Rebelião do grupo Wagner expõe as fragilidades do arranjo de poder que Putin comanda

    A rebelião comandada pelo chefe do grupo Wagner de mercenários e antigo aliado do presidente Vladimir Putin, Yevgeny Prigozhin, expôs as fragilidades de uma estrutura de poder que surgiu de compromissos entre grupos de interesse que disputaram o espólio da ex-União Soviética.

    O uso de milícias privadas em atividades militares e de segurança não é novidade. Os Estados Unidos também fazem amplo uso desse tipo de serviço. Nas guerras do Iraque e do Afeganistão mais de 50% das forças americanas era de soldados profissionais empregados por essas organizações privadas, mas essas forças sempre estiveram sob o comando operacional do exército norte-americano. No caso da Rússia, entretanto, onde se afirma existirem mais de 300 grupos privados de mercenários, alguns desses grupos não são apenas prestadores de serviços para o governo, mas, aparentemente, têm participação ativa no jogo de poder que Putin comanda e manobra há três décadas. Enquanto o esforço de guerra da Rússia é ostensivamente liderado pelos militares, senhores da guerra como Prigozhin e o líder checheno Ramzan Kadyrov tornaram-se cada vez mais proeminentes graças ao seu acesso direto a Putin.

    Com o fim da União Soviética, em 1991, o espólio do estado russo foi disputado pelos mais diversos grupos de interesse encastelados nas várias organizações e agências do aparelho de Estado do antigo regime e o arranjo específico que levou Vladimir Putin ao poder é apenas uma das diversas possibilidades que surgiram do caos provocado pela Perestroika e pela Glasnost sob o comando de Gorbachev. Como afirmou Shlomo Ben-Ami, ex-ministro das Relações Exteriores de Israel, em artigo publicado no site Project Syndicate (29/6), “Putin privatizou várias partes do governo, criando uma classe restrita de beneficiários fabulosamente ricos e politicamente leais. (…) Embora parte dessa corrupção possa ser rastreada até a União Soviética, Putin exacerbou o problema ao cultivar sua própria rede de clientelismo e nepotismo”.

    Os atritos de Prigozhin com os comandantes das forças regulares das Forças Armadas da Rússia eram bem conhecidos, mesmo porque o chefe do grupo Wagner fazia questão de acusar publicamente tanto o ministro da defesa russo, como o chefe-de-estado-maior, de boicotarem sua milícia, não fornecendo armamento e munições na quantidade necessária, além de afirmar para quem quisesse ouvir que os comandantes militares eram todos corruptos. A gota d’agua parece ter sido a exigência de que todos os soldados do grupo Wagner assinassem um contrato direto com o exército supostamente para garantir as indenizações das inevitáveis mortes e mutilações, o que para Prigozhin soou como uma tentativa de tirá-lo do jogo de poder.

    O fato de a revolta ter sido encerrada de forma tão abrupta como começou e de Putin ter anistiado os revoltosos, inclusive Prigozhin, é mais um fato que corrobora a tese de que o regime sob comando de Putin está apoiado sobre um complexo arranjo de grupos de interesses e que a nenhum deles convém, no momento, uma luta interna que desestabilize esse arranjo do qual Putin é o principal fiador. Por outro lado, é pouco provável que esse incidente influa nos rumos da guerra, ou, se influir, certamente será para melhor para o lado russo, uma vez que ao remover Prigozhin, Putin eliminou um importante fator de desestabilização na força russa na Ucrânia.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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