Ao vencer Nikki Haley nas eleições primárias em seu próprio estado, a Carolina do Sul, onde foi governador, Trump está a um passo de tirar do páreo sua última concorrente. Ron DeSanctis, o ultraconservador e jovem governador da Flórida, que no início do processo aparecia como seu mais forte adversário, desistiu em janeiro, após perder por uma enorme diferença a indicação no estado de Iowa.
Como destacou o jornal O Estado de S. Paulo, em 25/2, “Apesar de seus problemas com a Justiça, Trump, de 77 anos, é o grande favorito na corrida pela indicação republicana, que designará o candidato para as eleições presidenciais de novembro. Com a vitória deste sábado, o empresário venceu as quatro primárias já organizadas pelo partido. Vários oponentes desistiram da disputa. Nikki Haley, de 52 anos, é o único nome de peso que continua no caminho do ex-presidente”.
Caso Trump vença as primárias, o que a esta altura parece praticamente certo, apesar dos financiadores de campanha continuarem a despejar dinheiro na campanha de Nikki Haley e ela própria ainda não ter desistido, as chances de Trump voltar à Casa Branca são reais. Pelo menos é o que indicam as pesquisas.
Segundo o acompanhamento de pesquisas eleitorais feitas pela revista inglesa The Economist, Trump, com 45% das intenções de voto está à frente de Joe Biden, que tem 42%. Embora a própria revista advirta que “as pesquisas pré-eleitorais têm poder preditivo limitado para o resultado final até o final do verão em um ano eleitoral”, o fato é que apesar de os dois candidatos serem altamente impopulares, no momento, Trump leva uma pequena vantagem. Trump enfrenta acusações federais por sua suposta participação no esquema de melar o resultado das eleições presidenciais de 2022, quando foi derrotado por Biden, mas a presidência de Biden foi marcada por uma inflação elevada e turbulências no exterior, no Afeganistão, na Ucrânia e, mais recentemente, no Oriente Médio.
E a possibilidade de Trump voltar gera preocupações não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo, uma vez que sua visão de política externa, em alguns aspectos, vai em direção oposta à do atual presidente Joe Biden. Em temas como relações com a Rússia e Guerra na Ucrânia, relações dos Estados Unidos com a Europa e a Otan, relações com a China e a posição dos Estados Unidos em relação a Taiwan, mudanças climáticas e aquecimento global, reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), controle de armas nucleares e migração, entre outros, a posição dos Estados Unidos poderá passar por mudanças importantes que tendem a reconfigurar a ordem global de forma bem diferente do que a imaginada por Biden e parte importante do establishment norte-americano, a começar por Wall Street, caso Trump venha a ser eleito.
Se para o bem ou para o mal é impossível dizer e, como tudo, depende dos interesses e do ponto de vista de quem observa. Se, de um lado, a visão de Trump sobre o papel dos Estados Unidos no mundo é mais isolacionista que a de Biden, o que, em tese, poderia diminuir a interferência e o papel desestabilizador dos Estados Unidos no plano mundial, por outro lado, sua visão agressiva de defender os interesses dos Estados Unidos diante do resto do mundo que, em sua opinião, “explora” o seu país, pode levar a uma escalada ainda maior nas tensões geopolíticas globais.
Se para Biden o grande inimigo é a China, para Trump, o inimigo é todo o mundo e isso faz uma enorme diferença. Com relação à Rússia, um tema que preocupa particularmente a Europa, a visão de Trump é menos antagônica que a de Biden e mais crítica em relação à União Europeia. Em sua opinião, os europeus aproveitam-se dos Estados Unidos para se defender contra a ameaça russa, sem oferecer nenhuma contrapartida, transferindo assim o custo de sua própria defesa para os contribuintes norte-americanos. Com Trump na presidência, os Estados Unidos poderiam lavar as mãos em relação à Ucrânia e deixar o problema inteiramente nas mãos dos europeus.
Na área do comércio, uma posição mais isolacionista dos Estados Unidos, que, além da China, se voltasse contra aliados dos Estados Unidos, sobretudo a União Europeia, como Trump tentou fazer em seu primeiro mandato, poderia forçar os europeus a se aproximarem mais da China para compensar as dificuldades que teriam para vender seus produtos no mercado norte-americano. Segundo o jornal de Hong Kong, South China Morning Post, “Observadores disseram que as preocupações com as eleições nos EUA no final deste ano poderiam beneficiar a China, à medida em que procura ganhar a confiança da Europa para defender um sistema internacional multipolar no meio da rivalidade geopolítica com os Estados Unidos. (…) O ex-presidente [Trump] opôs-se a novos financiamentos para a Ucrânia e disse no início deste mês que encorajaria a Rússia a “fazer o que quisesse” com qualquer aliado da Otan que não cumprisse as suas obrigações financeiras.”
Trata-se, enfim, de um quadro bastante complexo, carregado de incertezas, que pode dar origem a diferentes cenários globais sobre os quais não podemos, no momento atual, mais do que especular e, se possível, preparar-nos para o pior, na opinião de cada um.