Os riscos de uma abordagem acrítica sobre a necessidade da transição energética no Brasil

    Virou moda no Brasil falar em transição energética, importando acriticamente um conceito criado pelos países ricos do hemisfério norte, onde a matriz energética é quase 100% baseada na queima do petróleo, gás natural e carvão. O Brasil possui a matriz energética mais limpa do mundo. Na matriz de geração de energia elétrica, as renováveis deverão representar perto de 86%, em 2023.

    O que o Brasil precisa, de fato, é de transformação energética, ou seja, transformar o enorme potencial que temos de geração de energia elétrica limpa em consumo industrial e doméstico, para melhorar as condições de vida do povo e acelerar o desenvolvimento do País. Para isso é preciso realizar pesados investimentos em transmissão de energia, ligando as regiões com grande potencial de geração de energia limpa, seja hidrelétrica, eólica ou solar com os grandes centros consumidores, caso contrário esse potencial todo será desperdiçado enquanto ficamos nessa conversa tola de transição energética como se o Brasil estivesse queimando milhões de toneladas de carvão ou petróleo, como fazem os Estados Unidos, a Europa e a China.

    A moda agora é falar em carro elétrico. O Brasil tem recebido nos últimos anos diversos investimentos no setor automotivo para a produção de carros elétricos. Até aí, tudo bem. Temos potencial de geração de energia elétrica suficiente para carregar as baterias de toda a frota nacional desde que a energia elétrica que pode ser produzida em regiões com grande potencial de geração de energia hidrelétrica, eólica e solar de fato o seja e chegue aos grandes centros consumidores de todo o País. Mas não podemos esquecer também que somos o maior produtor mundial de etanol, que é um combustível não só renovável, como muito mais limpo que o petróleo.

    Alguém pode alegar: ah, mas a queima de etanol também gera CO2. Sim, a queima do etanol também emite CO2, porém com duas diferenças em relação à gasolina: primeiro o volume de CO2 emitido pelo etanol é muito menor, pois seu teor de carbono é também muito menor; em segundo lugar, as emissões de CO2 do etanol são compensadas pela cana-de-açúcar que, ao se desenvolver no campo, absorve da atmosfera esse mesmo dióxido de carbono que é emitido pelo escapamento do automóvel, pois o seu crescimento é a partir do processo de fotossíntese, que precisa do CO2 que está na atmosfera, o que não ocorre no caso do petróleo. Por que não investir em carros elétricos híbridos com etanol e não apenas com gasolina?

    Mas o problema de se engolir a corda da transição energética de forma acrítica, não para por aí. Na verdade, a grande questão é a tentativa de se barrar a produção de petróleo na América Latina como forma de acelerar a tal transição energética no mundo, enquanto nos Estados Unidos, no Oriente Médio e outros grandes centros produtores não se toca no assunto. É preciso ficar claro que a maior parte do petróleo produzido na região, não será consumido aqui, mas exportando para os grandes centros consumidores – leia-se Estados Unidos, Europa e China – que não vão parar de consumir o petróleo tão cedo. No caso da China, ela está usando o nosso petróleo para substituir o carvão, que é ainda mais poluente. Deixar de produzi-lo apenas beneficiaria os atuais produtores com o aumento de preço, prejudicando os mais pobres, inclusive no Brasil, pelo aumento do preço do gás de cozinha e de outros derivados do petróleo que estão presentes em qualquer coisa que consuma hoje em dia.

    De acordo com um relatório recente da Agência Internacional de Energia, a produção global de petróleos aumentará 5,8 milhões de barris por dia até 2028. De acordo com essa mesma agência, o consumo mundial de petróleo vai atingir seu pico somente nas próximas décadas. Segundo reportagem da revista The Economist, republicado no Estadão (16/7) “De acordo com Schreiner Parker, da Rystad Energy, uma consultoria, o Brasil e a Guiana podem produzir petróleo com lucro de US$ 35 por barril, menos da metade do preço atual. A quantidade de CO2 equivalente emitida por barril é de 10 quilos, em comparação com a média global de 26 quilos. “O Brasil e a Guiana têm os barris nobres que o mercado vai procurar”, na opinião de Parker.

    Ou seja, se o consumo do petróleo não vai acabar tão cedo e o Brasil pode produzir esse petróleo menos poluente que a média mundial, os ambientalistas deveriam incentivar a produção de petróleo no Brasil e não a barrar como no caso da chamada Margem Equatorial, como acontece atualmente. Conforme destaca a mesma matéria da Economist, “Embora o petróleo continue sendo necessário durante toda a transição energética, ele precisará ser produzido de forma barata e com baixas emissões de carbono para se manter competitivo”, o que é caso do Brasil.

