O fim da guerra na Ucrânia depende dos Estados Unidos

    A única forma de acabar com a guerra na Ucrânia, no curto prazo, é a adoção de um cessar fogo imediato e a abertura de negociações intermediadas por países não diretamente envolvidos no conflito. É o que recentemente foi proposto pelo Brasil e também o que propôs a China a Moscou. Isso teria inúmeras vantagens para os dois lados em conflito, a começar pela interrupção da carnificina em que se tornou a guerra, como evidenciado pela mortandade que está ocorrendo na batalha pela tomada de Bakhmut.

    Aparentemente os russos aceitam considerar a ideia, mas para se materializar ela dependeria da aceitação também por parte dos Estados Unidos, que não querem nem ouvir falar do assunto, seja porque reduziria seu protagonismo, seja porque daria protagonismo a países que os norte-americanos consideram, na verdade, aliados dos russos e não independentes, como é o caso da China e, em certa medida, do Brasil. Na sua visão maniqueísta de mundo, quem não está no lado deles nessa guerra está automaticamente no lado russo, não havendo espaço para neutralidade.

    Conforme destacou o South China Morning Post (24/3), “A China não tem um plano de paz completo para a guerra na Ucrânia. Mas isso é uma vantagem, não uma falha. O que tem feito é apelar a um cessar-fogo imediato, após o que os dois combatentes decidirão como proceder com a ajuda de uma mediação externa, com um grande papel presumivelmente reservado à China. Moscou aceitou a ideia; Kyiv está estudando isso. Este último pode, no final, rejeitá-lo. Mas, por enquanto, está levando Pequim a sério. Não, dizem Washington e a Otan. Mas os combatentes, cujos maridos, filhos e filhas estão morrendo, não deveriam decidir o que é melhor para eles, especialmente os ucranianos? O Ocidente passou um ano pedindo à China que interviesse em seu nome e a denunciou por não o fazer. Mas por que a China deveria agir como um parceiro minoritário dos Estados Unidos quando este último praticamente lançou uma nova guerra fria contra ela? Agora que a China decidiu intervir por sua própria iniciativa, Washington-Nato rejeitou sua proposta de imediato. Mais vitríolo agora deve ser expresso para tentar enterrá-lo rapidamente. Isso porque a visita de Xi Jinping a Moscou renovou o apelo chinês à paz”.

    Mantidas as condições atuais, mesmo com os Estados Unidos e seus aliados da Otan fornecendo armas e munições para os ucranianos indefinidamente, vai chegar uma hora, não importa quantos anos leve, que não haverá mais gente apta para lutar, principalmente no lado da Ucrânia, cuja população é bem menor do que a russa. Mas até que se chegue nesse ponto, quantos milhares de jovens ainda vão precisar morrer nesse terrível moedor de carne em que se tornou a guerra na Ucrânia?

    E mesmo que supostamente a Ucrânia “vença” a guerra, a que terá sido reduzido o território ucraniano depois de alguns anos de conflito contínuo com sua infraestrutura urbana, de transportes, energia e telecomunicações sendo massacrada diariamente pelos bombardeios russos? Mais de uma vez já afirmamos que os russos não entregarão as áreas já ocupadas, mesmo porque há, nessas regiões, uma população local pró-Russa, que desde 2014 vem suportando uma violenta guerra civil porque querem se separar do regime de Kiev.

    Segundo o SCMP, “Como até mesmo muitos especialistas militares ocidentais não esperam que a Ucrânia recupere todos os seus antigos territórios, o propósito de encorajar os ucranianos a continuar lutando é o mesmo que o fornecimento de armas e apoio dos EUA aos velhos mujahideen afegãos contra a invasão e ocupação soviética – para derrubar o regime em Moscou e degradar o exército russo por pelo menos uma ou duas gerações. O problema é que, a essa altura, a Ucrânia como país e sua população masculina em idade produtiva terão sido dizimadas. Mas essa é uma preocupação distante de Washington”.

    Como afirmou Alex Lo, do South China Morning Post, jornal de Hong Kong, em 10/03: “A esta altura, vale a pena pensar em que tipo de vida aguarda os cidadãos comuns da Ucrânia. A maioria de nós provavelmente assume que dependerá de eles ganharem ou perderem a guerra contra a Rússia. Mas se você “seguir o dinheiro” de grandes investidores ocidentais, private equity e oligarcas ucranianos, você pode concluir que, ganhando ou perdendo, não será um final feliz para a maioria dos ucranianos. Ser recolonizado pela Rússia será um inferno para muitos. Mas ser controlado pelos interesses comerciais ocidentais, especialmente dos EUA, também não será um piquenique. A grande mídia noticiosa criou a impressão de que haverá algum tipo de Plano Marshall para reconstruir o país. Mas, se um novo estudo do Oakland Institute, com sede na Califórnia, servir de referência, o fim da guerra, supondo que se assemelhe a uma vitória, será mais parecido com a Rússia após o colapso da União Soviética. Um drástico programa de ajuste estrutural aguarda, graças às condições de empréstimo ocidentais. Isso significa privatizações rápidas e investimentos estrangeiros irrestritos que se safam cobrando centavos de dólar pelos ativos mais valiosos, para aqueles com as conexões certas para pegar o negócio. Enquanto isso, o bem-estar social e as redes de segurança saem pela janela”.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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