Argumento utilizado para defender a prorrogação da desoneração da folha é discutível

    O excesso de subsídios e desonerações tributárias para setores específicos da economia são frequentemente apontados como uma das causas dos problemas fiscais do Brasil, da elevada carga tributária e até das altas taxas de juros praticadas pelos bancos. Mas quando o governo resolve cortar parte desses benefícios, a gritaria é ensurdecedora, amplificada pela grande imprensa que não perde ocasião para tentar minar sua credibilidade.

    Em 2011, o governo Dilma, baseado em premissas equivocadas, instituiu a desoneração da folha para 17 setores que empregam intensivamente mão de obra trocando os 20% de recolhimento sobre a folha para alíquotas entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta, benefício este que, pela lei que o instituiu, perderia a validade em dezembro deste ano. Mas seguindo a máxima que é sempre muito fácil criar subsídios, mas quase impossível retirá-los, deputados e senadores, devidamente sensibilizados pelo lobby das empresas trataram de aprovar nova lei prorrogando esses benefícios até 2027, sob o discutível argumento de que se o benefício for extinto haverá uma onda de demissões no setor. A lei foi vetada pelo presidente, mas o Congresso derrubou o veto por ampla maioria. Cabe perguntar, contudo, até que ponto os argumentos apresentados para a prorrogação do benefício às empresas são verdadeiros. Será que com menores custos de mão de obra as empresas contrariam mais gente do que realmente precisam?

    A velha Teoria da Firma, ensinada nos cursos de microeconomia, diz que o empresário contrata trabalhadores até o ponto em que a receita marginal geral gerada pelo último trabalhador contratado se iguala ao seu custo marginal. Ou seja, no ponto em que o aumento de faturamento que um trabalhador a mais gera para a empresa se iguala ao seu custo, o empresário para de contratar, pois daí para frente sua receita e consequentemente seu lucro começariam a diminuir se ele continuasse a admitir mais gente.

    Se as coisas realmente funcionassem desse jeito a resposta à pergunta acima seria sim e a demanda para manutenção da desoneração da folha realmente faria todo sentido. Ou seja, com o trabalhador custando menos, os empresários iriam contratar um número maior de trabalhadores. O problema é que as coisas não funcionam e nunca funcionaram desse jeito.

    Se não houver perspectiva de demanda para o que a empresa produz, o empresário não irá contratar mais trabalhadores só porque custam mais barato. Nem que o trabalhador se ofereça para trabalhar de graça, ou em troca do vale-refeição, ou com a tal carteira verde-amarela inventada por Bolsonaro e aprovada agora pelo Congresso, o empresário terá interesse em contratar mais gente se não tiver necessidade. Qual o interesse do empresário em admitir mais trabalhadores e mantê-los ociosos na empresa ou mesmo atrapalhando quem já está trabalhando?

    No sentido oposto, se houver demanda pelo seu produto, o empresário num primeiro momento irá contratar mais mão de obra, que é única forma de expandir a produção no curto prazo, enquanto ele tiver máquinas e equipamentos ociosos. Esgotada a capacidade ociosa, no momento seguinte irá investir em máquinas e equipamentos, de preferência mais modernos, que exijam menos recursos humanos, para aumentar não apenas a capacidade total de produção da empresa, mas também a produtividade. Ou seja, que o determina número de trabalhadores a serem contratados não é o custo gerado por eles, mas as condições de demanda mercado, que Keynes chamou de demanda efetiva. O que pode variar ao fim e ao cabo é a taxa de lucro da empresa. O argumento que as empresas usam, portanto, para prorrogar a desoneração é no mínimo discutível. A única coisa que a desoneração realmente faz é aumentar o lucro da empresa.

    Mas se a questão é essa, então o governo, no mínimo, deveria exigir que o que a empresa economiza em gastos com mão de obra, graças aos benefícios que oferece, deveria realizar em investimentos, já que está sendo beneficiada por recursos públicos. Infelizmente, o que ficou evidente com os graves problemas enfrentados por muitas cidades do Estado de São Paulo, inclusive a capital, com falta de energia durante vários dias, em novembro, em decorrência da demora no atendimento por parte da Enel depois das fortes chuvas é que muitas empresas, mesmo com todos os benefícios oferecidos pelo governo, não estão dispostas a contratar mais gente e tão pouco investir para a melhoria dos serviços oferecidos, apenas tratando de garantir seu lucro pelo jeito mais fácil, ou seja, cortando custos e enxugando mão de obra.

    No caso na Enel, inclusive, a primeira coisa que a empresa fez quando obteve a concessão, conforme noticiou a imprensa, foi cortar 35% da mão de obra, essencial para os reparos rápidos da rede. Exemplos nesse sentido, infelizmente, não faltam. Vamos ver o que vai acontecer quando a Sabesp for privatizada. Se de fato, como alega o governo de São Paulo, haverá mais investimentos e expansão da rede de serviços, ou apenas tratarão de demitir trabalhadores para engordar ainda mais os lucros, que já não são pequenos, deixando a população de São Paulo, que já ficou sem luz, também sem água.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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