Política ambiental do governo Bolsonaro é um tiro no pé do Brasil

Diz um antigo ditado que “À mulher de César, não basta ser honesta; deve parecer honesta”. Não basta ao Brasil possuir uma das mais avançadas legislações ambientais do mundo, é preciso que o mundo reconheça isso. Infelizmente, a política ambiental do governo Bolsonaro está destruindo a reputação do Brasil como um país que protege suas florestas e o meio-ambiente. As consequências para o País são graves.

Quem já se deu ao trabalho de examinar, mesmo que superficialmente, o Código Florestal Brasileiro, verá que não há no mundo uma legislação sobre o tema mais rígida que a brasileira.  A Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, estabelece normas para proteção da vegetação nativa em áreas de preservação permanente, reserva legal, uso restrito, exploração florestal e assuntos relacionados que nenhum outro país do mundo adota. E ainda assim o Brasil está sendo posto na condição de “fora da lei ambiental”, de inimigo mundial do meio-ambiente.

A razão para isso, todos sabem. Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro vem esvaziando os órgãos de fiscalização ambiental com base no discurso de “o pessoal do meio-ambiente é contra o desenvolvimento do Brasil”. Trata-se de uma variante do discurso de “o pessoal dos direitos humanos só protege os bandidos”, que levou a um aumento sem precedentes da violência policial nas grandes metrópoles, sobretudo contra a população pobre da periferia e ao empoderamento das milícias formadas por ex-policiais corruptos, sem que o problema da segurança fosse resolvido.

Vindo da boca do presidente da República esse discurso funcionou como uma espécie de contrassenha para o “liberou geral”. A atividade ilegal ligada ao desmatamento e às queimadas se intensificou a partir da ação de grupos fora da lei que se sentiram estimulados pelo discurso oficial.

Dada a crescente preocupação internacional com a questão ambiental e ao aumento da consciência com o meio ambiente na classe média e na juventude em todo o mundo, as reações não se fizeram esperar. Vários governos europeus e organizações ambientalistas passaram a criticar o governo brasileiro, acusando-o de destruir a floresta amazônica, de não respeitar os direitos dos povos indígenas e daí por diante. O recém-eleito presidente americano Joe Biden já anunciou que vai liderar uma coalização internacional para pressionar o Brasil a reduzir o desmatamento ilegal da Amazônia. Até uma ação por genocídio contra os indígenas foi ajuizada no Tribunal Internacional de Haia contra o presidente Bolsonaro.

O agronegócio brasileiro, que não tem nada a ver com a questão, uma vez que se trata de uma agricultura moderna, cujo aumento de produtividade se baseia na aplicação intensiva de tecnologia e muito pouco na expansão da área de cultivo, sobretudo na Amazônia, acabou se tornando a principal vítima desse pendor de Bolsonaro para o submundo da sociedade.

Inúmeros países estão anunciando restrições à importação de commodities agrícolas brasileiras, o único setor de atividade que vem apresentando um desempenho positivo nestes tempos de crise e que é responsável por parte expressiva do saldo positivo da balança comercial brasileira.

De acordo com reportagem do Financial Times[1], de 14 de dezembro, a empresa Bremnes Seashore, uma produtora norueguesa de salmão, anunciou que iria excluir a soja brasileira da alimentação dos peixes. Outra produtora norueguesa de salmão também fez uma emissão de títulos no valor de US$ 105 milhões, com uma cláusula inusitada: que os rendimentos não sejam direcionados para investimentos na Cargill, a trader norte-americana que tem sido acusada de falhar na proteção da floresta amazônica.

Na mesma semana um grupo de 160 varejistas internacionais, empresas de alimentos e investidores, incluindo Tesco, McDonald’s, Unilever e Lidl pediram aos comerciantes de soja que desinvestissem da commodity ligada ao desmatamento na região do Cerrado do Brasil. Os signatários do Manifesto de Apoio ao Cerrado alertaram que irão impor sanções se os comerciantes não cumprirem a data limite. “Estamos vendo um movimento na Europa em que as empresas estão se afastando da soja brasileira”, disse Sarah Lake da campanha ambientalista Mighty Earth (Financial Times, 14/12/2020).

