Em 1º de junho de 2019, a China aumentou as tarifas cobradas de produtos dos Estados Unidos no valor de US$ 60 bilhões. O ato foi resposta a uma decisão do governo americano de elevar de 10% para 25%, em 10 de maio de 2019, as tarifas sobre US$ 200 bilhões de produtos chineses. Mais tarde, o presidente dos EUA, Donald Trump, ordenou a imposição de sobretaxas para mais US$ 300 bilhões em mercadorias da China. Washington está travando uma guerra comercial contra Pequim há algum tempo e usando o setor de tecnologia para intimidar o país concorrente, na esperança de que isso prejudique sua posição econômica – como já conseguiu fazer com Tóquio.
A guerra comercial EUA-China é como o “remake” de um velho programa de TV. A primeira série foi dedicada ao “Pearl Harbor econômico” dos anos 80, quando as empresas japonesas inundaram a América com carros e eletrônicos. Emergindo das cinzas nucleares, o Japão teve a balança comercial mais forte e as empresas japonesas representaram 40% da capitalização global. Não surpreende que o establishment dos EUA tenha visto o “milagre econômico japonês” como uma ameaça maior à segurança nacional do que os mísseis nucleares soviéticos. Como resultado, os EUA minaram a economia japonesa e forçaram o Japão a uma “armadilha da liquidez”.
No ano passado, os EUA lançaram uma nova série do programa de TV, mas desta vez com a China no papel principal. O drama asiático, que começou em 2018 com os EUA aumentando a tarifa dos painéis solares chineses para 30%, está agora em seu segundo ano. E parece que os EUA estão contando com mais algumas séries ainda.
Haraquiri econômico
Em muitos aspectos, a economia chinesa está repetindo o sucesso do Japão nos anos 80. Naquela época, o Japão estava no auge de seu poder econômico. Enquanto as exportações japonesas oscilavam em torno de US$ 4,1 bilhões por ano, em 1960, aumentaram para US$ 287 bilhões por ano em 1990. O país exportou carros, autopeças, equipamentos de escritório e outros eletrônicos para todo o mundo.
Naqueles dias, as exportações japonesas para os EUA ultrapassavam em muito as exportações dos EUA. Só em 1982, o déficit comercial entre os dois países cresceu de US$ 15 bilhões para US$ 36,8 bilhões. Em 1981 os EUA importaram 1,8 milhão de carros do Japão, mas os japoneses importaram apenas 4 mil dos EUA. Além disso, o Japão começou a ser visto como um líder mundial que ultrapassava os EUA tecnologicamente.
Como aliado júnior dos EUA, o Japão conseguiu desenvolver com sucesso sua economia até se tornar uma ameaça a seu patrono. A elite americana foi tomada por um medo paranoico de que os EUA seriam destruídos pelas exportações baratas do Japão em uma guerra competitiva. Para reduzir seu déficit na balança comercial, os EUA impuseram o Acordo de Plaza ao Japão em 1985, o que gradualmente paralisou o Banco do Japão. Sob os termos do acordo, Tóquio teve de reavaliar o iene em relação ao dólar. Assim, nos anos que se seguiram, o valor do iene não era mais determinado no Japão, mas nos EUA.
Em apenas três anos, a taxa do iene quase dobrou, passando de 265 para 138 por dólar, e as exportações japonesas não estavam mais tão baratas quanto antes. Em um esforço para compensar o efeito negativo do agravamento da balança comercial, Tóquio decidiu aumentar o investimento e os empréstimos e reduzir as taxas de juros (de 5% em 1985 para 2,25% em 1989). Os preços das ações japonesas começaram a subir de forma constante, inflando a bolha de crédito.
Os melhores especialistas dos Estados Unidos consideraram que os altos preços das ações se deviam à natureza única da economia do Japão. Eles eram tão convincentes, de fato, que até os próprios japoneses acabavam acreditando na singularidade de sua economia. A partir de 1988, o Japão começou a construir fábricas ativamente e expandir a produção. Demorou um pouco para perceber que não haveria demanda para esses volumes de produção no mercado mundial. Como resultado, tudo terminou com o colapso da Bolsa de Valores de Tóquio em 1990, que mergulhou o Japão em anos de deflação. Para Tóquio, os anos 90 se tornaram a “década perdida”.
Um rival indomável
Tendo aprendido com a provação do Japão, a China está se recusando categoricamente a abrir seu mercado financeiro. Pequim também tem uma série de vantagens que nós, russos, acreditamos que impedirão o país de repetir a infeliz experiência japonesa.
Primeiro, o iuane não está tão integrado ao sistema financeiro global quanto estava o iene. A China não está vinculada a nenhuma obrigação financeira internacional, como o Japão tinha aceito com o Acordo de Plaza, de modo que Pequim é menos dependente de Washington e pode negociar em pé de igualdade, assim como tomar medidas autônomas.
Em segundo lugar, a China tem um enorme mercado interno, de um bilhão e meio de consumidores. Apesar do impacto tangível da América, o mercado está lidando bem com a pressão. O governo chinês está dando grande ênfase ao desenvolvimento da demanda doméstica e do consumo para construir uma “sociedade moderadamente próspera” até 2021.
Terceiro, a própria economia chinesa é consideravelmente mais forte do que a economia japonesa quando esta estava no auge de seu desenvolvimento. A China também está apostando em tecnologias de ponta: equipamentos de transmissão, computadores, utensílios de escritório, circuitos integrados e telefones.
Um desenlace atrasado
A principal batalha entre os EUA e a China hoje é pela posição de líder global em tecnologia . Acredita-se que o vencedor nesta frente será o país que fornecer as melhores condições para o desenvolvimento de indústrias avançadas, como inteligência artificial e 5G. E essas são exatamente as indústrias chinesas que os americanos estão tentando prejudicar, elevando as tarifas dos produtos orientais de alta tecnologia e colocando as empresas em listas negras.
A Huawei, por exemplo, está sob pressão constante há alguns meses. Os EUA estão expulsando a empresa de seu próprio mercado e boicotando sua atuação em outros países, impedindo a compra de componentes. O medo da América é bem fundamentado. A Huawei investe enormes somas de dinheiro no futuro tecnológico da China: até 10% de seus lucros (mais de US$ 13 bilhões) são gastos em novos empreendimentos que empregam cerca de 80.000 pessoas.
A posição atual da Huawei está longe de ser fatal, no entanto. A empresa recebeu apenas 7% de sua receita do mercado norte-americano, mas se a China retaliar, a Apple poderá perder até 20% de sua receita. A Huawei também poderá obter os componentes necessários no mercado taiwanês, e a demanda global por seus serviços continua alta. A propósito, na conferência O Futuro da Ásia, realizada em 30 de maio de 2019, em Tóquio, o primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Bin Mohamad, explicou que seu país continuaria cooperando com a Huawei precisamente porque as tecnologias da empresa estão muito à frente de qualquer outra.
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