O “Caldeirão Verde” de Luciano Huck

Luciano Huck

O conhecido apresentador de televisão Luciano Huck encontra-se em assumido “vestibular” para uma futura candidatura à Presidência da República. A pretensão, legítima para qualquer brasileiro nato maior de 35 anos com vocação para a vida pública, conta com o apoio aberto de determinados setores das elites dirigentes do País, em especial, oriundos de São Paulo, que têm no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso uma de suas referências. Para tanto, nas folgas das gravações do seu Caldeirão do Huck, na Rede Globo de Televisão, ele já começou a ser introduzido nos altos círculos oligárquicos internacionais, com duas participações no Fórum Econômico Mundial (Fórum de Davos), além de atuar em iniciativas dedicadas à “qualificação de futuras lideranças”, como o Movimento Agora! e a plataforma RenovaBR, tendo sido um dos fundadores desta última. Ocasionalmente, tem publicado artigos sobre grandes temas nacionais na Folha de S. Paulo. O mais recente, de 17 de outubro (“Não será possível crescer sem um plano de metas ambiental”), proporciona um oportuno vislumbre da visão do mundo e do País que compartilha com muitos desses atores, a qual denota uma perspectiva bastante limitada quanto às potencialidades e necessidades reais do Brasil, tanto para a superação da sua presente estagnação civilizatória, como para uma inserção protagonista e não subalterna na reconfiguração da ordem de poder global em curso.

O artigo gira em torno do “pensamento do futuro do Brasil como Potência Verde”, questionável conceito de que as suas perspectivas de desenvolvimento deveriam basear-se em uma agenda ditada pela percepção internacional sobre a condição de prestador mundial de “serviços ecológicos” do País, em troca da atração de investimentos privados externos, sem os quais, aparentemente, nenhum esforço próprio de desenvolvimento seria possível. Segundo Huck:

Essa nova bússola de grandes governos mostrou-se capaz de dar suporte a uma monumental mudança na avaliação para alocação de capitais privados, em escala planetária. A estimativa atual é a de que existe algo em torno de US$ 30 trilhões (cem vezes as reservas brasileiras) de investimentos privados que só podem ser aplicados em projetos que levem ao equilíbrio ambiental.

O roteiro para aplicação tem o nome de cláusulas ESG (Environmental, Social, Good Governance –Ambiental, Social e Boa Governança, em português). É acatado pelos maiores fundos de pensão, seguradoras, grandes fundos de investimento – e por uma infinidade de bancos e empresas. Todos optando voluntariamente por aportar dinheiro segundo essas cláusulas.

Para assegurar o bom comportamento necessário à atração de parte desses capitais, Huck propõe um “plano de metas ambiental”, já que seríamos “o país mais distante da adoção das metas nacionais de transição para uma economia limpa”. E lamenta:

Andamos na contramão do mundo por gosto, não por precisão. Não na economia real, mas no quadro institucional. A situação só não é pior porque, no setor privado, muitas grandes empresas têm se movimentado, saído da inação para ações concretas na tentativa de proteger nossa imagem mundo afora e a nossa economia.

Embora não cite exemplos dessas grandes empresas empenhadas em “proteger” a nossa imagem externa e a nossa economia, provavelmente, ele se refere aos grandes bancos e empresas com operações internacionais que aderiram à campanha de pressões dos fundos de investimentos sobre a alegada “destruição” da Amazônia brasileira, que, como temos documentado neste Alerta, nada tem a ver com preocupações ambientais reais, mas com a agenda da “financeirização” do meio ambiente global. Nela, a “preservação” do patrimônio natural do Brasil tem lugar de destaque, como “colateral” para toda sorte de operações especulativas e como instrumento de pressão política contra o País.

Ademais, Huck demonstra uma grande desorientação sobre as causas do subdesenvolvimento nacional e, por conseguinte, as maneiras de superá-lo. Depois de afirmar que “somos um país rico por natureza, e pobre por escolha”, ele apresenta a “solução” do impasse: “Assim sendo, já está mais do que na hora de entendermos que pensar verde, além de fazer bem para nossa consciência, fará ainda mais pelos nossos bolsos.”

Aqui, antes de outra consideração, cabe a pergunta: escolha de quem? Certamente, não da sociedade brasileira em geral, que há quase dois séculos anseia por lideranças comprometidas com um projeto de construção de uma Nação socialmente justa, inclusiva e solidária, cujas instituições possam refletir as melhores características do povo brasileiro, principalmente – como o próprio Huck destacou em sua última apresentação em Davos, em janeiro -, a sua criatividade, capacidade científica e “expertise”, às quais poderíamos acrescentar a sociabilidade. Em vez disto, tem tido que contentar-se com as sobras do virtual “balcão de negócios” em que o Brasil independente tem sido construído desde 1822, com um breve interregno de menos de meio século após 1930, quando, com altos e baixos, esteve presente a ideia de um projeto nacional de desenvolvimento com as próprias pernas.  Como muitos, Huck confunde as causas do progresso das nações, ao relacioná-las aos recursos naturais. Diz ele:

Assim estamos jogamos pela janela aquela que é uma oportunidade secular para avançar. No século 19, nos faltou carvão. Na maior parte do século 20, nos faltou petróleo. Não falta sol, nem vento, nem plantas que fornecem combustível que não produz efeito estufa. Temos tudo para a economia do século 21.

