Guerra na Ucrânia:  condições para a paz

    Ocorreu, nos dias 5 e 6 de agosto, em Jeddah, na Arábia Saudita, uma conferência patrocinada pela Ucrânia e seus aliados ocidentais com o objetivo de obter um apoio mais amplo para o chamado plano de paz do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, apresentado em dezembro do ano passado durante sua visita aos EUA. O plano de Zelensky exclui qualquer conversa com a Rússia e exige a retirada completa de suas tropas de todos os territórios ucranianos, incluindo a Crimeia. Também pede à Rússia que pague reparações de guerra e enfrente julgamentos em um tribunal militar por supostos crimes de guerra antes que qualquer negociação possa ocorrer.

    O fato novo é tanto a China quanto a Índia, que mantêm boas relações com Moscou e se negam a condenar publicamente a Rússia pela invasão, terem comparecido à reunião. Não há, obviamente, a mínima chance de a Rússia aceitar as condições apresentadas pela Ucrânia para encerrar o conflito, mas o fato de a China e a Índia terem ido ao encontro denota que vai surgindo um consenso mundial de que algo precisa ser feito para encerrar o conflito o mais breve possível e certamente não será do jeito que o presidente ucraniano Volodymyr Zelenski propõe.

    Na medida em que a contraofensiva ucraniana para retomar os territórios ocupados vai se mostrando um fracasso, os próprios aliados da Ucrânia passam a considerar que a única saída possível é a Ucrânia aceitar a perda definitiva de parte de território já ocupado pelos russos, incluindo a Criméia para encerrar o conflito, ser aceita na União Europeia e, quem sabe, na própria Otan.

    Para desespero de Zelenski, foi amplamente divulgada a fala de Stian Jenssen, chefe de gabinete do secretário geral da Otan, Jens Stoltenberg, que afirmou em entrevista à imprensa que “Acho que uma solução poderia ser Ucrânia desistir de território e obter à adesão à Otan em troca”. Posteriormente, diante dos protestos da Ucrânia, o secretário geral da Otan tentou desfazer o mal-estar afirmando que essa decisão caberia somente à Ucrânia. Mas o fato de o chefe de gabinete, que é a pessoa mais próxima do secretário geral ter levantado essa hipótese significa que o tema pelo menos está sendo discutido entre a cúpula da organização e os Estados Unidos, que é de fato quem manda.

    A Ucrânia só tem resistido à invasão russa graças ao apoio da Otan. Não fosse isso, essa guerra teria acabado há muito tempo e provavelmente Zelenski nem estaria mais na chefia do governo ucraniano. A ocupação russa da faixa leste da Ucrânia que vai do Donbass à Crimeia já vem sendo tratada como “Nova Rússia” pelos nacionalistas russos. Desalojar os russos dali é tarefa quase impossível, a não ser que a Otan resolva fazer uma guerra total contra a Rússia, o que seria uma tragédia para toda a Europa e, com certeza, não vai acontecer. O inverno se aproxima novamente e com ele a já problemática ofensiva ucraniana vai paralisar totalmente. Considerando que no início do conflito a Rússia concebia toda a Ucrânia como parte do “mundo russo” e o  estopim do conflito foi exatamente a tentativa de expansão da Otan até as fronteiras russas, tal solução já significaria uma concessão e tanto da parte dos russos.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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