Durante anos, Donald Trump atacou a China, descrevendo-a como a principal causa de todos os tipos de males nos Estados Unidos. Durante a campanha prometeu sobretaxas de 60% sobre as exportações chinesas, além das já existentes. Apesar das promessas, em seu discurso de posse só mencionou uma vez a China para dizer que ela controla o Canal do Panamá, o que, aliás, não é verdade. Em vez das tarifas anunciou um grupo de trabalho para realizar um estudo sobre práticas comerciais injustas e para saber se Pequim cumpriu as promessas comerciais feitas no seu primeiro mandato, diferentemente do que fez com o México e Canadá, aliados de longa data dos Estados Unidos, aos quais Trump aplicou uma sobretaxa de 25% a partir de 1° de fevereiro, sem dar margem a nenhum diálogo prévio. No caso da China o presidente norte-americano tem dado sinais de que quer negociar.
Um dos temas que Trump pôs na mesa é a venda do TikTok, o aplicativo de compartilhamento de vídeos curtos mais popular nos Estados Unidos, com 170 milhões de usuários, cuja proprietária é a empresa chinesa Bytedance, para controladores norte-americanos. Alguns dias antes da sua posse, em 20 de janeiro, venceu o prazo dado pela Suprema Corte dos Estados Unidos para que a TikTok fosse vendida para controladores americanos, sob pena de o aplicativo ser colocado fora do ar, não fosse a intervenção de Trump solicitando mais um prazo para se tentar chegar a um acordo. O próprio Trump confirmou que um dos interessados no negócio seria a Microsoft.
Tudo indica que Trump está adotando com a China uma abordagem mais relacional e pragmática de política externa, do tipo toma lá dá cá, ao contrário de seu antecessor Joe Biden, cuja abordagem era mais ideológica. Para os chineses isso é ótimo. Já sinalizaram inclusive que estão dispostos a conversar. Trump, por sua vez, já afirmou a assessores que deseja visitar a China.
Segundo noticiou o Wall Street Journal (21/01/2025), “Trump e Xi conversaram por telefone na sexta-feira pela primeira vez desde a eleição de novembro, discutindo comércio, fentanil, TikTok e outros assuntos. “É minha expectativa que resolvamos muitos problemas juntos e começando imediatamente”, escreveu Trump nas redes sociais após a ligação”.
Ainda segundo o jornal, “Com a pressão econômica crescendo na China, Pequim tem um forte interesse em se envolver em negociações para evitar, ou pelo menos desacelerar, os aumentos de tarifas prometidos por Trump. Uma cúpula entre os dois líderes, disseram pessoas próximas à tomada de decisões de Pequim, poderia ajudar a impulsionar o processo. Trump prometeu impor tarifas de até 60% sobre as importações da China”.
De acordo com South China Morning Post (21/05/2025), o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Guo Jiakun, depois de ser questionado se Pequim convidaria Trump para uma visita, afirmou que “A China está pronta para trabalhar com o novo governo dos EUA sob a orientação estratégica dos dois presidentes”. Acrescentou que “[A China] seguiria os princípios da coexistência pacífica, administraria as diferenças mútuas e promoveria maior progresso nas relações bilaterais a partir de um novo ponto de partida”.
Trump convidou o presidente Xi Jinping para sua posse. Xi não foi, mas enviou o vice-presidente Han Zheng, num sinal de deferência. Elon Musk, um dos empresários mais próximos de Trump e agora membro do governo tem negócios com a China, é o dono da Tesla, que opera uma grande fábrica de veículos elétricos em Xangai e em 2023 produziu cerca de 947.000 carros na China. Em 2024, bateu recorde de vendas naquele país, comercializando mais de 657.000 unidades.
A moderação inicial de Trump em relação à China também pode ser lida como uma vitória de Elon Musk, mas a razão de fundo é que, pelo menos neste início de governo, Trump está procurando alvos fáceis, sem capacidade de revidar. Não é o caso da China, um osso duro de roer para os Estados Unidos.
É preciso considerar, entretanto, que a equipe de política externa de Trump deve ser dominada por políticos linha-dura em relação à China, e não será surpresa se for desencadeada uma nova guerra comercial contra a China. Trump tem importantes cargos de política externa e segurança nacional com extremistas de direita, alguns dos quais com menos de 50 anos, marcando um afastamento dos tipos de altos funcionários que ele selecionou após a eleição de 2016.
O potencial de conflito entre Estados Unidos e China é enorme e o projeto de Trump de “fazer a América grande de novo” está em linha de colisão com o “Made in China 2025” do presidente Xi Jinping. O superávit comercial chinês, uma obsessão de Trump, subiu para US$ 1 trilhão às vésperas de sua posse. Questões altamente incandescentes, como Taiwan, o Mar do Sul da China, o BRICS, fentanil, dentre outras, podem a qualquer momento degringolar as relações bilaterais sino-americanas. É difícil, há apenas duas semanas desde o início do governo, fazer previsões, mas um fato é certo: diferentemente de 2018, quando a China foi pega de surpresa pela guerra comercial desencadeada por Trump, hoje a China está mais bem preparada e não parece estar com medo de Trump e com maior capacidade de retaliação.
Como observou Yan Xuetong, Professor Emérito e Presidente Honorário do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Tsinghua, em artigo publicado na revista Foreign Affairs (20/12/2024), “Os líderes da China, no entanto, não olham para Trump com medo. Eles aprenderam muito com seu primeiro mandato. Sua propensão à proteção econômica levará a mais disputas e tensões crescentes, mas Pequim acredita que pode navegar em tais confrontos. Além disso, o compromisso duvidoso de Trump com os aliados dos EUA encorajará outros países a protegerem suas apostas, construindo laços com Pequim para compensar a imprevisibilidade de Washington. A probabilidade de confrontos militares com os Estados Unidos também é baixa. Como a política externa de Trump nunca evidenciou nenhum compromisso ideológico profundo, parece improvável que a competição entre os dois países assuma as dimensões mais destrutivas da Guerra Fria. Ele chegará em breve à Casa Branca com a intenção de conter a China, mas os líderes chineses não temem seu retorno.”