No dia 17 de dezembro, o FT publicou uma carta do embaixador brasileiro no Reino Unidos, Fred Arruda[2], que reproduzimos a seguir (tradução nossa):

Seu artigo “Comerciantes de soja pressionados para deter o desmatamento no Brasil” (Relatório, 17 de dezembro) lança luz sobre mais uma iniciativa por parte das partes interessadas nos mercados de consumo que clama por soluções unilaterais.

O compromisso brasileiro com a sustentabilidade é inabalável. O Brasil se tornou uma potência agrícola não devido ao desmatamento, mas devido a décadas de investimentos consistentes em ciência e inovação, resultando em ganhos de produtividade significativos.

Da mesma forma, o Código Florestal Brasileiro prevê que entre 20 e 35 por cento da área total de cada propriedade privada na região do Cerrado seja mantida como floresta ou outra vegetação nativa, sem que os agricultores recebam qualquer compensação pelos serviços ambientais que prestam; na Amazônia, essa proporção chega a 80%. O Brasil é indiscutivelmente o único país do mundo onde os agricultores têm que cumprir essa legislação estrita às suas próprias custas.

Agora, os varejistas e outras empresas pedem aos fazendeiros brasileiros que mantenham uma parte ainda maior de suas propriedades em estado preservado e intocado, sem se oferecer para pagar seriamente a conta. No Reino Unido e em outros países desenvolvidos os agricultores recebem bilhões pelos bens públicos que entregam. O código florestal já atinge um equilíbrio delicado entre garantir a conservação e apoiar os meios de subsistência.

Políticas sólidas mantiveram dois terços do território brasileiro com vegetação nativa – 23 vezes o tamanho do Reino Unido – e deram lugar à expansão sustentável da produção agrícola no Cerrado, parte integrante da agenda de nivelamento do Brasil. Onde a agricultura prosperou de forma sustentável, os agricultores alcançaram níveis mais elevados de desenvolvimento humano. Para que essa dinâmica virtuosa continue, os incentivos certos precisam estar disponíveis.

Manter as áreas de vegetação nativa intactas tem um custo, e esse custo deve ser arcado por todas as partes interessadas, inclusive nos mercados consumidores. A mudança climática é uma questão global que exige uma resposta verdadeiramente global.

Fred Arruda

Embaixador do Brasil no Reino Unido

Não é a primeira vez que a imprensa internacional critica a política ambiental do governo Bolsonaro. Em 28 de julho de 2019, o jornal New York Times[3] manifestou-se assim a respeito do tema:

A destruição da floresta tropical amazônica no Brasil aumentou rapidamente desde que o novo presidente de extrema direita do país tomou posse e seu governo reduziu os esforços para combater a extração ilegal de madeira, pecuária e mineração.

Proteger a Amazônia esteve no centro da política ambiental do Brasil durante grande parte das últimas duas décadas. Em um ponto, o sucesso do Brasil na redução da taxa de desmatamento tornou-o um exemplo internacional de conservação e esforço para combater as mudanças climáticas.

Mas com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, um populista que foi multado pessoalmente por violar as regulamentações ambientais, O Brasil mudou de curso substancialmente, recuando dos esforços que uma vez fez para desacelerar o aquecimento global, preservando a maior floresta tropical do mundo.

Durante a campanha para presidente no ano passado, Bolsonaro declarou que as vastas terras protegidas do Brasil eram um obstáculo para o crescimento econômico e prometeu abri-las à exploração comercial (…)

Também neste final de ano, como noticiou o portal G1[4] (01/12/2020),

“o governo e o setor agrícola privado da França se comprometeram a trabalhar para aumentar em 40%, em três anos, as áreas destinadas ao cultivo de plantas ricas em proteínas. O objetivo do chamado “plano de proteína vegetal” é reduzir a dependência da soja importada, principalmente do Brasil, estreitamente ligada ao desmatamento”.

