O clima econômico, leilões, pacotes e privatizações

    Al Pacino em cena do filme "O Mercador de Veneza" (2005).

    Um governo sem política econômica digna desse nome, um ajuntamento de eventos, pacotes de leis para desmonte do Estado, a obsessão em vender tudo que o Estado brasileiro  tem como patrimônio construído em varias gerações.

    Política econômica tem princípios, tempos, roteiros, meios e fins definidos e começa por um diagnóstico da realidade real e não de críticas ideológicas do inimigo do passado. Uma política econômica NÃO começa criticando o governo anterior e sim propondo um caminho a partir do momento em que o novo governo assume o comando.

    Um plano é uma construção por soma e intersecção de variáveis, do fiscal com o monetário e o cambial, uma variável influenciando outra. Qual a política monetária do atual Governo? Ninguém sabe, porque não há. Tampouco uma política de câmbio, já a política fiscal é o corte de despesas no lado de menor resistência, que são as políticas sociais. Cortar vantagens e mordomias de corporações nem pensar, porque há resistências intransponíveis, há grupos de proteção a essa classe rentista que nada produz e nem contribui para o PIB.

    O modesto tamanho do estado no Brasil

    Foi vendido ao País que a REFORMA DA PREVIDÊNCIA seria uma porta de entrada no crescimento porque sinalizaria as virtudes de uma política fiscal pró-mercado. DE NADA ADIANTOU. A entrada de capital estrangeiro em 2019 já é muito menor do que em 2018 e a saída de capital por remessa de lucros é muito maior do que em 2018.

    O fracasso do leilão do pré-sal com ausência de grandes petroleiras foi o sinal da má avaliação da política econômica mesmo após a salvadora, segundo os neoliberais, REFORMA DA PREVIDÊNCIA.

    Para documentar a má qualidade da política econômica, a novíssima avaliação da agência classificadora de risco FITCH, em 14 de novembro, sobre o Brasil, foi NEGATIVA, manteve o rating péssimo de três níveis abaixo do grau de investimento por não ver qualquer perspectiva de melhora na economia, especialmente por não haver sinal de CRESCIMENTO.

    https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/11/fitch-mantem-rating-do-brasil-e-ve-risco-em-instabilidade-do-governo-bolsonaro.shtml

    Como contraste, o México, que não é nenhuma maravilha como economia, tem RATING de três níveis ACIMA do grau de investimento, porque tem uma política econômica lógica, com objetivo de crescimento e NÃO É UM GOVERNO NEOLIBERAL. É um paradoxo absoluto, pois de nada adiantou o discurso de Chicago como retórica de marketing. Política econômica tem que ter consistência e metas de crescimento, não basta o “ajustismo” de mil reformas.

    O LEILÃO DO PRÉ-SAL

    O governo, como é do estilo do Ministro da Economia, sem nenhum senso de realismo, previu vitória no leilão do pré-sal iludido pelas pretensas virtudes de sua gestão, que seria tão boa que atrairia grandes multinacionais de petróleo entusiasmadas com o novo governo do Brasil. A realidade chegou logo.

    Não houve a participação de NENHUMA das grandes petroleiras,  apenas duas empresas estatais chinesas, cuja presença tem um sentido político mais do que comercial. O banho de água fria apenas constatou o óbvio, NÃO HÁ CONFIANÇA NUMA POLÍTICA ECONÔMICA QUE NÃO TEM NENHUM OBJETIVO DE CRESCIMENTO, ao contrário das políticas econômicas da China, da Rússia, da Índia, todas com metas definidas de crescimento e criação de renda.

    A atual política econômica é uma NÃO POLÍTICA, porque não articula a política monetária com a fiscal e opera exclusivamente em função do mercado financeiro e não como propulsora da economia produtiva, que está estagnada e sem sinais de relançamento em um ciclo de vitalidade verdadeira.

    Ao fim, foi a demonizada PETROBRAS, cuja privatização é o sonho dos neoliberais do atual Ministério da Economia, quem salvou o leilão com quase R$70 bilhões de pagamento. A mesma PETROBRAS que os privatistas do Leblon diziam que está quebrada e, portanto, precisa ser vendida, quando sua pujança financeira foi demonstrada pela salvação do leilão do pré-sal. A mesma PETROBRAS que deve ser privatizada porque é INVIÁVEL, segundo os privatistas do grupo que circula em torno do Ministro da Economia, lenda que foi DESMASCARADA pelo leilão, salvo pela PETROBRAS.

    O Mercador de Veneza – Alexandre Cabanel (1823-1889).

    O NOVO PACOTE DE PECS DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA

    As PECs lançadas e enviadas ao Congresso, particularmente a PEC de Emergência Fiscal, têm o mesmo DNA que faz parte da família ideológica neoliberal subdesenvolvida, ou seja, DIMINUIR O ESTADO, especialmente naquilo que significa apoio aos mais carentes e aos mais indefesos da população brasileira, e uma obsessão mórbida com o pagamento da dívida pública, que parece ser o maior objetivo da atual política econômica, toda ela gestada e voltada para o mercado financeiro, ninho de quase todos os atuais gestores dessa política.

    A ideia de descontar 7,5% do pagamento do seguro desemprego tirando dinheiro exatamente de quem se encontra no pior momento da vida tem um sentido cruel de piorar a vida de quem já está na pior.