    Segundo editorial do Estadão (05/8), “a Petrobras planeja gastar quase metade de seu orçamento de exploração de US$ 6 bilhões nos próximos cinco anos na Margem Equatorial, uma área que vai do litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte e está próxima à Guiana. O governo espera que a região tenha aproximadamente 10 bilhões de barris de petróleo recuperável, quase o equivalente aos campos do pré-sal”. Com a renda gerada por essa exploração o governo poderá fazer muito mais pelo meio-ambiente e pela melhoria das condições de vida da população amazônica do que se deixasse esse petróleo no subsolo como quer o movimento ambientalista.

    Basta ver o caso da Guiana, vizinha do Brasil na Margem Equatorial. Entre 2015 e 2021, o PIB da Guiana quase dobrou, de US$ 4,1 bilhões para mais de US$ 8 bilhões. Hoje o país tem o quarto maior PIB per capita das Américas. Nos últimos dois anos o PIB da Guiana saltou quase 100% e nos próximos dois deve saltar mais 100% graças à exploração o petróleo. Como afirma o mencionado editorial do Estadão, “combinação Amazônia + petróleo não só não é necessariamente destrutiva, como pode ser extremamente benéfica, não só socialmente, mas ambientalmente. Não há lugar para o petróleo nas matrizes energéticas do futuro, mas no presente ele ainda é o maior combustível do crescimento econômico. A Guiana é um dos países que avançam mais aceleradamente no Índice de Desenvolvimento Humano. A melhor maneira de erradicar crimes ambientais, mais do que a repressão, é investir recursos em uma economia sustentável que dissuada as populações locais de apelarem a práticas predatórias para garantir a prosperidade de suas famílias. Com mais dinheiro em caixa, aumenta também a capacidade da Petrobras de investir em pesquisa e desenvolvimento de energias limpas”.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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    1 COMENTÁRIO

    1. A “transição energética” está sendo muito mal conduzida no Brasil, com vistas muito mais em lucros financeiros e ganhos políticos de curto prazo do que em uma estratégia de longo prazo para o desenvolvimento pleno das capacidades produtivas do País.
      Para começar, há uma expansão desproporcional de fontes intermitentes e instáveis, como as eólicas e solares, em detrimento das fontes capazes de gerar energia firme (ou despachável) no sistema de base, que, no mundo inteiro, limitam-se às hidrelétricas, termelétricas e nucleares. Em países como a Alemanha, a injeção da eletricidade dessas fontes no sistema de base tem gerado instabilidade e interrupções, como ocorreu no Brasil no último dia 15 de agosto. Ademais, na Alemanha e no Reino Unido, para cada gigawatt originário dessas fontes foi preciso instalar capacidade quase igual de fontes firmes para atuarem como “reserva”, devido à intermitência daquelas. Pergunta: qual é a vantagem disto, além dos lucros de curto prazo dos acionistas das empresas de eólicas e solares (dois anos de construção e poucos problemas com as autoridades ambientais)?
      Além disso, tais fontes representam um retrocesso tecnológico em relação às termelétricas e nucleares, devido às suas densidades energéticas muito menores. Neste quesito, podem ser equiparadas às hidrelétricas, mas estas, em contrapartida, podem “armazenar energia” em forma de água em seus reservatórios (pelo menos, enquanto o radicalismo ambientalista “permitia” a construção de grandes reservatórios). Uma transição energética efetiva (e sem aspas) precisa ocorrer no sentido do uso de fontes de maior densidade energética, como a nuclear, inclusive com o emprego dos novos reatores modulares de média potência (como o argentino Carem-25), e o desenvolvimento da fusão nuclear, que, além da China, Rússia, Coreia do Sul e outros países, tem atraído “start-ups” dos EUA e da Europa, nas quais empresas petrolíferas como a Equinor, ENI, Chevron e outras têm investido, algo que a Petrobras também deveria fazer, em vez de investir em eólicas “offshore”.
      Em paralelo a tudo isso, o governo Lula pretende introduzir um mercado de carbono compulsório, cujo impacto principal será aumentar custos operacionais e burocráticos para empresas de setores-chave da economia – siderurgia, química, alumínio, cimento, petróleo, petroquímica etc. –, com evidente efeito cascata sobre praticamente todos os demais.
      Em síntese, a “transição energética” brasileira está se assemelhando mais a uma autêntica eutanásia econômica.

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