O governo do presidente Emmanuel Macron enfrentou greves nas últimas semanas em protesto contra seu plano de elevar a idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos na França.
A maioria dos partidos de oposição e a maioria dos franceses se colocam resolutamente contra a reforma no sistema de aposentadoria. Os que se opõem à reforma acusam o governo de desmantelar com brutalidade direitos duramente adquiridos em um Estado de bem-estar social moderno. Conforme noticiou a revista inglesa The Economist (10/3) “Uma aliança de esquerda de oposição afirma que seria mais justo taxar “superlucros” ou os ricos. Um imposto de 2% sobre os ativos dos bilionários franceses, sugeriu um relatório do instituto Oxfam na França, aniquilaria o déficit nas aposentadorias da noite para o dia. Segundo o governo, o déficit da previdência será de € 14 bilhões (US$ 15,2 bilhões) em 2030.
A diminuição nas horas laborais, projetada originalmente para proteger trabalhadores de abusos, tornou-se parte da história da França no pós-guerra. Em 1982, François Mitterrand baixou a idade mínima de aposentadoria de 65 para 60 anos. Duas décadas depois, a França introduziu a semana laboral de 35 horas. A fatia de franceses que consideram trabalhar “muito importante” caiu de 60% em 1990 para apenas 24% em 2021, de acordo com o instituto de pesquisas Ifop. A pandemia acelerou essa mudança, afirma Romain Bendavid, em um artigo para a Fondation Jean-Jaurès, um centro de análise. Até 2022, apenas 40% dos franceses afirmavam preferir ganhar mais e ter menos tempo livre, contra 63% em 2008”.
A criação do chamado “estado de bem-estar social” na Europa no imediato pós-guerra coincidiu com os chamados “30 anos gloriosos do capitalismo mundial” que se estenderam do final da II Guerra, em 1945, até meados da década da 1970. Baseou-se em um modelo de regulação da economia capitalista que garantia que os ganhos de produtividade fossem, em parte, transferidos para os trabalhadores tanto na forma de melhores salários como de benefícios sociais. Tal modelo de regulação começou a desmoronar em meados dos anos 70 do século passado quando, diante da redução das taxas de lucro, uma série de reformas passaram a ser implementadas visando reduzir os custos de produção das empresas com o objetivo de recuperar sua lucratividade.
Foi nesse período que ascenderam ao poder Margareth Thatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos, abrindo caminho para o abandono das políticas keynesianas em favor do neoliberalismo. A essência do pensamento neoliberal é o retorno às políticas do lessez-faire, que caracterizaram a fase inicial do capitalismo industrial na Europa, quando a ausência de regulação do Estado permitia aos capitalistas impor aos trabalhadores jornadas extenuantes de trabalho, inclusive para mulheres e crianças.
Desde então o que vem ocorrendo na Europa e no resto do mundo é o desmonte paulatino do que restou do estado de bem-estar social implantado no pós-Guerra. Retirada de direitos trabalhistas, aumento das jornadas de trabalho, aumento da idade de aposentadoria, redução de impostos para os mais ricos são características do novo modo de regulação da economia capitalista neoliberal em todo o mundo, uma espécie de “capitalismo com a faca na garganta e sangue nos olhos” em que a regra é que não há regras e só os mais ousados sobrevivem.
A consequência disso tem sido o aumento sem precedentes da desigualdade social. Ao mesmo tempo que o número de bilionários aumenta em todo o mundo, o número de miseráveis aumenta na mesma proporção. A quantidade de pessoas vivendo nas ruas das grandes metrópoles, de jovens desempregados, sem perspectiva de futuro, de cidades dominadas por gangs de criminosos e traficantes é o retrato cruel desse novo mundo. A proporção de pessoas trabalhando em empregos informais, sem nenhum direito social, já é maior, em muitos lugares, ao número de trabalhadores protegidos pelas leis trabalhistas estabelecidas antes da década de 1970. A chamada “uberização” da economia mostra o lado perverso das transformações em curso, em que a tecnologia está a serviço do enriquecimento de poucos e da pauperização da maioria.
O presidente Macron, na França, é um representante típico dessa modernidade neoliberal e vem trabalhando para tornar a França, um dos últimos bastiões do estado de bem-estar social do pós-guerra, mais parecida com o resto do mundo. A justificativa é que sem essas reformas a França perde competividade frente aos seus concorrentes que já desmantelaram o estado de bem-estar social no passado. É uma espécie de corrida para o fundo, na qual o que nos espera no fim do túnel é o retorno à barbárie. Os trabalhadores franceses resistem, mas pouco podem fazer a respeito. Como diz a Bíblia, “para que uma nova planta nasça é preciso que a semente apodreça”.