O Desafio da Neoindustrialização

    Segundo o Portal da Indústria[1], “A neoindustrialização é o processo de modernização e evolução da indústria, enfatizando inovação, compromisso ambiental e integração com cadeias produtivas internacionais. Ela está inserida em um contexto global de políticas industriais modernas, muitas vezes orientadas por missões, que são estratégias que buscam trazer respostas aos grandes desafios de nossa sociedade, como o combate às mudanças climáticas ou acesso à saúde de qualidade. Esse conceito contrasta com as políticas do passado que muitas vezes partiam da escolha de setores ou de empresas específicas”.

    Ainda segundo o portal, “Historicamente, o Brasil passou por diferentes fases de desenvolvimento industrial, com períodos de expansão e estagnação. A neoindustrialização surge como uma abordagem de renovação e fortalecimento da indústria brasileira e de fomento do desenvolvimento econômico e social do País. Embora represente 23,9% do PIB [menos de 15% se considerarmos apenas a indústria manufatureira que é a que mais gera empregos], a indústria responde por:

    69,3% das exportações brasileiras de bens e serviços

    66,4% do investimento empresarial em pesquisa e desenvolvimento

    34,4% da arrecadação de tributos federais (exceto receitas previdenciárias)

    27,2% da arrecadação previdenciária.

    A neoindustrialização busca reverter a acentuada desindustrialização das últimas décadas e aumentar a competitividade da indústria nos mercados nacionais e internacionais, tornando-a mais inovadora, eficiente, sustentável e integrada ao comércio internacional. Esse conceito está ligado a esforços para impulsionar o crescimento econômico sustentado e criar empregos de qualidade no Brasil”

    Apesar de todo o esforço do governo no sentido de reverter o processo de desindustrialização por que o Brasil vem passando nas últimas décadas, o fato é que a indústria brasileira “vem caminhando de lado”, como mostram os números do setor recentemente divulgados pelo IBGE.

    Conforme matéria publicada no jornal Valor Econômico em 04/10 (Indústria sobe em agosto, mas segue sem entusiasmar), “O setor industrial ainda segue com a sua principal característica do ano: sobe e desce, mas não sai do mesmo patamar”.  Segundo o IBGE, a produção da indústria brasileira cresceu 0,4% em agosto, ante julho, segundo a Pesquisa Industrial Mensal (PIM). Ainda segundo o jornal, “O resultado de agosto foi o melhor para o mês desde 2020 (3,3%), mas ficou abaixo da mediana do Valor Data, de 0,6%. Em relação a agosto de 2022, a produção industrial subiu 0,5% – a expectativa mediana era de expansão de 1,1%”. A indústria de transformação, que responde por cerca de 85% do setor, cresceu 1% em agosto, mas a nota negativa ficou por conta da indústria de bens de capital, que é o coração do setor industrial em qualquer país. De acordo com dados do IBGE, a produção do setor recuou 15,4% em relação a agosto de 2022, 11,4% em 2023 e 8,5% em 12 meses.

    Mas algumas boas notícias renovam a esperança de que o setor industrial brasileiro consiga se adaptar às rápidas mudanças que estão em curso no mundo hoje, nomeadamente, a reconfiguração das cadeias globais de suprimento, abaladas pela pandemia da Covid-19 e, mais recentemente, pelas crescentes tensões geopolíticas envolvendo dois dos principais parceiros comerciais do Brasil: China e Estados Unidos.

    Segundo noticiou o jornal Valor Econômico (09/10), o Brasil será base de exportação de chassis para carro elétrico. Segundo a matéria, “A produção de chassis para ônibus torna a fábrica da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo (SP) diferenciada em relação à maioria das outras do grupo Daimler na Europa. Essa especialidade poderá contribuir para que a unidade seja uma base de exportação de ônibus elétricos para mercados com a mesma característica”. Segundo a matéria, há dois modelos de produção de ônibus no mundo. Um em que o fabricante do chassi monta o ônibus e já o vende completo, como ocorre com os automóveis e um segundo no qual o fabricante vende o chassi para os encarroçadores que adaptam a carroceria do veículo às condições locais (clima, tipo de uso, distâncias a serem percorridas, condições das estradas etc.).

