Para ir num sábado ao Parque do Ibirapuera, em São Paulo, Oliver Stuenkel vestiu seu tradicional uniforme de corrida, a camisa da Seleção brasileira de futebol, ao que foi advertido pela mulher: “Vão achar que você é bolsominion.” A advertência conduziu este professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas a refletir sobre a tendência mundial em curso de grupos de direita se apropriarem de símbolos nacionais como um emblema particular de sua linha política, intimidando os que comungam noutros credos e não querem ser confundidos com os adversários. Em geral, os grupamentos de extrema-direita em ebulição na Europa usam as bandeiras nacionais para forjar, como observou Stuenkel, “uma suposta divisão da população entre patriotas de um lado e inimigos da pátria de outro”, escreveu em sua coluna em El Pais.
A apropriação exclusiva das bandeiras está em curso na Finlândia, Hungria, Alemanha, Itália e também nos Estados Unidos da Era Trump, empunhada por grupos ou partidos políticos ultranacionalistas, xenófobos, supremacistas ou que simplesmente acham-se mais patriotas que os outros. No Brasil, essa demarcação particularista se delineou nas manifestações tanto genéricas como antigovernamentais de 2013 e a seguir se especificou entre os partidários do candidato Jair Bolsonaro – tornando-se um elemento de uso exclusivo nos atos de apoio ao governo iniciado em 1.º de janeiro.
Mais que a bandeira nacional, no entanto, o uniforme político distintivo do bolsonarismo tem sido a camisa da Seleção – uma alegoria decalcada do símbolo oficial, a bandeira, pois repete as cores verde, amarela e azul que Raimundo Teixeira Mendes, Miguel Lemos, Manuel Pereira Reis e Décio Vilares imprimiram, já em 19 de novembro de 1889, no pavilhão que passou a representar a República. Em 1909 surgiu o hino, com música de Francisco Braga e letra de Olavo Bilac: “Salve, lindo pendão da esperança / Salve, símbolo augusto da paz!”
Desde então a bandeira é desfraldada em manifestações de quaisquer correntes políticas, sobretudo quando está em debate uma questão de interesse nacional. Foi assim, em exemplos sumários, nas manifestações pela entrada do Brasil na Segunda Guerra nos anos de 1940, na campanha O petróleo é nosso, nos de 1950, e na jornada pela Diretas, Já, nos de 1980.
A diferença, para os nossos tempos, é que essas campanhas tinham apoio unânime ou majoritário da população. A contundente polarização atual fratura o grosso da nacionalidade em duas correntes. Mas a questão de fundo é que os símbolos nacionais pertencem a todos, e podem e devem por todos ser utilizados sem constrangimento. Os bolsonaristas têm todo o direito de vestir o amarelo da pátria e da Seleção, mas não podem reivindicar exclusividade. Ativistas de outras linhas políticas igualmente têm a prerrogativa de vestir suas ideias com as cores do País e levá-las às ruas sem acanhamento. O temor de confusão com os oponentes, ou mesmo de uma reação hostil, não deve elidir a noção de que os símbolos do imaginário nacional estão acima dos grupos e se mantêm universalizados como signos cívicos da Nação (Sérgio Buarque de Gusmão).
PS – Stuenkel não se intimidou e foi correr no Ibirapuera vestindo a Amarelinha.