Trump conseguiu o que queria: transformar as dezenas de processos judiciais a que está respondendo, por supostos crimes cometidos antes, durante e depois de sua primeira gestão como presidente de 2017 a 2020, em elementos da campanha de 2024 para tentar voltar à presidência dos Estados Unidos. Ao se colocar como vítima de perseguição política, tenta ao mesmo tempo influenciar os tribunais para se livrar da cadeia e alimentar a mística do herói perseguido para seu fiel eleitorado. Enquanto nos tribunais o embate se dá em torno de fatos, teses jurídicas, provas e testemunhas, para a parcela do eleitorado que o apoia a questão se resume a uma perseguição política orquestrada pelos Democratas para impedir seu retorno ao poder.
Se já seria impensável um cidadão respondendo a tantas acusações e processos, inclusive por conspirar contra a própria democracia americana, tornar-se o candidato à presidência dos Estados Unidos indicado pelo Partido Republicano, que já teve em suas fileiras nomes como Abraham Lincoln, Theodore Roosevelt e Eisenhower, tê-lo como presidente dos Estados Unidos, pela segunda vez, beira as raias da insanidade. Entretanto, é o que tem grandes chances de acontecer.
Conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo (14/04), segundo uma nova pesquisa do New York Times/Siena College. Biden e Trump estão agora praticamente empatados, com Trump mantendo uma vantagem de 46% a 45%. O número é uma melhoria para Biden em relação ao fim de fevereiro, quando Trump tinha uma vantagem de 48% a 43%, mas o apoio popular a Trump não deixa de ser algo impressionante, sobretudo se considerarmos que a gestão do atual presidente Joseph Biden, pelo menos na economia, não tem sido ruim.
É verdade que no período em que Trump foi presidente o mercado de ações alcançou recordes históricos, em grande medida porque os juros baixos dos tempos da pandemia atraíram ainda mais os investidores para as Bolsas, e muita gente ganhou muito dinheiro. Mas como afirmou Paul Krugman em artigo no New York Times (05/04), “Os economistas, inclusive eu, lembram frequentemente às pessoas que o mercado de ações não é a economia. O baixo desemprego e o aumento dos salários reais – ambos os quais, aliás, a economia de Biden proporcionou, mesmo que muitas pessoas não acreditem – têm muito mais relevância para a vida da maioria das pessoas.” O grande problema de Biden é que ele não consegue convencer os eleitores de que as boas notícias na economia são o resultado de iniciativas do seu governo.
Na verdade, o problema não é Trump, nem sua ambição de tornar-se novamente presidente dos Estados Unidos, que qualquer Napoleão de hospício, lá ou em qualquer outro país, poderia ter, mas as condições que permitiram que um sujeito com suas credenciais, ou a falta delas, pudesse encarnar um projeto político que empolga quase metade dos eleitores norte-americanos, fenômeno que, aliás, se repete em quase todo o mundo.
É um sinal dos tempos. E que tempos são esses? Tempos em que as pessoas perderam a fé na política e nas instituições e vão atrás de falsos messias que lhes prometem o retorno a um passado idealizado no qual sequer viveram. Descrentes do futuro, entregam-se nos braços de charlatões que prometem fazer o tempo parar e girar para trás a roda da história.
Obviamente sempre haverá quem se beneficie disso e não faltará quem esteja disposto a financiar seu aventureirismo. Como observou Krugman no já mencionado artigo, ao tentar responder à pergunta de por que os bilionários norte-americanos estão apoiando Trump, “Uma resposta simples é que os ricos pagarão quase certamente impostos mais baixos – e as empresas serão menos regulamentadas – se Trump vencer do que se Biden permanecer no cargo.” Além disso, observa Krugman, “Eu também especularia que mesmo os multimilionários que reconhecem as tendências autoritárias de Trump provavelmente imaginam, se pensarem nisso, que a sua riqueza os protegerá de exercícios arbitrários de poder.” Podem estar enganados.