    Enquanto o primeiro modelo é adotado principalmente no hemisfério norte, o segundo é adotado, de maneira geral, por países pobres e em desenvolvimento, ao sul do Equador, nomeadamente América Latina e África. Como destaca a matéria, “como neste semestre a fábrica de São Bernardo começou a produzir modelos elétricos, a expectativa da companhia é abastecer, a partir do Brasil, outros mercados que também adotam a venda do chassi separado da carroceria”. Importante que o BNDES tome nota disso e reforce suas linhas de financiamento de exportação para esses países, pois modelos elétricos custam de três a quatro vezes mais do que um convencional a diesel.

    Outra notícia boa de outubro é o anúncio da mega plataforma chinesa de vendas online Shein, que desembarcou no Brasil em 2020. Ela fará um esforço para nacionalizar sua plataforma de fornecedores da área de vestuário e confecções e já faturou com vendas diretas R$ 7 bilhões em 2022, mais que o dobro da Marisa (R$ 3,2 bilhões em receita bruta com vendas), mas ainda abaixo da Renner, que teve receita bruta de vendas de R$ 16 bilhões, da Riachuelo, R$ 11 bilhões, e da C&A, R$ 8,2 bilhões, vendendo principalmente produtos importados da China.

    Segundo matéria do Valor Econômico (19/10) e Estado de S. Paulo (20/10), “A plataforma de e-commerce Shein chegou a 336 fornecedores parceiros, seguindo sua estratégia de fechar acordo com 2 mil fabricantes locais até 2026 para atender o mercado brasileiro. Em maio, em resposta às críticas de concorrentes nacionais à importação de produtos sem pagamento do Imposto de Importação e ao plano depois abandonado pelo governo de taxar as remessas internacionais de produtos abaixo de US$ 50, a empresa fundada em 2012 pelo chinês Chris Xu assumiu o compromisso de comercializar artigos feitos no Brasil. A operação prevê investimento de R$ 750 milhões”.

    Ainda segundo a matéria do Estado de S. Paulo, “As 336 fábricas parceiras estão localizadas em 12 Estados: Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Ceará, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Norte. Até o momento, 213 dessas fábricas já operam no modelo de negócios da Shein, conhecido por trazer inovações no lançamento e pelos testes de aceitação de cada peça baseados em inteligência artificial”.

    Outra notícia importante (Valor, 17/10), é que Stellantis, proprietária mundial das marcas Fiat e Chrysler,  vai produzir carros híbridos a etanol, em Goiana,  no estado de Pernambuco, a partir de 2024. Da mesma fábrica de Goiana sairão também os futuros modelos 100% elétricos, segundo a companhia.

    Segundo a  matéria, “Hoje a Stellantis tem, no entorno da fábrica de Goiana, 38 fornecedores de componentes e sistemas. Mas o objetivo é chegar a 50 no curto prazo. A meta posterior é chegar a 100 e, por isso, a empresa defende a prorrogação dos incentivos fiscais do programa automotivo no Nordeste e Centro-Oeste, previsto para terminar no fim de 2025. Segundo a empresa, motores térmicos e eletrificados combinados serão, futuramente, produzidos nas outras fábricas do Brasil – Betim (MG) e Porto Real (RJ). A montadora prevê ter distintos graus de combinação térmica e da eletricidade na propulsão dos veículos. “É uma oportunidade de reindustrialização e de reconfiguração da indústria nacional de autopeças, que é diversificada, complexa e muito importante para a economia brasileira”, destacou Filosa. Segundo o executivo, o desenvolvimento de novos produtos abre perspectivas de exportações para toda a América Latina”.

    Importante observar que esse nicho de carros híbridos a etanol é de grande importância para o Brasil, que foi pioneiro no desenvolvimento de motores de combustão interna a etanol bem como na produção do combustível a partir da cana de açúcar. Enquanto os carros 100% elétricos dependem da geração de energia elétrica que na maior parte do mundo é ainda produzida a partir da queima do petróleo e do carvão, o carro híbrido a etanol utiliza um combustível muito menos poluente, com uma pegada de carbono zero, pois o mesmo CO2 gerado na sua queima, muito menos que a gasolina, é reabsorvido integralmente da atmosfera pelas plantações de cana de açúcar e milho utilizados na sua produção.


    [1] https://www.portaldaindustria.com.br/industria-de-a-z/neoindustrializacao/#:~:text=A%20neoindustrializa%C3%A7%C3%A3o%20surge%20como%20uma,brasileiras%20de%20bens%20e%20servi%C3%A7os

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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