No encontro da APEC, em San Francisco, reunião entre Xi Jinping e  Joe Biden roubou a cena

    Ocorreu, nos Estados Unidos, na cidade de San Francisco, no mês de novembro, o encontro anual da APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation Summit). Entre os temas do encontro, que reuniu os países da costa do Pacífico, estava uma nova proposta de integração apresentada pelos Estados Unidos – o  Quadro Econômico Indo-Pacífico (IPEF). Trata-se de um acordo proposto pelos EUA a 13 economias regionais com o objetivo de garantir a liderança americana no chamado Pacific Rim e isolar a China.

    A expectativa era o acordo fosse anunciado durante o encontro, mas decisão da administração Biden de suspender as discussões sobre o comércio digital congelou uma parte importante do já limitado acordo.  Por trás desta decisão está o interesse dos Estados Unidos em garantir que não serão restringidos ao regulamentar a inteligência artificial, outro tópico importante do encontro. Faltando apenas um ano para as eleições americanas, será difícil progredir mais.

    O que de fato acabou sendo o acontecimento mais importante da cúpula  foi o encontro reservado entre Joe Biden e Xi Jinping.  Depois de anos de crescente distanciamento político e de aumento de hostilidades do Estados Unidos em relação à China, aparentemente os norte-americanos se deram conta de que era importante voltar à mesa de diálogo, que eles próprios haviam abandonado, para evitar uma escalada que pode levar a consequências imprevisíveis.

    No sistema internacional do Século XXI, as relações China-Estados Unidos são uma espécie de dobradiça em torno da qual todo o sistema se movimenta. Se elas emperram, todo o sistema trava. O futuro da economia mundial, neste século, assim como a futura ordem mundial, dependem, em grande mediada, de como essas relações evoluam. Juntos, os dois países respondem por 40% do PIB global e abrigam as duas economias mais dinâmicas do Planeta.

    Embora os Estados Unidos sigam sendo sob diversos parâmetros a principal potência mundial, a China é o único país capaz de desafiar e rivalizar o poder americano em todas as áreas, seja na economia, seja na capacidade de inovação e desenvolvimento tecnológico, seja no poderio militar. Se colaborarem entre si, poderão ser uma grande força de transformação do mundo neste século, dando contribuição significativa para enfrentar os principais desafios do mundo na atualidade. Mas se estiverem em conflito, o resultado será o bloqueio e o atraso no desenvolvimento mundial por muitas décadas, em prejuízo de todos.

    Desde que, em 2018, os Estados Unidos iniciaram uma guerra econômica contra a China, que continua até hoje, a economia global passou a crescer mais lentamente, o comércio internacional apresentou graves retrocessos, as instituições multilaterais entraram em descrédito e o aumento da produtividade global também foi impactado negativamente. Se os Estados Unidos insistirem em sua estratégia de desacoplar a China do Ocidente, os efeitos negativos se farão sentir em todo o mundo, uma vez que a China é hoje o principal fornecedor global de inúmeros insumos dos quais a economia mundial depende para funcionar. A China é também o principal mercado para a grande maioria das mais destacadas empresas multinacionais do mundo, principalmente as norte-americanas.

    Nesse sentido, torna-se positivo o fato de os Estados Unidos perceberem o tremendo erro que estão cometendo ao adotar uma postura hostil em relação à China e procurarem desenvolver uma relação mais saudável entre os dois países. Para que isso avance, contudo, é preciso entender que no mundo de hoje não há mais espaço para a imposição unilateral de seus interesses. É compreensível que os Estados Unidos, assim como os demais países, preocupem-se com sua própria segurança em todas as suas dimensões mais relevantes, mas é preciso que abandonem a visão de que as relações internacionais, nomeadamente de comércio, são um jogo de soma zero, no qual os ganhos de uns devem ser sempre o resultado da perda de outros.

    Os problemas que os Estados Unidos enfrentam, sobretudo na economia, não são o resultado da concorrência estrangeira, especialmente da China, mas fruto de suas próprias falhas, a exemplo de sua baixa capacidade de poupança. Ao abrir uma guerra comercial contra a China, os Estados Unidos não irão resolver o problema de seu déficit comercial e déficit público se não pararem de consumir muito mais do que são capazes de produzir e, para isso, abusarem do fato de possuírem a principal moeda internacional para satisfazer sua sanha consumista.

    Impossibilitados de emitir tantos dólares quanto gostariam por seus possíveis efeitos inflacionários, recorrem permanentemente à venda de títulos do Tesouro, endividando-se de forma crescente com o resto do mundo, leia-se Japão e China, com acúmulo de um déficit comercial que já alcançou um trilhão de dólares e que se repete todos os anos desde 1975.

    A China, ao transferir sua poupança para os Estados Unidos, tanto real, na forma de produtos, quanto financeira, na forma de empréstimos, tem na verdade ajudado a manter o nível de consumo dos Estados Unidos e a inflação baixa por todos esses anos. Voltar-se contra a China, como fez Trump e agora faz Biden, é uma atitude totalmente irracional que vai contra os interesses dos próprios Estados Unidos. Como as duas principais economia globais, EUA e China poderiam estar se apoiando mutuamente e juntas cooperando com as demais nações. No mundo de hoje não há mais espaço para a mentalidade da guerra fria, mesmo porque a China está preocupada apenas com seu próprio desenvolvimento e não em desalojar os Estados Unidos da posição que ocupa na esfera mundial. Como o presidente Xi Jinping frisou no encontro, o mundo é suficientemente grande para abrigar duas grandes potências.

    É pouco provável que a reunião bilateral entre os dois presidentes altere significativamente esse quadro, como as provocações de Biden, na coletiva à imprensa logo depois da reunião, deixou claro. Mas o fato de retornarem à mesa de diálogo, restabelecerem as comunicações militares e concordarem em trabalhar juntos em alguns temas importantes como a regulamentação da Inteligência Artificial não deixa de ser uma notícia alvissareira.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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