Aras, o empresário e a lei

    O presidente Lula não está adstrito à lista formada pela entidade corporativa e nem a vetos a qualquer nome

    Luiz Carlos da Rocha[1]

    Em artigo recente (https://www.conjur.com.br/2023-ago-09/luiz-carlos-rocha-lavajatismo-bolsonarizar-aras-lula), eu dizia que “bolsonarizar” Aras e Lula seria a última cartada do lavajatismo para tentar impedir a recondução do procurador-geral da República. Factóide da semana (https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/exclusivo-empresarios-bolsonaristas-defendem-golpe-de-estado-caso-lula-seja-eleito-veja-zaps) veio confirmar o dito e, de sobra, revelando que o arsenal de invectivas lajatistas chega ao esgotamento despida de qualquer respeito à inteligência nacional e, principalmente, do presidente Lula. E, convenhamos, subestimar o tirocínio político de Lula não é exatamente inteligente.

    Aos fatos que o factoide tenta esconder:

    Em 19 de agosto de 2022, a partir de duas matérias jornalísticas e de um pedido do senador Randolfe Rodrigues, baseados em vazamento seletivo de investigações sigilosas do Supremo Tribunal Federal, foi autuada na Suprema Corte a PET 10.543 para apuração das atividades de um suposto grupo de empresários financiadores de golpe de estado.

    Sem que os autos nunca jamais tenham aportado na PGR, e de ofício, o ministro Alexandre de Moraes decretou o afastamento do sigilo bancário de empresas e dos empresários e o bloqueio das contas bancárias e das redes sociais dos empresários.

    Já naquela época, um ano atrás, notinhas em colunas políticas insinuavam supostos diálogos comprometedores entre Augusto Aras e Meyer Nigri, um dos empresários do grupo. Agora, um ano após o ignóbil vazamento seletivo (a regra de ouro do manual da Lava Jato para manipulação da opinião pública), e diante da probabilidade da recondução de Augusto Aras pelo Presidente da República, o assunto é requentado e temperado com novos venenos da cada vez menos criativa bruxaria lavajatista.

    Com o mesmo modus operandi do ano passado (notícia de jornal baseada em vazamento seletivo), alguns órgãos de imprensa veiculam, às vésperas da decisão do presidente Lula sobre a recondução do procurador-geral, trechos selecionados de mensagens privadas entre o empresário Meyer Nigri e Augusto Aras.

    No entanto, apesar do desconforto de ter conversas pessoais vazadas, Aras tem que ter gostado do resultado do vazamento para a sua imagem. As reportagens comprovam que para ele a lei vale para todos.

    Vejamos.

    O imaginário favorecimento a Meyer Nigri por Aras consistiria, segundo a reportagem, em quatro “fatos”, que, como veremos, provam exatamente o contrário do que o factoide quer convencer a opinião pública:

    (i) O primeiro “fato” consistiria numa suposta tentativa de Aras de interferir nas investigações. Meyer teria feito uma pergunta a Aras sobre a divulgação do pedido de prisão dos supostos financiadores formulado por Randolfe Rodrigues. Uma opinião, não um pedido de interferência, frise-se. Em resposta, o procurador-geral teria dito que que se tratava de “mais um abuso do fulano”. Por óbvio, o abuso seria a que se referia (corretamente) o procurador-geral seria o vazamento seletivo de informações cobertas pelo sigilo judicial. O “fulano” não poderia ser outro que o jornalista responsável pelo vazamento. Quem mais poderia ser?

    Ora, Aras ter dito que o vazamento seletivo de informações cobertas por sigilo era um abuso não deveria surpreender. Aras é reconhecidamente um garantista. Foi o seu credo garantista que o impulsionou contra os abusos lavajatistas, dentre os quais pontifica o vazamento seletivo para selecionados jornalistas contra vítimas igualmente escolhidas a dedo para fins políticos também precisos, do qual a maior vítima foi Lula. Ou não foi assim que levaram Lula à prisão? Não existe lavajatismo sem imprensa lavajatista.

    O garantismo de Aras não é novidade. Para demonstrar isso não precisamos de mais que alguns poucos exemplos da defesa que a procuradoria-geral da República fez do processo penal democrático. No INQ 4781 (fake news) a PGR defendeu a legalidade da tramitação das investigações criminais, inclusive para que os advogados tivessem acesso aos autos na fórmula consagrada na Súmula Vinculante 14 (https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1230). O pedido de arquivamento do INQ 4828 (atos antidemocráticos) foi acolhido pelo ministro Alexandre de Moraes. No ajuizamento da ADPF 847 o objetivo era resguardar a prévia oitiva e participação do Ministério Público em todas as diligências policiais constritivas de direitos (https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6183829). O que pode haver de escandaloso no ato da PGR de defender as prerrogativas do MPF em matéria penal, no caso a prévia oitiva dos seus agentes antes da deliberação do Juízo? É um dever trivial do PGR a defesa das prerrogativas do Ministério Público.

    O garantismo da PGR sob o comando de Aras revela-se nítido na sua firme atuação no Supremo e no STJ, com o Ministério Público cumprindo a missão que lhe conferiu expressamente o Constituinte de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os direitos individuais indisponíveis (art. 127 CF), dentre os quais estão os direitos do investigado, seja ele quem for, ao devido processo penal.

