A questão ambiental no futuro governo Lula

    A presença de Lula e Marina Silva na COP 27 causou furor. De repente, o mundo respirou mais aliviado: a Amazônia está salva! Países europeus se apressaram em anunciar o descongelamento do Fundo Amazônia, destinado a financiar atividades de combate ao desmatamento ilegal. O presidente Joe Biden, embora tenha passado apenas três horas no Egito, entre o momento em que seu avião pousou e decolou, também mandou sinais a Lula de que quer voltar a trabalhar com o Brasil na questão ambiental. Tudo isso é muito bom. Mas essa lua de mel pode ser curta.

    Não há a menor dúvida de que o governo Lula mudará radicalmente a política nacional em relação à Amazônia. Ou melhor, tentará executar o que as leis já determinam. Mas há duas perguntas a responder. Primeira: será essa mudança suficiente para satisfazer as demandas dos países ricos em relação à Amazônia? Segunda: terá o governo capacidade efetiva de implementar, na prática, o que será posto no papel?

    Com relação à primeira pergunta, é preciso considerar que o que os países ricos querem – o desmatamento zero – só poderia ser alcançado com mudanças no Código Florestal brasileiro, que dá aos proprietários de terras na região da Amazônia Legal o direito de desmatar legalmente 20% de suas propriedades. As chances de isso ocorrer são menores que zero. Obviamente, se o governo conseguir fazer com que a lei seja cumprida e impedir a grilagem e o desmatamento ilegal de terras públicas já será um grande feito.

    Isso nos remete à segunda questão: terá o governo capacidade de implementar as políticas que vai propor? Para isso, talvez fosse conveniente dar uma olhada no que foi a política ambiental no Brasil nos dois primeiros governos Lula. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que Marina Silva foi ministra do Meio-Ambiente entre 2003 e 2008, quando saiu do governo em choque com as demais áreas que a acusavam de travar propositadamente as licenças ambientais necessárias para a implantação de projetos de infraestrutura na Amazônia. Caso ela ou alguém de sua corrente política assumam o ministério do Meio-Ambiente neste terceiro governo Lula, como esses conflitos inevitáveis serão resolvidos? Em segundo lugar, é preciso lembrar que a execução orçamentária de projetos ligados à função ambiental nos dois primeiros governos Lula foi bastante deficiente. Foram criados mais de 60 programas e projetos ligados à função ambiental, mas a escassez de recursos, que deverá ser novamente a tônica desse terceiro governo, impediu que a maioria fosse executada adequadamente.

    Estudo feito pela Câmara dos Deputados[1], em 2013, que cobre o período 2001-2009, permite uma avaliação razoável dos resultados das políticas ambientais nos dois primeiros governos Lula. De acordo com o mencionado estudo, entre 2001 e 2009, a dotação orçamentária inicial para aplicação na Função Geral Ambienta (FGA), que reúne todos os gastos diretos e indiretos para a execução das políticas ambientais, oscilou entre o máximo de 0,67%, em 2002, e o mínimo de 0,49%, em 2004, do total dos recursos disponíveis ao Poder Executivo no Orçamento Geral da União (OGU). Entre 2001 e 2003, o total empenhado caiu 26%, para R$ 1,25 bilhão em 2003. Houve recuperação nos três anos seguintes para o patamar de R$ 1,5 bilhão, e, em 2009, os recursos efetivamente empenhados pela FGA retornaram ao nível inicial, de R$ 1,76 bilhão.

    Ainda segundo o mencionado estudo, no período, foram implantados 62 programas, mas apenas doze perduraram e consumiram recursos orçamentários em todos os anos. Quatorze programas duraram menos de dois anos, e outros dezessete existiram por até no máximo quatro anos, totalizando 31 programas com duração inferior a quatro anos. A maior parte dos recursos empenhados se destinou a atividades administrativas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). As atividades administrativas da pasta em 2001 responderam por 49% dos recursos empenhados; no ano seguinte, 60%, e alcançaram 76% do total empenhado em 2004, permanecendo nesse nível posteriormente. Este dado, entretanto, precisa ser visto com cuidado, uma vez que todas as políticas, para serem implementas, precisam e dependem de recursos humanos. Dessa forma, parte dessas despesas administrativas, que incluem pagamento de pessoal, tem função importante para a execução das atividades finalistas do Ministério e não podem ser vistas apenas como atividades de apoio.

    Uma crítica importante que o estudo faz à execução das políticas ambientais no período é a da dispersão dos recursos aplicados em atividades-fim. O número de programas em execução na Função Geral Ambiental variou, anualmente, entre 28 (em 2001) e 43 (em 2005). Considerando-se só os programas finalísticos, cada um recebeu, em 2001, em média 2,66% do volume total de recursos empenhados na FGA; a média caiu nos anos seguintes, revelando maior dispersão e, em 2005, era 0,77%. Posteriormente, houve pequena recuperação.

