Guerra na Ucrânia: a paz que pode vir pelo desastre

    Em entrevista recente para a revista The Economist, Henry Kissinger, que no último dia 27 de maio completou 100 anos, afirmou que “Immanuel Kant disse que a paz ocorreria através da compreensão humana ou algum desastre. Ele pensou que isso ocorreria pela razão, mas não podia garantir”.  Ao que tudo indica, a paz, no conflito da Ucrânia, virá pelo desastre, porque todas as tentativas de encerrar o conflito pelo uso da razão estão falhando.

    Ao qualificar a proposta de paz de 12 pontos apresentada pela China como “não racional”, o presidente Biden toma, ele próprio, uma atitude irracional – no sentido de contrária à razão e ao entendimento humano –  pois, a esta altura dos acontecimentos, qualquer proposta de paz, por mais difícil que seja, deveria ser saudada como bem-vinda, sobretudo em se tratando de uma proposta vinda do presidente da China que, sabidamente, tem uma ascendência sobre o presidente Putin que nenhum outro líder mundial possuiu.

    A questão, contudo, é que já ficou claro que a paz não interessa aos Estados Unidos, uma vez que seu objetivo não é propriamente resolver o problema da Ucrânia, mas enfraquecer a Rússia, afora o fato de que para o complexo industrial-militar norte-americano a guerra na Ucrânia é uma fonte inesgotável de lucros. Para Biden e os neoconservadores que o assessoram, quanto mais a guerra se prolongar maior a possibilidade de a Rússia sair totalmente exaurida do conflito.

    Nisso ele conta com o apoio de outros líderes europeus que marcham como sonâmbulos para o precipício, escondendo-se atrás de slogans e princípios morais genéricos como democracia e direitos humanos apenas para não ter que reconhecer e lidar com as consequências desastrosas de suas escolhas políticas. Mesmo agindo contra os interesses de seus próprios países, como está mais do que evidente pelas dificuldades crescentes que a economia e a população dos países europeus estão passando com a guerra, sempre poderão se escudar de forma hipócrita na afirmação de que “fizemos o que era certo”, quando o certo a esta altura é fazer todo o possível para encerrar o conflito e não continuar a fomentá-lo por meio do envio de armas e dinheiro para a Ucrânia.

    Infelizmente vai ficando cada vez mais evidente que apesar das declarações de que a “diplomacia está de volta para o centro de nossa política externa”, ou que “nós não estamos procurando uma nova guerra fria ou mundo divido em blocos”, a verdade é que a política externa de Biden é mera continuação da implementada por Trump e, na verdade, ainda mais belicosa, com a diferença de que está agora embrulhada em uma retórica liberal.  A verdade é que os Estados Unidos, conforme afirma o professor Rodrigue Tremblay em artigo publicado no site canadense Global Research, abandonou o multilateralismo em favor de uma política externa principalmente concentrada na Otan.

     Como afirma o mencionado artigo do professor Tremblay, “No entanto, o que realmente aconteceu durante os primeiros três anos do governo Biden? Seguindo os passos de algumas administrações anteriores, a administração de Joe Biden abandonou de fato a busca pelo bem comum de todos os países dentro de uma abordagem multilateral. De fato, longe de liderar ativamente o mundo com diplomacia na esperança de reduzir os conflitos militares em todo o mundo, o governo Biden embarcou em uma política externa belicista. Esta é uma política inspirada por conselheiros neoconservadores, e apela para o aumento das intervenções militares dos EUA no exterior, de forma permanente, fora do quadro da Carta da ONU, que, deve-se enfatizar, foi assinada por todos os países membros. Em vez disso, optou por prosseguir principalmente com sua política externa dentro da estrutura estreita de uma OTAN cada vez mais ofensiva. Atualmente, existem duas guerras por procuração lideradas principalmente pelos EUA-OTAN que são de preocupação imediata: uma quente na Ucrânia dirigida à Rússia e uma fermentando em Taiwan e voltada para a China. Na Ucrânia, isso assumiu a forma de os EUA e outros países da OTAN enviarem grandes quantidades de armas e equipamentos, e até mesmo algum pessoal de operações secretas, para aquele país vizinho da Rússia, incluindo armas ilegais de urânio empobrecido. Mesmo que a opinião pública nos países ocidentais ainda esteja fortemente a favor da guerra russo-ucraniana, especialmente entre os jovens e menos entre as gerações mais velhas, uma das consequências da guerra, de acordo com algumas pesquisas, foi isolar um pouco os Estados Unidos e seus aliados da OTAN em certas partes do mundo. Em alguns países, por exemplo, notadamente na Ásia, África e América do Sul, a posição parece “não ser da nossa conta”.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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