A Assessoria Econômica do segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), criada pelo presidente logo no início do mandato, consistiu no primeiro órgão permanente e vinculado à presidência da República de planejamento econômico e de formulação de estudos, projetos e políticas estratégicas do ponto de vista do desenvolvimento nacional. Foi responsável pela idealização e efetivação de um verdadeiro projeto nacional de Estado, de economia e de sociedade.
Chefiada pelo economista baiano Rômulo Almeida, escolhido pessoalmente por Getúlio, a Assessoria compôs-se de jovens quadros, muitos deles egressos do funcionalismo público organizado pelo DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), criado no Estado Novo. Entre os principais membros, destacaram-se o sociólogo cearense Jesus Soares Pereira, o economista maranhense Ignácio Rangel e o administrador paraibano Cleanto de Paiva Leite. O fato de todos os principais nomes serem nordestinos refletia a orientação getulista de promover a integração nacional pelo desenvolvimento das regiões mais atrasadas. Da mesma forma, o fato de vários deles terem sido opositores do primeiro governo Vargas – Rômulo Almeida aproximara-se do integralismo e depois da UDN e Ignácio Rangel chegou a ser preso por ter participado da tentativa de golpe da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em 1935 – demonstrava a disposição do presidente reempossado de incorporar, em seu novo governo, os antigos setores oposicionistas mais dispostos a colaborar para o desenvolvimento econômico e social da Nação.
Em contraposição à Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, também criada em 1951, que defendia o protagonismo dos capitais norte-americanos na industrialização brasileira e um menor papel governamental na alocação dos investimentos, a Assessoria Econômica caracterizou-se pela defesa do nacionalismo no campo industrial, ou seja, pela opção em basear a industrialização brasileira em capitais e recursos internos a partir de uma atuação mais proativa do Estado.
A Assessoria, em consonância com as diretrizes presidenciais, também propugnou um caráter social do desenvolvimento, de modo que a industrialização estivesse associada a uma política de ampliação do bem-estar social da maioria e, assim, do mercado interno, gerando estímulos endógenos ao crescimento da indústria, reduzindo, portanto, a dependência ao exterior. A preocupação com a qualidade de vida dos trabalhadores e com as desigualdades sociais e regionais foi, então, plenamente incorporada à estratégia de desenvolvimento desenhada pela Assessoria.
Como afirmou Rômulo Almeida, em entrevista citada em sua biografia A Serviço do Brasil – a trajetória de Rômulo de Almeida (2006), escrita por Aristeu Souza e José Carlos de Assis: “Pensava-se na industrialização como um processo global de desenvolvimento, ou seja, não somente um processo de modernização, mas um processo de valorização global do país, incluindo o social. Estava muito patente a integração do objetivo nacionalista com o social” (Almeida apud Souza e Assis, 2006, p. 127).
A visão estratégica de Nação esposada pela Assessoria contemplava a integração nacional como princípio e motor do desenvolvimento econômico e social. As regiões mais atrasadas, como o Nordeste e a Amazônia, deveriam, por meio de adequado planejamento governamental, ser incorporadas à revolução industrial já em curso em São Paulo. Não como simples fornecedoras de matérias-primas, mas como centros industriais e tecnológicos que fortalecessem as cadeias produtivas brasileiras e gerassem complementaridades funcionais ao crescimento conjunto e harmonioso de todo o País.
Como asseverou Rômulo Almeida, em seu livro Nordeste: Desenvolvimento Social e Industrialização (1985): “Um Nordeste industrializado […] significará o verdadeiro grande passo da integração nacional. Será uma região de 30 milhões em intercâmbio intenso com os 50 milhões do Centro-Sul. Será uma nova dimensão do mercado interno e do Brasil” (p. 58); “O Nordeste não é um caso de assistência, é um problema econômico e político a ser enfrentado com racionalidade e grandeza” (p. 137).