    (ii) O segundo “fato” apresentado pela reportagem refere-se a uma folclórica demanda privada de Meyer, relacionada a uma publicação contra um filme criado pelo humorista Danilo Gentili, que passou a ser acusado por bolsonaristas de fazer apologia à pedofilia. Mais uma vez, Aras foi fiel à lei. No caso, fiel ao princípio do promotor natural. Segundo a própria reportagem, Aras respondeu a Meyer: “A competência é do primeiro grau. Provavelmente em São Paulo.”

    (iii) O terceiro “fato” está relacionado a um suposto pedido para que o procurador-geral adotasse um determinado entendimento jurídico a respeito do prazo de uma ação movida contra um parlamentar. Meyer queria o prosseguimento da ação. Pois bem. Aras não atendeu o pedido. A reportagem foi expressa em reconhecer que “a PGR, entretanto, não concordou com a tese”.

    (iv) O quarto “fato” seria um inusitado e descabido pedido para que a procuradoria-geral agisse para que o Brasil declarasse o Hamas e o Hezbollah como grupos terroristas, sem necessidade de aprovação do Congresso Nacional. O estapafúrdio pedido do empresário – típico da ignorância de quem não tem a mínima ideia do que seja o estado democrático de direito – não mereceu de Aras sequer resposta, como reconhece a matéria. Não responder é uma forma polida – mas não menos incisiva – de dizer não.

    Pois bem, a isso se resume o “bolsonarismo” de Aras no caso: fumaça, espuma. Um empresário pede opinião e faz pedidos. Aras não atende nenhum dos pedidos, porque a lei não autoriza. Aras ficou ao lado da lei.

    O fato é que um ano de investigações resultaram na decisão do ministro Alexandre de Moraes de arquivá-las. Não havia nada nas conversas privadas entre aqueles brasileiros, empresários afinados ideologicamente com Bolsonaro, que justificasse a continuidade das investigações. Simples assim.

    As investigações foram arquivadas contra todos os investigados, menos contra dois. Um deles, Meyer Nigri, o empresário que pediu a opinião de Aras e lhe fez pedidos, que foram todos – todos! – negados, porque não poderiam não ser negados sem violação à lei. Aras, ficou com a lei.

    Se o objetivo da matéria jornalística requentada é o de combalir Augusto Aras e evitar sua recondução ao cargo de procurador-Geral da República, o tiro saiu pela culatra. O abominável vazamento, típica prática lavajatista, serviu apenas para ressaltar o perfil garantista do procurador-geral e sua vinculação à lei, mesmo quando interesses privados sejam prejudicados. Entre os devaneios de Nigri e a lei, Aras ficou com a lei. Um lavajatista não faria isso. Um “bolsonarista” também não. Um procurador-geral sim.

    Um ano de investigações e a montanha pariu esse rato? Isso é tudo o que o lavajatismo tem a apresentar para tentar garrotear a liberdade do presidente Lula de se quiser, reconduzir o procurador-geral?

    Quando indicado por Bolsonaro, em 2019, Aras foi atacado por ser esquerdista (https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/indicacao-de-aras-para-pgr-irrita-bolsonaristas-nas-redes-sociais). Leandro Ruschel afirmou no twitter: “Se Bolsonaro tivesse uma ideia do estrago produzido na sua base pela indicação de um esquerdista pró-establishment à chefia da PGR, creio que não teria feito tal escolha.” O Movimento Vem Pra Rua criticou a escolha. O deputado estadual Arthur do Val (DEM-SP): “Augusto Aras falava presidenta, disse que Che Guevara ousou sonhar e deu festa para a cúpula do PT. Esse é o cara que Bolsonaro escolheu para a PGR”, afirmou.

    Os bolsonaristas não perdoavam Aras por ter dado festa em sua casa para o lançamento do livro do petista baiano Emiliano José sobre a ditadura militar (https://www.poder360.com.br/brasil/cotado-para-a-pgr-augusto-aras-deu-festa-para-cupula-do-pt/). Quando Aras foi cotado para a indicação para o cargo em 2019, o ministro-chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni cobrou dele a festa petista em sua casa, em 2013. Aras não recuou. Disse que o livro homenageava o seu pai, Roque Aras, que lutou contra a ditadura militar, e que faria tudo novamente porque o seu pai é mais importante que qualquer cargo. Roque Aras foi deputado pelo MDB na linha do combativo Francisco Pinto, era amigo de Moniz Bandeira e migrou para o PDT de Brizola em seguida ao fim do bipartidarismo. Um homem que não nega o seu pai para ascender a um alto cargo é digno do cargo.

    Chamado de petista por bolsonaristas e de bolsonarista pela ressentida mídia lavajatista, Aras, quando reconduzido por Lula, passará a ser chamado da maneira que a sua biografia e a sua coragem democrática impõem. Será chamado apenas de Procurador-Geral, chefe de uma instituição permanente do Estado, o Ministério Público.

    Não se pretende impor que o Presidente Lula reconduza Aras, mas expor que as objeções que estão sendo opostas a ele padecem de fundamento válido e que o veto ao seu nome é uma agressão flagrante à ampla liberdade que deve marcar a ação do Presidente da República na indicação do PGR.

    O presidente Lula não está adstrito à lista formada pela entidade corporativa e nem a vetos a qualquer nome.


    [1] Luiz Carlos da Rocha é advogado, sócio sênior da França da Rocha Advogados. Mestre em Direito.

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