    A verdade é que a questão ambiental no Brasil no século 21 é altamente complexa e sequer há um consenso muito claro na sociedade brasileira nem sobre o que deve ser considerado como “problema ambiental” e muito menos sobre quais problemas devem ser atacados de forma prioritária. Essa falta de consenso se reflete, por sua vez, tanto no amplo leque de problemas que as políticas ambientais tentam resolver simultaneamente sem que haja, na maioria das vezes, recursos humanos e materiais suficientes para todos, levando a uma enorme dispersão de recursos em inúmeros planos, programas e ações dentro de um mesmo governo, quanto à mais completa inversão de prioridades sempre que governos com diferentes orientações políticas e ideológicas chegam ao poder.

    Até por conta da enorme pressão que o governo brasileiro vem recebendo da mídia nacional e internacional, da comunidade científica, de outros países, das organizações internacionais e das ONGs, o problema ambiental mais importante no Brasil, neste início de século 21, é o desmatamento, sobretudo na região da Amazônia. É preciso considerar, contudo, que os problemas ambientais no Brasil são muito mais amplos. Mais de 80% da população brasileira vive hoje em áreas urbanas, cuja expansão se deu de forma desordenada e sem condições mínimas necessárias de infraestrutura.  Embora a maior parte dos 5.564 munícipios brasileiros disponham de serviço geral de distribuição de água, apenas um pouco mais da metade dispõe de serviço de coleta de esgoto. Da mesma forma, embora quase 100% dos municípios tenham coleta de lixo, mais de 70% são depositados em terrenos a céu aberto, os chamados “lixões” e menos de 20% em aterros sanitários. A falta de saneamento básico nas cidades causa muitas doenças e eleva sobretudo o índice de mortalidade infantil, além de poluir as águas dos rios, lagos e estuários. A baia da Guanabara, no Rio de Janeiro, é a mais poluída do mundo, principalmente por causa do lixo e do esgoto despejados nas suas águas pelas centenas de favelas do Rio de Janeiro.

    Como se vê, portanto, o “problema ambiental” do Brasil no século 21 vai muito além do desmatamento da Amazônia. O desmatamento, apesar de grave não é o único “problema ambiental” do País e nem é o que afeta mais diretamente as condições de vida da maioria da população  amontoada nas grandes cidades sem as necessárias condições de saneamento, acesso a parques e áreas verdes e outras condições necessárias para uma vida decente.

    A questão ambiental no Brasil no século 21, portanto, é um caso típico do Terceiro Mundo, onde o que mais chama a atenção da comunidade internacional e, portanto, direciona os poucos recursos disponíveis para as políticas ambientais, não é necessariamente o que mais afeta o dia a dia da população. Na Amazônia vivem, hoje, quase 30 milhões de pessoas,  população equivalente à da Argentina, 90%  em algumas grandes cidades, como Manaus e Belém. Para quem visita essas cidades, o que mais chama a atenção não é propriamente o desmatamento, mas as precárias condições de saneamento da população   habita esses grandes centros urbanos incrustrados na selva amazônica. Apesar do desmatamento, 90% do estado do Amazonas, cuja área corresponde às áreas da França, Espanha, Suécia e Grécia somadas, é coberto por florestas ainda intocadas pelo homem. Entretanto, Manaus, a capital, é uma das cidades mais pobres do Brasil, com a maior parte da população vivendo em condições precárias de saneamento e dominada pelo tráfico de drogas. Na pandemia da Covid-19, Manaus foi uma das cidades brasileiras onde o número de mortes por habitante foi um dos mais elevados do Brasil.


    [1] Silva, E. F. e Juras, I. A. G. M. e Souza, S. M. A Política do Meio Ambiente como ela é. In: O Processo Legislativo, o Orçamento Público e a Casa Legislativa. Brasília, 2013, Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.google.com.br/books/edition/O-Processo-Legislativo-o-Or%C3%A7amento-P%C3%BAb/kYfgDwAAQBAJ?hl=pt-BR&gbpv=1&printsec=frontcover     Consultado em 29/11/2022

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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    2 COMENTÁRIOS

    1. Excelente análise da situação e desafios, do problema ambiental, que também envolve a miséria do seu povo.

    2. Muito importante a análise da realidade ambiental. A questão da coleta seletiva do lixo poderá minimizar os danos ao meio ambiente. Lixo é riqueza, quando reutilizado, reciclado, reaproveitado, entre outre outras providências. Os aterros sanitários são desperdícios. Existem países que transformam o lixo orgânico em adubo. O lixo inorgânica poderá ser bem administrado.

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