políticas de “limitação de soberania” sobre a Amazônia e o controle dos recursos da região, por meio da bem financiada rede de ONGs que representa aqueles interesses. Para tais grupos, esses recursos são as “garantias” dos seus investimentos no Brasil. Por isso, a ofensiva se insere no contexto da “financeirização” das questões ambientais, a vasta iniciativa que reúne governos de nações industrializadas, altos interesses corporativos e o aparato ambientalista-indigenista internacional.
Os signatários (28 fundos de investimento e, curiosamente, os Church Commissioners, entidade que administra as propriedades da Igreja da Inglaterra) se mostram particularmente interessados no Projeto de Lei 2633/2020, peça-chave para a regularização fundiária, imprescindível para qualquer política ambiental e de desenvolvimento séria para a Amazônia, cuja votação encontra-se pendente na Câmara dos Deputados.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo (23/06/2020), Jan Erik Saugestad, CEO do fundo norueguês Storebrand Asset Management e iniciador da carta, deixou claro que o Brasil está sendo tratado de forma diferenciada em relação aos outros países: “Normalmente, tendemos a nos engajar diretamente com as empresas, como o esforço feito no ano passado para combater o desmatamento com o apoio de mais de 250 instituições financeiras à iniciativa. Temos iniciativas em andamento que cobrem a produção de soja e gado. Mas é o governo que faz as políticas e o arcabouço regulatório com as quais as companhias trabalham… Desta vez, decidimos não fazer isso de forma indireta com as companhias, mas, sim, de forma direta com perguntas, num diálogo direto com o governo.”
Instado a estimar o volume de investimentos brasileiros do seu grupo de paladinos ambientais corporativos, limitou-se a dizer, “adoraria ter esse número, mas não tenho”.
Previsivelmente, a ofensiva desses autênticos “fundos gafanhotos”, que chegam, devastam e voam, caiu como uma luva para os planos do “superministro” da Economia Paulo Guedes, que, prontamente, manifestou a sua preocupação imediata com que os “ruídos” na questão ambiental não possam prejudicar a pauta de atração de investimentos externos, item fundamental da sua agenda pós-pandemia. Ou seja, para que não faltem os recursos necessários ao seu plano de desmonte do Estado brasileiro, com a privatização de empresas estratégicas como a Eletrobrás, é preciso assegurar o “engessamento” econômico da Amazônia Legal (a, rigor, do País) e frear todo e qualquer exercício de uma soberania efetiva do Estado sobre a região, em detrimento dos seus 24 milhões de habitantes. Este é o corolário direto da política ultraliberal, inteiramente atrelada aos interesses da alta finança “globalizada”, cuja meta se limita a pouco mais que gerar grandes fluxos financeiros para operações especulativas, em detrimento de toda a economia real, aí incluída a infraestrutura física, cuja expansão fica condicionada aos interesses de investidores privados.
Assim, o País permanece com as suas aspirações e perspectivas de retomada do desenvolvimento ao cumprimento de um duplo “dever de casa”, tanto em relação aos investidores privados (principalmente, internacionais), como ao aparato ambientalista-indigenista, que sempre operou como instrumento auxiliar daqueles, que tem sido a tónica dos últimos 30 anos.
Em entrevista ao “Estadão” de 24 de junho, o vice-presidente Hamilton Mourão, coordenador do Conselho da Amazônia, disse que a resposta brasileira será dada “com a verdade e com trabalho”.
Mas as reações não podem ser apenas defensivas. É preciso demonstrar, pelas mesmas embaixadas, que o País não é uma nação “bananeira”, por exemplo, recordando aos signatários que a área preservada do Bioma Amazônia, em território nacional, equivale a quase o dobro da área combinada dos seis países europeus cujos embaixadores brasileiros receberam a carta.
Igualmente, dever-se-ia reiterar o recado dado sem rodeios pelo presidente brasileiro, em seu discurso na abertura da 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro passado: “Quero reafirmar minha posição de que qualquer iniciativa de ajuda ou apoio à preservação da Floresta Amazônica, ou de outros biomas, deve ser tratada em pleno respeito à soberania brasileira. Também rechaçamos as tentativas de instrumentalizar a questão ambiental ou a política indigenista, em prol de interesses políticos e econômicos externos.”
Para os patriotas brasileiros, independentemente de ideologias, deveria ser claro que estamos frente a uma tentativa de manipulação da crise política nacional em prol de interesses alheios ao País. Parafraseando a resposta de outro presidente, Floriano Peixoto, diante do oferecimento da “ajuda” da frota britânica, na Revolta da Armada de 1891, os “fundos gafanhotos” deveriam ser recebidos, figuradamente, à bala.
É mais que hora de se retomar o impulso, há muito abandonado, para um novo projeto nacional de desenvolvimento, um imperativo para o período pós-pandemia imediato, com o qual os brasileiros possam retomar as rédeas da construção do seu futuro, em vez de deixá-lo ser definido por essa exótica aliança de especuladores desligados da economia real e do bem-estar geral da sociedade com militantes profissionais, todos descompromissados com os interesses maiores dos brasileiros.
“Os fundos gafanhotos” humilham a inteligência nacional. Se um dia já fomos uma ” Republiqueta de Bananas” , nunca mais seremos idiotas: vamos criar outra república aberta para o mundo, mas sem pensar como galinhas comendo as migalhas no chão. Sinceramente Roberto Wanderley
Deveríamos definir projetos compatíveis com o ecossistema Amazônico, e promover um estímulo (aos brasileiros), semelhante ao feito nos USA, no passado, com o Oeste americano.