Por Luiz Gutemberg, jornalista, para o Portal “Bonifácio”
Perdoem-me. Mas, há dois meses, ofereci ao site “Bonifácio” um registro pessoal do lançamento do livro “Graciliano em Viçosa”, que acabava de ser lançado. Então, estava disponível e pronto para a tarefa, curta, sem pretensão, e nem de longe imaginava o impacto que me causaria, finda a leitura, os textos de Sidney Wanderley & Júlia Cunha. Nem imaginava a abundância de notas e “livre associações” que garatujaria no caderninho que sempre tenho por perto nessas horas. Aí, por caiporismo, e botem caiporismo nisso, precisei de uma cirurgia de emergência, e só agora retomei a leitura e consequentes reflexões e testemunhos sobre o período em que Graciliano viveu em Viçosa, um dos epicentros da geografia dos seus romances e memórias. Uma referência que permite aos leitores a singela compreensão dos mundos complexos e precisos que são o sertão, o agreste, a Zona da Mata em Alagoas, que, vai-se ver, nos mapas, misturam-se, entrelaçam-se, mas vincam singularmente a pele e o caráter das pessoas. Como se constituíssem fronteiras profundas e extensas e não apenas espaços, tão frouxos como as “léguas de beiço”, com que os viventes registram ironicamente as longas distâncias. No caso, Viçosa, onde Graciliano chega no último ano do século XIX, recua do sertão, Buique, em Pernambuco, para a Zona da Mata de Alagoas onde publicará seu primeiro texto literário, no jornalzinho “O dilúculo”, efêmera publicação local. Será também o cenário do seu segundo romance, “São Bernardo”, onde, nos anos 70 do século XX, o diretor Leon Hirszman filmará, com performances extraordinárias dos atores Isabel Ribeiro e Oton Bastos. Viçosa, “agreste alagoano” “cidade de solo abrasado e sertanejos de olhar melancólico”, como registra o melhor biógrafo de Graciliano, Dênis de Morais, que Sidney Wanderley corrige com impaciência. “Ora, é sabido e bem sabido, que Viçosa fica no coração da Zona da Mata alagoana (…) deixemos o Agreste para Palmeira dos Índios, onde Graciliano seria Prefeito (…) E reservemos o Sertão para Buíque, que fica em Pernambuco, onde o futuro romancista, nascido em Quebrangulo, Alagoas, viveu até completar nove anos.
Vencida essa delicada quizília geográfica, indispensável para reconstituir o universo de Graciliano, Sidney Wanderley, aproveita fartamente sua condição de viçosense e ouvinte das rodas de conversação da farmácia Mota, do seu padrinho José Aragão. É onde conhece o holandês August Willemsen, tradutor para o holandês do poeta Fernando Pessoa, e autor de duas cartas (a um cunhado, também holandês), em que reproduz depoimentos de parentes do romancista, que transcreve em “Graciliano em Viçosa”.
Pela posição privilegiada de viçosense e leitor crítico de Graciliano, Sidney alia uma irrecusável admiração pela obra com singelos testemunhos de contemporâneos do romancista, contribuindo com traços inéditos para o seu perfil.
Desse mergulho resulta uma reflexão sobre as relações de protagonismo entre Graciliano e Alagoas, povo, geografia e história, que se entrelaçam, mergulham, expõem pudores em tempo real, sem disfarces, arreglos ou conveniências.
Sendo a ficção de Graciliano mais do que confessional, pois ele a alimentava com seu cotidiano, o leitor não escapa da tentação de embrenhar-se na realidade, quer para completá-la, quer para discuti-la e, pincipalmente, envolver-se na questão, expressa sem meias palavras no capítulo “Uma unanimidade inconvincente”, em que, às favas qualquer isenção, o livro expõe seu cerne: “Uma coisa que me surpreende e assusta – confessa Sidney, é essa unanimidade que Graciliano se tornou entre os alagoanos” e, cuja mais grave demonstração é a alegação de políticos locais, “taturanas, gabirus, ratazanas e assemelhados” “asseverarem” que fazem política mirando o Mestre Graça. Aliás, começa aí a indignação de Sidney Wanderley. O apelativo de intimidade e profunda admiração com que Graciliano Ramos é citado, hoje, pelos seus conterrâneos. “Elogios infames”, “reverência hipócrita”, “Mestre Graça”. Sidney Wanderley imagina a reação indignada do próprio Graciliano a esse tratamento dos seus conterrâneos. “Mestre Graça é a puta que o pariu”.
(Todos sabemos que em 1935 Graciliano saiu de Maceió preso e sem qualquer acusação formal. Em função de mesquinhas intrigas locais, foi demitido da Diretoria da Educação do governo estadual em que realizava admiráveis reformas, sem que houvesse um único protesto, até hoje, nenhum desagravo institucional à sua memória.)
“E ponto final”, como incisivamente termina o livro, sem lembrar que nunca mais Graciliano, depois de degredado, voltou a pôr os pés em Alagoas. Enquanto, em sentido contrário, acumulam-se descobertas sobre a sua retidão, senso de justiça e inovação, como seu pedido de demissão da direção da Imprensa Oficial de Alagoas, hoje Imprensa Oficial Graciliano Ramos. Foi a sua forma de protestar pela negativa do Governador à sua proposta de premiar um funcionário exemplar, Erausto Campelo, que organizava e tornava funcional a burocracia da “repartição”, como se chamava na época. E ele nem conhecia o funcionário Campelo antes do próprio se revelar no trabalho cotidiano. Para Graciliano, implacável na cobrança dos deveres do funcionário, o reconhecimento pelo bom desempenho não podia passar sem recompensa.
Resenha certeira, caro Gutemberg. O ótimo livro de Sidney Wsnderley me fez lembrar de um outro, uma referência para o jornalismo: “Louvemos os homens ilustres”, de James Agee e Walker Evans. Pois bem, louvemos Graciliano, o mais ilustre dis alagoanos – sem desmerecer Nise da Silveira e dois ou três outros merecedores da distinção.
Graciliano foi daquelas figuras raras para quem vida e obra – e que obra! – eram uma coisa só. Foi um autor íntegro e um homem íntegro, o que o deixa a anos-luz de distância dos que vampirizam seu nome.
Utopia “DA VIÇOSA” resgata a passagem de famosos, enquanto que a PRATA DA CASA desaba no esquecimento. A poesia, o teatro, os Jornais não são elementos culturais e históricos de nossa terra. Entretanto, uma simplória passagem de Graciliano torna-se lendária, o insistente resgate dos BRADÃO e até dos VILELA apagaram o HEROÍSMO de APOLINARIO REBELO, MAJOR LULA DA GEREBA e CORONEL EDUARDO REBELO MAIA.
Meu estimado Gutemberg, gratíssimo por sua exata avaliação que você faz do meu (e da Júlia) “Graciliano em Viçosa”. Anoto tão só que o fato de Graciliano jamais haver retornado a Alagoas depois de 36 acha-se ressaltado na p. 31 do livro. O sempre forte abraço do seu amigo e leitor, o Sidney Wanderley.