Para direcionar crédito à industrialização do Nordeste, bem como aos pequenos e médios produtores rurais, de uma maneira racionalizada e não sujeita às pressões clientelistas, a Assessoria coordenou os estudos para a criação do Banco do Nordeste, até hoje o maior banco de desenvolvimento regional da América Latina, efetivada em 19 de julho de 1952. Rômulo Almeida foi nomeado o primeiro presidente do Banco, fazendo com que Jesus Soares Pereira assumisse a direção da Assessoria no ano seguinte. A Assessoria também influiu para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), fundado em 1952 sob a orientação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, incluísse um setor específico de promoção do desenvolvimento nas regiões mais desfavorecidas, em especial o Nordeste.
Outros instrumentos estatais criados no segundo governo Vargas sob a coordenação da Assessoria, como a Comissão Nacional do Bem-Estar Social – sob a presidência do eminente médico Josué de Castro e a vice-presidência de Alzira Vargas, filha do presidente -, a Carteira de Colonização do Banco do Brasil, o Instituto Nacional de Imigração e Colonização, a Comissão Nacional de Política Agrária, a Companhia Nacional de Seguros Agrícolas e o Conselho Nacional de Administração de Empréstimos Rurais, embora, a princípio, voltados a todo o Brasil, tiveram sua atuação, durante o então governo, bastante direcionada para o desenvolvimento das regiões Nordeste e Norte, buscando integrá-las econômica e socialmente, em pé de igualdade, com as regiões mais avançadas.
Um tema que mereceu especial atenção da Assessoria foi o da energia. A nacionalização e a ampliação das fontes energéticas seriam necessárias para a autodeterminação do processo de industrialização, uma vez que a energia, definida, do ponto de vista físico, como capacidade para realizar trabalho, constitui, portanto, a mola-mestra do desenvolvimento. O controle da energia significa, pois, o controle do ritmo e da orientação do desenvolvimento, daí a necessidade da sua nacionalização. No início dos anos 1950, a energia brasileira era controlada por grupos estrangeiros, como a Light, o que subordinava o trabalho nacional aos comandos estrangeiros. Daí o empenho da Assessoria em planejar a formação de um sistema energético genuinamente nacional, combinando petróleo e eletricidade, ambos sob o controle e a liderança do Estado. Daí o sentido da atuação da Assessoria ao redigir o projeto de criação da Petrobrás, transformado na Lei nº 2004, de 3 de outubro de 1953, o projeto de criação da Eletrobrás, enviada ao Congresso em 1954, mas aprovado somente em abril de 1961 com a Lei nº 3890-A, sancionada pelo presidente Jânio Quadros.
Também foram elaborados, pela Assessoria, com o fito de expandir a rede elétrica por todo o País e estimular a indústria nacional de materiais elétricos, os projetos do Plano Nacional de Eletrificação e do Fundo Federal de Eletrificação, a ser financiado pelo Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE). O Fundo seria sancionado pelo presidente Café Filho exatamente uma semana após o suicídio de Vargas.
A Assessoria também elaborou os primeiros projetos para a diversificação das fontes de energia, de modo a aproveitar o imenso e variado potencial energético brasileiro. Do seu gabinete, partiram os estudos para a instauração da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), com o objetivo de promover a indústria nuclear no Brasil. A CNEN seria criada em outubro de 1956, no governo de Juscelino Kubitschek, sob a presidência do Almirante Álvaro Alberto, e cumpriria função primordial no desenvolvimento atômico brasileiro nas décadas seguintes. Também foram promovidos estudos e projetos para a energia de biomassa, então chamada energia florestal. O Plano Nacional do Babaçu, criado ainda no segundo governo Vargas por iniciativa de Ignácio Rangel, visava aproveitar energeticamente esse vegetal, de maneira a agregar valor ao babaçu e gerar desenvolvimento e riquezas no Maranhão, um dos estados mais pobres da federação. O Plano Nacional do Carvão, delineado pela Assessoria, cumpriu, igualmente, papel determinante na ampliação da matriz energética brasileira e, também, da mineração e da siderurgia nacionais.
