Jackson Hole: o oráculo está confuso

    Resenha Estratégica – Vol. 18 | nº 35 | 08 de setembro de 2021.

    Mario Lettieri e Paolo Raimondi, de Roma

    O oráculo de Jackson Hole não falou. Ou melhor, como todos os oráculos que se prezam, tem sido deliberadamente confuso, nebuloso e aberto a qualquer interpretação possível.

    Este ano, o simpósio de economistas e banqueiros centrais internacionais em Jackson Hole, realizado em 26 de agosto, com o tema “Política macroeconômica em uma economia mundial desigual”, foi realizado pela segunda vez por videoconferência, devido à pandemia. Mas a real peculiaridade é representada pela participação estadunidense exclusiva entre os palestrantes. Será uma tendência renovada para o isolacionismo, agora, também no campo monetário e econômico, após o militar e geopolítico? O fato é que, em todos os encontros anteriores, na charmosa cidade do estado de Wyoming, a presença europeia, japonesa e internacional sempre foi importante, às vezes, dominante.

    Nos últimos dias, tem sido dito que a ausência internacional se deveria a uma eventual comunicação importante do presidente do Sistema da Reserva Federal, Jerome Powell, sobre a suspensão da “flexibilização quantitativa” e a redução gradual das compras de títulos públicos pelo banco central estadunidense. Na verdade, todos os meses, o “Fed” compra dos grandes bancos privados 80 bilhões de dólares em títulos do Tesouro e cerca de 40 bilhões de outros muito mais arriscados, como os asset-backed security (títulos lastreados em ativos – ABS). Mas o tão esperado – e, para alguns, temido – anúncio, não aconteceu.

    Sobre o assunto, as palavras de Powell foram as seguintes: “Dissemos que continuaremos as nossas compras de ativos no ritmo atual, até vermos um progresso substancial em direção aos nossos objetivos máximos de emprego e estabilidade de preços… A minha opinião é que os testes de ‘novos progressos substanciais’ foram satisfatórios no que diz respeito à inflação. Também houve progresso em direção ao nível máximo de emprego. Na reunião de julho do Federal Open Market Committee (o órgão dirigente do “Fed”), eu era de opinião, como a maioria dos participantes, que se a economia tivesse evoluído como esperado, seria adequado começar a reduzir o ritmo de compra de ativos este ano. O mês seguinte trouxe novos avanços no emprego, mas também viu um maior avanço da variante Delta (do coronavírus). Avaliaremos cuidadosamente os novos dados e riscos. No entanto, mesmo após o fim das nossas compras de ativos, as nossas participações em títulos de longo prazo continuarão a apoiar as condições financeiras acomodatícias. O ‘timing’ e o ritmo da redução iminente das compras de ativos não pretendem ser um sinal direto do momento da elevação das taxas de juros, para o que se prevê um teste diferente e mais rigoroso.”

    O presidente do “Fed” apresentou dois exemplos históricos para justificar a sua postura supercautelosa. A dos anos 1950, quando, perante “oscilações temporárias da inflação”, as restrições monetárias eram prejudiciais. E a dos anos 1970, quando a inflação, provocada pelo aumento do custo da energia e dos alimentos, continuou mesmo depois de os preços desses setores terem se acalmado.

    O verdadeiro problema, que perpassou todo o discurso de Powell, foi a inflação, com seus consequentes perigos, reais ou “temporários”. “Inflação” foi a palavra mais proferida, mais de 70 vezes, muitas vezes acompanhada do cada vez menos reconfortante adjetivo “temporária”.

    Nos 12 meses anteriores a julho último, a inflação plena e as taxas de consumo das famílias foram, respectivamente, de 4,2% e 3,6%, bem acima da meta de longo prazo de 2% do “Fed”. Isto se daria em função da recuperação econômica, com a recuperação do PIB (Produto Interno Bruto) e dos gastos dos consumidores. Já o índice dos serviços ficou cerca de 7% abaixo da tendência. O nível de emprego total é de 6 milhões de postos de trabalho inferior ao nível de fevereiro de 2020 e, destes, 5 milhões estão no setor de serviços.

    Os gastos com bens duráveis aumentaram desde o início da recuperação e estão cerca de 20% acima do nível pré-pandêmico. Nesses setores, a demanda supera a oferta, que ainda se encontra em grandes dificuldades devido aos efeitos dos bloqueios.

    Consequentemente, os preços dos bens duráveis são o principal fator a empurrar a inflação para acima de 2%. Neste sentido, é importante observar que, nos 25 anos anteriores à pandemia, os preços dos bens duráveis sempre caíram.

    Para apoiar a sua análise da “inflação temporária”, Powell deu o exemplo da tendência do mercado de carros usados, que, após um crescimento significativo, já se estabilizou. De fato, ele diz que a queda dos preços nesse setor pode derrubar o nível geral da taxa de inflação. Uma afirmativa mais do que arriscada, inclusive, porque acabava de reconhecer a escassez de suprimentos, como o de chips semicondutores, que está causando crises de produção até mesmo para as grandes montadoras transnacionais. Com isso, poderia haver queda na produção e oferta de carros novos, com um inevitável aumento da demanda e dos preços dos usados.

    Os mercados apreciaram que a taxa de juros não tenha sido tocada e que Powell a “desenganchou” de futuras decisões sobre o chamado “tapering”, ou seja, a redução progressiva do ritmo de compras previsto pela “flexibilização quantitativa”.

    Recorde-se de que os balanços dos grandes bancos centrais somam hoje a cifra estratosférica de 28 trilhões de dólares. Um aumento na taxa de juros, além de alterar as estruturas financeiras internacionais, também aumentaria o custo de se manter tal volume de capitais nos cofres dos bancos centrais. Uma questão que, no entanto, terá que ser resolvida, mais cedo ou mais tarde.

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