    Além do aspecto moral, a medida é descompensada porque a COBRANÇA COMEÇA JÁ, MAS A DESPESA É CONDICIONADA À EXISTÊNCIA DE EMPREGOS PARA JOVENS, O QUE É  ABSOLUTAMENTE INCERTO. É uma ideia fixa dos neoliberais do Leblon que DIMINUIR O CUSTO DA MÃO DE OBRA GERA EMPREGO, é uma fé de seita, não existe  evidência alguma de que isso ocorreu ou vá ocorrer, está aí a Reforma Trabalhista que após dois anos não criou novos empregos.

    O QUE CRIA EMPREGOS É CRESCIMENTO, QUE DEPENDE DE EXPANSÃO MONETÁRIA ATRAVÉS DE INVESTIMENTOS PÚBLICOS, fora disso não adianta vender ilusões primárias de que o “crescimento virá por concessões e privatizações”. É uma miragem, concessões, na melhor das hipóteses, não terão dimensão para gerar crescimento.

    O investidor privado é escasso e, se surgir, irá escolher ALGUMAS CONCESSÕES MUITO LUCRATIVAS se não todas as concessões oferecidas.

    PRIVATIZAÇÕES

    Quanto às privatizações, o panorama é ainda mais ilusório. Delas não emergirá nenhum crescimento, ao contrário, a primeira providência do novo dono será CORTAR A FOLHA e executar demissões em massa para amortizar o capital da compra.

    Há uma visão completamente falsa do Brasil estatal. O BRASIL TEM MENOS ESTATAIS DO QUE OS ESTADOS UNIDOS E A UNIÃO EUROPEIA.

    Nos Estados Unidos os AEROPORTOS são estatais, ÁGUA E ESGOTOS são estatais, PORTOS são estatais, RODOVIAS PEDAGIADAS são estatais, ÔNIBUS E TRANSPORTES COLETIVOS nas metrópoles são estatais, HIDROELÉTRICAS que usam represas públicas são estatais, CRÉDITO ÀS PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS é estatal, CRÉDITO RURAL é estatal, CRÉDITO À MORADIA POPULAR é estatal, TRENS DE PASSAGEIROS é empresa federal (Amtrak).

    Na França, a maior empresa de eletricidade, a EDF, com investimentos em todo o mundo,  inclusive no Brasil, também é estatal.  A AIR FRANCE-KLM, as ferrovias, a maior rede de televisão do país, a maior empresa de gás (Gaz de France), a seguradora CNP e a empresa de eletrônica avançada STM. O Estado também tem forte participação na indústria automobilística PSA (Peugeot e Citroën) e na Renault, na AIRBUS, mega indústria aeronáutica.

    Na Itália, as ferrovias são do Estado, a maior rede de televisão, a  RAI é estatal, muitos bancos são estatais, assim como estaleiros e indústria mecânica. Na eletricidade, a ENEL, dona da ex-Eletropaulo e da concessão de energia no Estado do Rio, é estatal, assim como a ENI, 9ª petrolífera do mundo.

    Na Alemanha, o Estado controla ou tem grande participação na telefonia (Deutsche Telekon), na maior companhia de navegação do mundo (Hapag Lloyd), no segundo maior banco comercial do país (Commerrzbank), no grupo automobilístico Volkswagen, que inclui Audi e Porsche.

    Na Noruega, a grande estatal de petróleo STATOIL com forte presença no pré-sal, mais duas empresas de gás e um grande número de outras empresas, a presença do Estado na economia da Noruega ultrapassa 50% do PIB, na China a parte estatal da economia é majoritária.

    A fantasia de que o mundo caminha para privatizar é igualmente falsa. Das 20 maiores empresas de petróleo do planeta, 13 são ESTATAIS e nenhuma está à venda.  A Saudi Aramco quer vender um pacote minoritário de ações, com a empresa toda avaliada em US$2 trilhões; a lógica é de diversificação da economia do Reino prevendo o fim da Era do Petróleo, única atividade econômica da Arábia Saudita.

    A privatização na encruzilhada entre o público e privado

    O interessante é que a própria mediocridade da política econômica do governo trabalha contra as privatizações. O Brasil é hoje um País considerado à deriva, sem uma política econômica consistente, com sinais evidentes de crise social, crescimento mínimo, desemprego pavoroso, governo errático e ideológico, atrelado em uma visão conspiratória do mundo, prestando continência aos EUA.

    Esse conjunto de fatores assusta investidores de longo prazo, mas torna o Brasil atraente para fundos abutres e especuladores de tiro curto, os prováveis interessados nas privatizações, o pior tipo de capital que há no mundo, destrutivo, corrosivo e que em nada contribui para a construção do País. Não há nenhuma virtude em privatizar e jamais esse processo irá contribuir para crescimento; seu resultado mais evidente será o de proporcionar ganhos a bancos de investimento envolvidos no processo.

    Com todo esse panorama de fundo, a mídia, consultores e interessados propagam que há virtudes nessa não política e que o Brasil vai crescer no próximo ano. Com esse discurso tentam vender ilusões para crédulos internos e sustentar uma promessa de futuro dentro de uma nuvem.

    Andre Araujo
    Andre Araujo, advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo, conselheiro da CEMIG-Cia. Energética de Minas Gerais e atualmente é consultor de Potomac Partners, consultoria em Washington.

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