Ora, a falta de carvão não foi o impedimento para o avanço do Brasil no século XIX, mas o apego das elites domésticas ao regime de trabalho servil, cuja abolição tardia e mal resolvida, quase ao final do século, ainda hoje reverbera as suas consequências negativas, tanto socioeconômicas como culturais.

Tampouco a escassez de petróleo, equacionada apenas na parte final do século XX, não teve nada a ver com o abandono da proposta de projeto nacional iniciada por Getúlio Vargas em 1930, após o governo de Ernesto Geisel (1974-79), e a sua substituição pela hegemonia da alta finança “globalizada” sobre a economia real, consolidada na “Nova República”. Não por acaso, a Petrobras, empresa símbolo desse projeto de Nação, que em meio século converteu o Brasil em um dos grandes produtores mundiais de petróleo e derivados, está sendo esquartejada e entregue aos pedaços à sanha dos “mercados” descompromissados com as necessidades energéticas dos brasileiros.

Talvez, em seus estudos sobre história econômica, Huck ainda não tenha tido oportunidade de informar-se sobre as trajetórias de países que atingiram altos níveis de desenvolvimento sem dispor de recursos naturais de monta – casos do Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Bélgica, Dinamarca e outros (tampouco, nenhum deles chegou lá “pensando verde”). Denominador comum: muito mais do que os recursos naturais, o fator decisivo para o desenvolvimento é a qualidade dos recursos humanos e das instituições políticas e econômicas, engajadas em projetos nacionais bem definidos pelas elites dirigentes e relativamente compartilhados pelas respectivas sociedades. Em tais casos, a posse de recursos naturais significativos constitui um bônus, mas está longe de ser o fator decisivo.

Por isso, quanto à economia do século XXI, os seus protagonistas não serão definidos pela posse de “sol, vento ou plantas que fornecem combustível que não produz efeito estufa”, como sugere Huck, mas, principalmente, pelo “motor do conhecimento”, apoiado sobre condições de vida dignas – algo que não surge espontaneamente pela livre interação das forças “de mercado”, mas apenas com as sinergias proporcionadas por um projeto nacional de desenvolvimento.

Huck reforça essa desorientação “fisiocrática” nos parágrafos finais:

O Estado brasileiro foi montado para resolver os problemas de desenvolvimento de 1950, concentrando capitais para grandes projetos. Este objetivo de futuro já ruiu. Perdemos tempo, mas – graças à nossa natureza fértil, enorme potencial energético renovável e diversidade de biomas – ainda temos oportunidade. Temos a sorte ser donos de um passe fundamental para a nova era. Não podemos desperdiçar. Precisamos mudar – pois nos interessa e nos orgulha– ou seremos mudados à força e com vergonha.

Infelizmente hoje o Brasil não lidera nenhuma agenda global, além da tragédia da Covid-19, mas estou seguro de que, com uma mudança clara de caminho, podemos exercer mais rápido que o período de uma geração o papel de grande Potência Verde do planeta. Um país altamente produtivo, de fato comprometido com o meio ambiente e gerando riquezas para combater suas desigualdades. Eu acredito (grifos nossos).

Pelo menos, no prazo ele está certo: em algo em torno de uma geração, o Brasil tem plenas condições para converter-se, não em uma ilusória “Potência Verde”, mas em uma potência humanística comprometida com a superação do déficit de justiça social que tem sido a sua marca registrada desde sempre. Havendo a imprescindível vontade política, apoiada por uma massa crítica de conscientização na cidadania, é possível colocar o País, até meados do século, em uma trajetória firme de progresso em todos os aspectos relevantes. Todavia, isto não será possível com o roteiro proposto por Huck e seus apoiadores. 

FONTERevista Alerta Científico e Ambiental – Vol. 27 | nº 42

Não há posts para exibir

2 COMENTÁRIOS

  1. Dificil heim. Não estou levando a serio esta opcao. Por enquanto Jair está de pe caminhando para um 2 turno em 22 contra ou Hadad ou Ciro e o que pode ser centro direita com Rodrigo ou Doria. Este, a mosca na sopa apos a refrega ideologica da vacina chino- butanta. Este ultimo conhecido serpentario paulista.
    Mesmo com a obra nordestina Jair esta isolado com seu um terco no 2 turno. O Brasi l e a America Latina estão prostados diante da aventura trumpiana da extrema direita. Teremos centro direita civilizada ou esquerda tambem.
    A realidade paralela de Davos é delírio de poder deste mundo virtual das altas financas
    que logrou fazer personagens aqui e ali na Ucrania parcelada. Algo na Italia pos maos limpas ou Israel para ajudar Netaniaho. No pos lavajatismo brasileiro e de fabricacao de Moro, o midiatismo de Iriineu Marinho devera ter de embaralhar as cartas outra vez.
    Essa é a recomendacao de Mao ze dong para estas circunstancias taticas.

  2. A candidatura desse cidadão é a do sistema. Já nasceu morta. E se alguém dizer que é da GLOBO desaparece em uma semana.

Deixe um comentário

Escreva seu comentário!
Digite seu nome aqui