A soberania energética progrediria, assim, a construção das bases da indústria nacional, iniciada no primeiro governo Vargas com a nacionalização do subsolo e a criação da Vale do Rio Doce e da CSN, cuja estruturação, no segundo governo, foi estimulada pela Assessoria. A Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI), responsável pelo Plano Geral de Industrialização e subordinada ao Ministério da Fazenda, foi uma iniciativa da Assessoria para congregar governo e empresários nacionais no aprofundamento da industrialização brasileira. Os setores considerados prioritários foram energia, metalurgia, transformação mineral, químico, têxtil, borracha e materiais de construção.
A Assessoria também cuidou de fomentar, especificamente, a expansão da indústria automobilística nacional, com o estabelecimento da Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Automóveis, sob a liderança da companhia estatal Fábrica Nacional de Motores, incumbida de produzir, preferencialmente, os automóveis necessários à ampliação da produção agrícola e industrial e da capacidade logística nacional. O futuro Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), criado no governo JK e responsável pela expansão e consolidação desse ramo industrial no Brasil, surgiu a partir do arcabouço institucional legado pela Assessoria. A ampliação do Fundo Rodoviário, com a legislação do Imposto Único sobre Combustíveis Líquidos, e o projeto de criação da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), finalmente realizado em 1957 no governo JK, também foram iniciativas da Assessoria, e cumpriram papel decisivo no desenvolvimento das infraestruturas e da indústria automobilística nos anos seguintes.
A Assessoria também cuidou da formação dos quadros técnico-profissionais necessários ao cumprimento das metas de desenvolvimento. Em vista da precariedade de tais quadros, a Assessoria conduziu a criação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fundados em 1951 para impulsionar a pós-graduação e as pesquisas de nível superior nos temas centrais ao desenvolvimento da Nação.
A Assessoria Econômica estabeleceu, portanto, as bases administrativas e materiais para a escalada do desenvolvimento nos governos seguintes. A interpretação de Brasil consubstanciada na atuação dos seus membros, orientada para a identificação das potencialidades de desenvolvimento econômico e social em toda a Nação e de construção dos meios para persegui-lo, possui um sentido tanto prático-operacional quanto visionário, no sentido de assumir uma certa ideia de Brasil a ser realizada pelo empenho político do Estado, dos empresários e dos trabalhadores, atuando em equilíbrio e cooperação para o engrandecimento da Pátria.
Como afirmou Jesus Soares Pereira, no livro Petróleo, Energia Elétrica, Siderurgia: a luta pela emancipação, de 1975, a realidade do Brasil “exige que estejamos mais atentos na defesa dos interesses nacionais, na preservação do patrimônio comum, que devemos conservar firmemente em mãos. […] Com homens capazes e devotados aos interesses nacionais, nada deterá o progresso desta nação” (p. 167). Qual mensagem seria mais adequada ao nosso País no século XXI?
Referências:
ALMEIDA, Rômulo. Nordeste: Desenvolvimento Social e Industrialização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Brasília: CNPq, 1985.
D’ARAÚJO, Maria Celina. O Segundo Governo Vargas (1951-1954). Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
LIMA, Marcos Costa (org.). Os Boêmios Cívicos: a Assessoria econômico-política de Vargas (1951-54). Rio de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2013.
LIMA, Medeiros (org.) Petróleo, Energia Elétrica, Siderurgia: a luta pela emancipação – Um depoimento de Jesus Soares Pereira sobre a política de Vargas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
PEREIRA, Jesus Soares. O Homem e sua Ficha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.
SOUZA, Aristeu; ASSIS, José Carlos de. A Serviço do Brasil – a trajetória de Rômulo de Almeida. Rio de Janeiro: A. Souza, 2006.
O Brasil que vivemos está desmontando todo este vasto trabalho realizado por muitos governos e que estavam dando ao Brasil condições de desenvolvimento para todas as regiões. Temos que reacender a chama nacionalista para a busca de tudo que perdemos neste governo entreguista que estamos vivendo.