No mesmo dia 01/12 o jornal o Estado de S. Paulo[5] publicou um editorial intitulado “Setor Externo e Risco Bolsonaro” no qual entre outras coisas afirma:

O bom desempenho comercial do agro foi mantido, em 2020, apesar de o presidente Jair Bolsonaro, de seu filho Eduardo e dos ministros do Meio Ambiente e de Relações Exteriores. Com sua desastrosa política ambiental, propícia a devastação, o Executivo brasileiro confronta as políticas de governos mais comprometidos com a preservação, fornecendo argumentos aos protecionistas.

Além disso, o presidente Bolsonaro insistiu, até há poucos dias, em se alinhar a seu guru Donald Trump, derrotado na recente eleição americana, contra a China. Seu filho Eduardo, deputado federal, tem seguido a mesma linha, tendo voltado, há dias, a postar em rede social uma provocação infantil e inteiramente desproposita às autoridades chinesas.

Os erros de Bolsonaro já têm afastado investidores e alimentado a instabilidade cambial. Mas as contas externas têm resistido à crise global sem danos muito graves, até hoje, e sem risco de problemas de solvência. Mas ninguém pode ficar tranquilo diante da desorientação e da irresponsabilidade de um presidente amplamente despreparado para o cargo.

Contas externas estão firmes, no meio da crise, mas o presidente é um perigo constante.

A carta do embaixador Fred Arruda é oportuna, na medida em que chama atenção para pontos que geralmente são desconsiderados, sobretudo pela imprensa internacional quando o assunto é a preservação das floretas brasileiras.  É evidente que em torno da agroindústria brasileira há algo mais que a justa preocupação do mundo com o meio ambiente. Há também a questão geopolítica com a segurança alimentar do mundo e os interesses comerciais da agricultura subsidiada dos Estados Unidos e da Europa face aos ganhos de produtividade e preço da agroindústria nacional. E assim o exército de ONGs é mobilizado no Brasil e no mundo a serviço tanto da agenda humanitária em defesa da natureza quanto da pauta geopolítica e de negócios que se cruzam no bioma da Amazônia brasileira.

Desde a criação do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), em 1947, os países pobres e em desenvolvimento lutam pela abertura dos mercados dos países ricos para suas exportações agrícolas, mas até hoje enfrentam barreiras protecionistas. A última rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) – a Rodada Doha – acabou, em 2018, depois de 15 anos de negociação, sem acordo, simplesmente porque os países ricos negam-se a diminuir os subsídios agrícolas e abrir seus mercados aos exportadores dos países pobres e em desenvolvimento.

A atitude pseudonacionalista do governo Bolsonaro em relação ao meio-ambiente não só põe em risco a própria soberania do país sobre a maior floresta tropical do mundo, como dá armas aos protecionistas europeus que agradecem sua ajuda para continuar a barrar as exportações agrícolas brasileiras.


[1] https://www.ft.com/content/10215f47-72f4-411d-b7b1-d50bc0b150f6

[2] https://www.ft.com/content/b98fa750-edc6-400d-a6c6-8aa80d10248b

[3] https://www.nytimes.com/2019/07/28/world/americas/brazil-deforestation-amazon-bolsonaro.html

[4] https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2020/12/01/franca-vai-produzir-leguminosas-para-reduzir-dependencia-da-soja-brasileira.ghtml

[5] https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20201201/textview

Luís Antonio Paulino
Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Bolsonaro parece estar fadado a inspirar tolices nas duas pontas do espectro politico. De um lado os que acreditam ter encontrado mesmo o “messias”, e de outro os que se opõem com clichês banais apostando na caricatura.

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