Os dilemas da diplomacia estadunidense para a IberoAmérica

    Resenha Estratégica – Vol. 18 | nº 33 | 25 de agosto de 2021

    Silvia Palacios e Lorenzo Carrasco

    Em meio ao declínio estratégico global experimentado pelos EUA, o governo do presidente Joe Biden explora alternativas para reconstruir as relações estadunidenses com a Ibero-América, instáveis desde o colapso do Tratado Interamericano de Assistência

    Recíproca (TIAR), quando os EUA apoiaram a Inglaterra na Guerra das Malvinas, em 1982.

    Assim como ocorre no restante do mundo ocidental, o fracasso da “Nova Ordem Mundial” e de seu sucedâneo, o programa hegemônico do “Novo Século Americano”, encontra um hemisfério frágil e em crise, em especial, com um panorama de caos institucional na América do Sul. Foi neste contexto que o governo de Biden lançou uma ofensiva diplomática regional, mobilizando as suas principais peças diplomáticas.

    Em julho, veio ao Brasil para uma visita-relâmpago o diretor-geral da Agência Central de Inteligência (CIA), William J. Burns, em uma evidente missão de “controle de danos”, algo que difícilmente seria conferido a um chefe da agência, uma provável resposta à inusitada participação do presidente Jair Bolsonaro no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, no mês anterior.

    O lance mais recente, no início de agosto, foi uma turnê pelos três países de maior peso político na região, Brasil, Argentina e México, com uma delegação que incluiu o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, o diretor sênior para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional, Juan González, e o subsecretario de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Ricardo Zúñiga.

    De acordo com a programação oficial, os temas das visitas não trouxeram grandes novidades, além de questões gerais nas áreas econômica, ambiental, segurança, meio ambiente e cooperação contra a pandemia de Covid-19.

    Sem surpresa, a preocupação geopolítica central para a América do Sul é a tentativa de conter a presença econômica da China, reforçando a cruzada contra a participação da empresa chinesa Huawei na instalação da tecnologia de redes 5G nesses países.

    Ao Brasil, em troca do seu alinhamento, foi oferecido torná-lo um “parceiro global” da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – o que seria um retrocesso para os interesses estratégicos brasileiros, pois o isolaria dos demais países, principalmente, da Argentina.

    Em Buenos Aires, além de enfatizar a questão do sistema 5G (menos premente que no Brasil, pois a Argentina sequer concluiu os seus planos para a área), Sullivan expressou apoio nas negociações da dívida de 44 bilhões de dólares do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Além disso, prometeu colaboração para controlar a pesca ilegal da China e outras nações no Atlântico Sul. O ponto mais significativo ocorreu durante o almoço na Casa Rosada, oferecido pelo presidente Alberto Fernández, no qual Sullivan anunciou um novo conceito de defesa e segurança nacional, baseado na “saúde, meio ambiente, justiça social e estabilidade econômica e financeira dos países”.

    E acrescentou: “Estamos propondo um novo pacto social. O presidente Biden busca ser uma continuidade avançada dos planos que (Franklin) Roosevelt e (Lyndon) Johnson propuseram em sua época (Infobae, 08/08/2021).”

    No México, a agenda foi um pouco diferente, tanto pela proximidade geográfica como quanto pelo acordo de livre comércio T-MEC (NAFTA 2.0), que mantém o país dependente dos interesses comerciais do seu parceiro estadunidense. O presidente Andrés Manuel López Obrador recebeu a delegação, enfatizando a sua proposta de vincular as questões de emigração e segurança a projetos de desenvolvimento econômico, especialmente, para a América Central e o sul do México. Igualmente, foi anunciado o convite para que o presidente Joe Biden visite o país no próximo mês de setembro, além do restabelecimento de um mecanismo de negociação de alto nível para a realização de projetos colaborativos entre as nações da América do Norte.

    De fato, seria bastante positivo para uma nova ordem hemisférica se a diplomacia estadunidense se engajasse realmente em uma versão aprimorada das políticas de Roosevelt, deixando para trás as suas pretensões “excepcionalistas” e abrindo caminho para a cooperação dos Estados Unidos com o resto do continente, com base no respeito à soberania dos Estados e no princípio da não intervenção nos assuntos internos.

    Ou seja, sem a prevalência da ordem hegemônica até agora reinante. Em realidade, a dissolução do TIAR, em 1982, foi o acontecimento histórico que marcou o início de uma ofensiva da superpotência estadunidense e seus aliados liberais hemisféricos contra os Estados nacionais e as Forças Armadas da Ibero-América. Este foi o propósito da criação, no mesmo ano, do Diálogo Interamericano (DI), que, desde então, tem ajudado a formular a política externa para o hemisfério, tanto nos governos democratas como republicanos, promovendo o mesmo programa supranacional das duas correntes políticas: neoliberalismo, legalização das drogas, ambientalismo, indigenismo e políticas “identitárias”.

    O seu antípoda para a restauração da ordem hemisférica seria um modelo de cooperação não muito distante do sistema de economia nacional concebido pelos fundadores da União Americana, baseado no fomento da industrialização e das capacidades produtivas do país em geral, o qual foi a base do poderio econômico estadunidense até a década de 1970.

    Um bom momento para retornar às suas origens anticoloniais, quando os Estados Unidos se tornaram independentes do Império Britânico e da ditadura financeira do Banco da Inglaterra (que adotaram depois, com o Sistema da Reserva FederaL), criando um

    sistema de crédito voltado para projetos de economia física e intensivo em inovação tecnológica. A recuperação industrial estadunidense, nesse sentido, estaria plenamente de acordo com os interesses soberanos das nações ibero-americanas.

    Este é o único futuro possível, em face do colapso desenfreado de uma ordem mundial supremacista. A alternativa seria um caos de desdobramentos imprevisíveis em escala global.

    Voltar à História, resgatar o verdadeiro passado das versões distorcidas que surgiram das chamadas guerras de independência, negar a grande origem de uma civilização mestiça, é a tarefa das nações ibero-americanas para se livrarem do colonialismo mental imposto pelo Iluminismo. Só assim, o subcontinente poderá escapar ao pior colapso institucional da sua história, com o descrédito generalizado dos seus partidos políticos e os sistemas econômicos voltados para alimentar a usura da globalização financeira. O outro caminho é embarcar em um novo caminho colonial, permitindo que experimentos “etnonacionalistas” ajudem a desintegrar as nações ibero-americanas.

    A recuperação industrial dos Estados Unidos e a retomada do projeto civilizatório iberoamericano serão, então, as duas pernas para a renovação de um sistema hemisférico de segurança e desenvolvimento.

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    1 COMENTÁRIO

    1. Continuaremos colónia, pelo visto. Seria melhor termos um projeto soberano, sem atrelamento aos EUA, como feito no governo Lula

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