PCCh chega aos 100 anos com olho no futuro

    A China comemorou no dia 1° de julho o centenário de fundação do Partido Comunista Chinês. Os chamados dois centenários – os 100 anos da fundação do PCCh, em 2021, e os 100 anos da fundação da República Popular da China, em 2049, são marcos importantes nos planos de modernização da China no século XXI. Entre as metas para 2021 estavam a de dobrar o PIB e o PIB per capita da China em relação a 2010 e eliminar completamente a pobreza extrema no país. Esses objetivos foram plenamente alcançados apesar da pandemia da Covid-19. Para 2049 a meta é transformar a China em uma economia socialista avançada.

    A crise de 2008 evidenciou para os dirigentes chineses que o país não poderia continuar a contar com o setor externo como o principal motor de crescimento de sua economia. Um novo modelo de crescimento com foco no aumento do consumo interno passou a ser implementado. Enquanto no Ocidente os governos dos países ricos gastavam bilhões de dólares para salvar o sistema financeiro, a China, para fazer frente à queda da demanda externa provocada pela crise global, iniciou um plano de investimentos em infraestrutura de mais de US$ 500 bilhões, o que permitiu modernizar toda a infraestrutura do país.

    Em menos de 10 anos os chineses construíram uma rede de mais de 30.000 quilômetros de trens de alta velocidade ligando as capitais das 27 províncias com Pequim. Hoje é possível ir da maioria das capitais de província até Pequim em viagens de até no máximo oito horas em trens modernos e confortáveis que cortam todo o país a mais de 300 quilômetros por hora.  Em torno de cada capital foram construídos anéis ferroviários que ligam cidades próximas em circuitos de no máximo uma ou duas horas com trens de alta velocidade, facilitando a mobilidade urbana, promovendo o desenvolvimento local e evitando o inchaço dos grandes centros. A primeira vez que fui de Wuhan até Yichang, onde fica a hidrelétrica de Três Gargantas, na província de Hubei, viajando de carro, gastei quase o dia todo. Na última vez que fiz a mesma viagem utilizando um trem rápido gastei apenas duas horas para fazer no mesmo percurso.

    A Ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai – uma maravilha da engenharia moderna – é a mais extensa ponte marítima do mundo. A estrutura principal mede 29,6 quilómetros enquanto a parte secundária mede 22,6 quilómetros, junto a um túnel subaquático de 6,7 quilómetros, estando conectados a duas ilhas artificiais e fazendo a integração logística e financeira de nove cidades chinesas localizadas no delta do Rio das Pérolas.

    No dia 1º de julho foi inaugurada a mais nova hidrelétrica da China, a barragem de Baihetan, sobre o Jinshajiang – o “Rio de Areia Dourada” – como a parte superior do rio Yangtze é conhecida. Com quase 300 metros de altura e feita com mais de 8 milhões de metros cúbicos de concreto, ela fornecerá energia a residências, prédios de escritórios e fábricas tão distantes quanto Jiangsu, uma província costeira a mais de 2000 quilômetros, a leste. Mesmo em um país onde a rapidez na construção de infraestrutura é a norma, a construção da maior represa em arco do mundo em apenas quatro anos foi um feito surpreendente, conseguido graças ao uso massivo de Inteligência Artificial no gerenciamento do projeto.

    Investimentos em rodovias cobriram todo o país com uma rede de autopistas, viadutos e túneis mais modernos que os existentes na maioria dos países ricos do Ocidente. Aeroportos e estações ferroviárias modernas, de arquitetura arrojada, com capacidade para centenas de milhões de passageiros, foram construídos nas maiores cidades do país. Os principais centros urbanos também ganharam extensas redes de metrôs. Em Pequim ou Xangai, por exemplo, é muito mais prático, confortável e barato ir para qualquer ponto da cidade de metrô do que de automóvel. A cidade de Xangai conta com mais de 400 quilômetros de linhas de metrô.

    O setor imobiliário assistiu também uma longa expansão. Todos os anos, a China começa a construir cerca de 15 milhões de novos lares, mais de cinco vezes o número construído nos Estados Unidos e na Europa juntos e, em algumas cidades a demanda é tanta e o estoque tão limitado que muitas cidades usam loterias para distribuí-las, nas quais as chances podem ser de até uma em 60. (The Economist, 12/02/2021).

    Mas a mudança mais relevante introduzida pela China em seu modelo de desenvolvimento foi a decisão de abandonar gradualmente o modelo de crescimento baseado no uso intensivo de mão-de-obra barata em indústrias de montagem e produção de bens de média e baixa tecnologia e migrar para um novo modelo baseado na aplicação de tecnologias de ponta na produção de bens e serviços. Para isso o país fez, durante anos, grandes investimentos em ciência e tecnologia, na formação de centenas de milhares engenheiros e cientistas e no desenvolvimento próprio das tecnologias de ponta que estão promovendo a chamada 4ª Revolução Industrial. Hoje a China já é líder em tecnologias que irão transformar radicalmente o sistema produtivo mundial, como a tecnologia de telecomunicações 5G e 6G e o uso da inteligência artificial nos sistemas de produção.

    Com que talvez a China não contasse é que o caminho traçado pelo presidente Xi Jinping e pelo PCCh para se transformar em um país rico até meados do século fosse ser dificultado pelos Estados Unidos de forma tão violenta, primeiro por Trump e agora por Joe Biden. Não aceitando perder seus privilégios em um mundo que transita rapidamente da unipolaridade para a multipolaridade com Estados Unidos e China no centro, os norte-americanos elegeram a China como a principal ameaça à sua condição de única potência hegemônica global.

    Diferentemente de Trump, que se contrapôs à China por meio de uma guerra comercial que alienou muitos dos aliados tradicionais dos Estados Unidos, Biden procura construir uma aliança global anti-China e travestir a cruzada norte-americana contra os chineses em uma disputa global entre a democracia e o que ele chama de autoritarismo. Procura, assim, camuflar os objetivos hegemônicos dos Estados Unidos sob o véu da defesa da democracia e dos direitos humanos, manobra cada vez mais difícil de ser ocultada dado o uso evidente de dois pesos e duas medidas para tratar aliados e não aliados.

    Se o caminho da China em busca do desenvolvimento se tornou mais difícil, o projeto de Biden de unir o mundo contra a China também não tem a menor chance de sucesso. O mercado chinês, com seus 1,4 bilhão de consumidores é um magneto poderoso não só para as empresas europeias, mas também para as norte-americanas. Em um mundo onde as margens de lucros estão cada vez mais estreitas com a concorrência globalizada, a única forma de sobreviver é inovar e reduzir os custos de produção, mas essa equação não fecha sem a inclusão dos fornecedores chineses nas principais cadeias globais de suprimento.

    Desacoplar a China da economia globalizada é algo impossível de ser alcançado na atual conjuntura, a não ser que os norte-americanos queiram arriscar-se em uma aventura militar que poderia resultar em consequências catastróficas para a humanidade. Negar à China o acesso às tecnologias mais avançadas do Ocidente é o máximo que os Estados Unidos podem fazer para atrapalhar seu avanço. Isso poderá atrasar um pouco o desenvolvimento chinês, mas não conseguirá detê-lo. Servirá, por outro lado, para a China redobrar seus esforços e alcançar ainda mais rapidamente sua autonomia tecnológica.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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