A ameaça de desmonte da pesquisa brasileira

Em poucas áreas da esfera pública, como no fomento às pesquisas científicas e tecnológicas, a insensibilidade pró-rentista dos dirigentes financeiros brasileiros, hoje capitaneados pelo ministro da Economia Paulo Guedes, se mostra de forma tão conspícua. Considerado como supérfluo ou de baixa prioridade por grande parte da tecnocracia fazendária e financeira, cuja ênfase absoluta é no serviço da dívida pública, o setor está à beira de um literal apagão pelos draconianos “contingenciamentos” orçamentários impostos pelo Ministério da Economia, e ameaçado de um virtual desmonte, a se concretizarem os cortes previstos para 2020.

A situação das agências federais de fomento à pesquisa e inovação é, para dizer o mínimo, calamitosa.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada ao Ministério da Educação (MEC), teve bloqueados R$ 819 milhões do seu orçamento previsto para 2019, de R$ 4,2 bilhões, vendo-se forçada a cancelar a concessão de 5.600 novas bolsas de pós-graduação em 2020.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), teve o mais baixo orçamento desde 2010, R$ 784 milhões, dos quais apenas pífios R$ 127 milhões foram destinados ao fomento de projetos de pesquisas e, mesmo assim, a metade desta quantia irrisória foi “contingenciada”. A situação das bolsas de pós-graduação é ainda mais crítica, e o órgão precisa de R$ 330 milhões para poder cumprir os pagamentos até o final do ano, o que ainda não está garantido pelo Ministério da Economia.

A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a principal fonte de recursos federais para inovações, por intermédio do Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), teve “contingenciados” nada menos que 90% dos recursos do fundo, originalmente, em torno de R$ 5,6 bilhões, cuja parte do leão foi desviada para o serviço da dívida.

O FNDCT é abastecido por recursos provenientes dos royalties da produção de petróleo ou gás natural, receita líquida das empresas de energia elétrica, retorno dos empréstimos concedidos à Finep, incentivos fiscais, compensação financeira pela utilização de recursos hídricos para a geração elétrica e outros.

A situação é crítica e, caso persista, implica na interrupção de um grande número de pesquisas em curso, com prejuízos incalculáveis para o País. Nas últimas semanas, a mídia tradicional e digital tem dado grande destaque a pesquisas ameaçadas, várias delas em áreas críticas como a saúde.

“Esses cortes afetam imediatamente uma série de pesquisas, mas o fundamental é que desmonta um sistema de ciência e tecnologia que vinha crescendo nas últimas décadas”, disse o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreita, em entrevista ao El País Brasil (09/09/2019).

A rigor, não se pode atribuir os problemas do setor ao atual governo, pois, como afirmamos no início, eles decorrem de um desprezo generalizado dos altos escalões dirigentes pela construção de uma capacidade científico-tecnológica autônoma no País, que se manifesta, entre muitos outros exemplos, no descaso com as atividades espaciais e na facilidade com que se permitiu a venda para a Boeing estadunidense da divisão comercial da Embraer, a empresa de maior conteúdo tecnológico já criada no Brasil. De fato, a raiz mais imediata da crise remonta à aprovação da famigerada Emenda Constitucional 95 (EC95), a chamada Lei do Teto, em 2016, a qual determinou o congelamento das despesas governamentais por 20 anos. Não obstante, em sua sanha de desmonte do que resta do aparelho do Estado, o ministro Guedes se mostra disposto a superar todos os seus antecessores, quanto ao desprezo pela construção do conhecimento nacional.

Ou seja, um passo crucial para a superação do impasse é a revogação das limitações impostas pela EC95, e não apenas na área de fomento à pesquisa, mas em outros setores igualmente ameaçados de paralisação a partir de 2020.

Em português claro, as perspectivas de o País começar a superar a crise no qual se arrasta desde 2015 passam pela percepção de que o serviço da dívida pública não pode continuar sendo o foco absoluto da formulação de políticas de governo.

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