Vai passar

    Nós vivemos uma época ancorada em um pântano onde o que mais viceja é o sectarismo mais infantil, a intolerância mais irreconciliável, o ódio mais descontrolado.

    A pós-verdade dispensa o contínuo Histórico, despreza a cultura, erudita ou popular, e o tal do “novo”, tão apregoado pelos aproveitadores de sempre, transformou-se em relativismo absoluto.

    Cada semana surge uma nova interpretação de tudo e qualquer coisa, logo substituída por outras novas interpretações, e assim sucessivamente. De tal maneira que, como disse o escritor, “tudo o que é sólido se desmancha no ar”.

    Os pensadores atuais são atores e atrizes da grande mídia, personagens do show business, e os filósofos atuais encontram-se quase que diariamente em programas de TV a cabo a deitar “teses” que são mais de autoajuda que propriamente tentativas de interpretações sobre as contradições profundas do mundo contemporâneo.

    No vácuo, proposital, da incontornável vida política, que vive sob contínua chibatada dos seus inimigos, cuja fixação é mesmo o seu assassinato, artistas e cantores transformaram-se em líderes e teóricos dos rumos a serem seguidos por extratos médios.

    Sem referências do passado, ausência de reflexões razoavelmente bem sustentadas sobre o presente, vive-se um presente contínuo, como em uma roda gigante dos parques de diversão, subindo e descendo sobre o mesmo eixo, passando sempre pelo caminho inicial.

    O ativismo político é substituído, quase sempre, pela histeria política, especialmente nas redes sociais, que faz uma ponte com as notícias da grande mídia hegemônica, e se retroalimentam continuamente.

    Ser cristão ou ateu deixou de se caracterizar como uma opção de fé teológica, ou reflexão sobre a condição humana e sua finitude, transformou-se em uma cruzada radical, coletiva, de uns contra os outros. Cada um carregando a sua fé, ou ausência dela, como se fossem medalhas no peito, conquistadas em batalhas sangrentas contra inimigos mortais.

    Pensa-se em tudo, menos nos rumos do Brasil, seus dramas, imensas possibilidades, e superações urgentes.

    A pandemia da corona vírus mais parece uma catarse de um mundo em crise, onde as soluções de saúde, médicas, contra o vírus, transformaram-se em uma batalha ideológica, como se houvesse vacinas ou antivirais de esquerda, centro ou direita. O que existe são remédios, eficazes ou não.

    Como sabem, não sou, nunca fui, nem serei bolsonarista, mas o problema do Brasil é maior que os descaminhos do governo federal, em quase todos os níveis de governabilidade.

    Trata-se da doença “espiritual” de vocação autoritária em quase todos os extratos ideológicos, inclusive em parte da sociedade mais esclarecida, enquanto as grandes maiorias sociais, alheias a tudo isso, perambulam pelas ruas na busca da dura sobrevivência, em meio a uma crise sanitária, econômica, social, carregando, ainda por cima, os males estruturais, históricos do Brasil.

    Apesar disso, contornam-se as buscas das soluções concretas, através de uma tempestade de falsos ideologismos, incessantes, discute-se uma realidade paralela. Ou como me escreveu o amigo jornalista Ênio Lins: a pós-verdade é pseudoverdade, talvez sem exceções.

    No mesmo rumo, lembro a frase do velho amigo Plínio Lins: a boa mídia, a boa imprensa, é o único respiradouro, ao lado da arte, como forma eficaz de juntar inteligência e beleza. Lutemos por elas portanto.

    As soluções para as crises, pequenas ou grandes, como a atual, sempre surgiram através da via política, nas concertações de consensos, de amplas unidades.

    Até nas guerras, porque como afirmou o grande teórico dessa matéria extrema: a guerra é a continuação da política, por outras vias.

    Nesse caldeirão sectário que estamos vivendo, creio fundamental a primazia da vida democrática para a solução dos trágicos problemas nacionais. E nessa vida democrática, as eleições, como a que estamos exercendo na excepcionalidade dessa pandemia sanitária.

    Porque sem democracia e eleições quem vai decidir os nossos destinos são os caudilhos, os ditadores, ou os loucos predestinados pela fixação do poder.

    O que me lembra dos tristes déspotas latino-americanos, que narrou Gabriel Garcia Márquez, como o paraguaio que cismou de combater uma epidemia de sarampo que assolava o País irmão, cobrindo os postes de rua com papel celofane vermelho.

    Ou o caudilho de El Salvador, que após uma sangrenta batalha pelo poder, da qual saiu vitorioso, promoveu uma magnífica e babilônica festa de três dias e três noites, para enterrar a sua própria perna, perdida em combate.

    A pandemia da corona vírus vai passar, como tantas outras que viveu a humanidade, assim também esses tempos desorientados, como outros que já se foram.

    E a democracia, as eleições, são bem melhores que a insanidade dos ditadores. Portanto, vamos pelejar por elas, para o nosso próprio bem e do País. E quem puder mantenha o isolamento social, até a vacina, porque o bicho é brabo.

    Eduardo Bomfim
    Eduardo Bomfim é advogado, foi deputado na Assembleia Constituinte que elaborou a Constituição de 1988.

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    2 COMENTÁRIOS

    1. E salve a DEMOCRACIA!… Espero alcançarmos uma Democracia mais madura e menos vulnerável a instabilidade política, o Parlamentarismo. VIVA O BRASIL!!!

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